Gabriel Delanne




Delanne, Gabriel (1857 - 1926)

Gabriel Delanne era filho de pais espíritas convictos e praticantes, sendo o seu pai um dos fundadores da Liga Parisiense de Ensino e afeiçoado amigo de Allan Kardec, fazendo parte com este da direção da Sociedade Espírita fundada por ambos. Sua mãe, portadora de mediunidade ostensiva, muito colaborou na codificação kardequiana com suas comunicações, transmitindo informações confiáveis filtradas do mundo espiritual através de seus dons. Nasceu portanto esse grande defensor do Espiritismo em ambiente espiritual propício a sua preparação, o que se fez nos moldes rigorosamente científicos e com estrita fidelidade ao seu codificador. Afirmando sempre que a sua crença inabalável era a espírita, e dedicando-se desde cedo à pesquisa experimental dos fatos presenciados dentro da sua própria casa, veio a receber da espiritualidade uma mensagem cujo teor o faria mais dedicado e disciplinado para com suas pesquisas. Dizia a mensagem: "Nada temas. Tem confiança. Jamais ser rico do ponto de vista material. Coisa alguma, porém, te faltar na vida".

Em 1883 ele fundou a revista "O Espiritismo" graças à generosidade de uma inglesa, Elisabeth D'Esperance, que lhe doou o dinheiro para as despesas. Passou então a realizar experiências com grandes médiuns. Em 1904 juntamente com Charles Richet e outros estudiosos,presenciou os prodigiosos fenômenos de materialização de Vila Cármen, em Argel. A produção literária de Delanne não se apóia em especulações imaginárias, mas em fatos por ele mesmo investigados e confirmados. Dedicando-se de maneira especial ao trabalho de demonstrar que o Espiritismo se apóia em bases científicas, escreveu essas principais obras hoje conhecidas em todo o mundo: "Pesquisas sobre a Mediunidade", "A Alma é Imortal", "O Espiritismo perante a Ciência", "O Fenômeno Espírita","A Evolução Anímica", "As Aparições Materializadas de Vivos e Mortos", "Documentos para o Estudo da Reincarnação". e finalmente "A Reencarnação".

Em "O Espiritismo perante a Ciência", ele traça com rara maestria um quadro completo dos dados que o psiquismo pode apresentar para merecer o respeito dos cientistas. E como demonstração da admirável segurança de sua argumentação, basta que se lance os olhos sobre suas páginas e verifique-se, que desde a época já distante em que apareceu a primeira edição desta obra, o seu autor teve a satisfação de verificar que algumas das mais importantes teorias expostas tiveram a consagração da Ciência.

Em sua luta para estabelecer a verdade espírita, sabedor dos males gerados pela ignorância, pelo fanatismo e pela paixão desregrada escreve: "A luta é inflamada e provavelmente ser longa, de vez que os prejuízos religiosos e científicos se mostram obstinados. Insensivelmente, porém, a evidência acaba impondo-se. Temos agora a convicção de que a certeza da imortalidade se tornar uma verdade científica, cujas conseqüências benfazejas, fazendo-se sentir no mundo inteiro, mudarão os destinos da humanidade". Homem de mentalidade politécnica, afeiçoado desde cedo aos estudos exatos, às observações frias, às deduções rigorosas, foi o chefe supremo da parte experimental do Espiritismo à qual deu o maior desenvolvimento, ainda não suplantado.

Delanne fez ver através de suas obras que a Física moderna, o magnetismo, o hipnotismo, a sugestão verbal ou mental, a clarividência, a telepatia e o Espiritismo, todos esses conhecimentos novos são convergentes para as fronteiras espirituais. Tornou evidente que as provas das comunicações dos espíritos, sendo tão numerosas quão variadas tornariam o Espiritismo uma demonstração científica da imortalidade. Em sua luta incessante iniciada aos 13 anos, publicou aos 68 anos de idade uma obra de incomparável valor intitulada "A Reencarnação", última de seu gênio privilegiado. Pela solidez apresentada, pelo rigor de sua lógica, pelo valor de sua argumentação, pela escolha de suas provas, pela superioridade de sua tese, e pela imparcialidade com que apresenta os fatos, essa obra ‚ a primeira da coleção delanneana.

Abordando todas as angulações elaboradas pela codificação, Delanne sempre respondia com humildade sobre sua prória obra: "Nada tenho dilatado. Tudo que há é de Kardec. Apenas tenho feito constatações. Mostrei-as em meus livros e demonstro-as na prática diária. Nada acrescento". Excesso de modéstia dele. Sua obra complementa e solidifica os ensinamentos de Kardec, abordando temas correlatos e aprofundando outros onde o grande codificador não dispusera de tempo para considerações maiores.

Delanne foi o pesquisador que de maneira incansável soube aproximar a ciência da religião, certo que ambas teriam que caminhar unidas para uma compreensão lógica do universo e dos seus habitantes, os espíritos. O insigne pesquisador dedicou toda a sua vida à propagação do Espiritismo, pelo qual se sacrificou inutilmente aos olhos daqueles que só vêem no imediatismo a verdadeira razão do viver humano e por isso não podem compreender que, por força desse desprezo pelas vaidades e ambições terrenas, ele se cobriu de glórias espirituais pelo trabalho bem conduzido, sem vacilações e fielmente executado até seu derradeiro instante da vida corpórea.

Fonte: http://www.mcanet.com.br/graomostarda


Gabriel Delanne - Médium aos Oito Anos

SUELY CALDAS SCHUBERT

Sob o título Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, narra o insigne Codificador um dos mais lindos casos da coleção da Revista Espírita.

A singeleza do episódio, a naturalidade com que tudo acontece e, especialmente, o eloqüente atestado da precoce maturidade de Gabriel Delanne, o protagonista, tornam a leitura deste caso bastante comovedora.

A maneira como Kardec o registra, com minúcias, leva-nos a criar mentalmente a cena inusitada.

Convido o leitor a abrir a Revista Espírita, ano de 1865, em outubro, se a tiver em sua biblioteca, para fazermos juntos essa viagem tão grata.

O mestre lionês inicia citando que o Sr. Alexandre Delanne, já conhecido dos leitores da Revista, tem um filho de oito anos, Gabriel, e que este a todo instante ouve falar do Espiritismo em sua família. Ressalta que o garoto se iniciou cedo na Doutrina e “surpreende pela justeza com que raciocina os seus princípios”. Mas, Kardec acrescenta que afinal de contas isto nada tem de surpreendente, “pois é apenas o eco das idéias com que foi embalado”.

Gabriel, por várias vezes assistiu às sessões mediúnicas presididas por seu pai, que as dirigia com perfeita ordem, com método e recolhimento.

Certa vez, o menino se achava em casa de um conhecido, brincando com a priminha de cinco anos e mais dois meninos, um de sete e outro de quatro anos. A senhora que residia no térreo chamou-os e ofereceu-lhes bombons e convidou-os a entrar em sua casa, ao que as crianças atenderam. Estabeleceu-se entre ela e o filho do Sr. Delanne o seguinte diálogo:

-Como te chamas, meu filho?

-Eu me chamo Gabriel, senhora.

-Que faz teu pai?

-Senhora, meu pai é espírita.

-Não conheço esta profissão.

-Mas, senhora, não é uma profissão; meuu pai não é pago para isto, ele o faz com desinteresse e para fazer o bem aos homens.

-Meu rapazinho, não sei o que queres diizer...

-Como! Jamais ouvistes falar das mesas girantes?

-Então, meu amigo, bem gostaria que teuu pai estivesse aqui para as fazer girar.

-É inútil, senhora, eu tenho, eu mesmo,, o poder de as fazer girar.

-Então queres experimentar e me fazer vver como se procede?

-De boa vontade, senhora.

O menino e seus coleguinhas sentam-se ao redor da mesa, pondo as mãos em cima. Gabriel faz uma evocação, em tom muito sério e com recolhimento. Para surpresa geral a mesa moveu-se e bateu com força. A pedido do menino, a dona da casa pergunta quem está ali e a mesa soletra: teu pai.

A senhora, muito emocionada, passa a interrogá-lo a respeito de uma carta que acabara de escrever. Pede provas de que era mesmo o pai propondo questões íntimas e todas as respostas foram corretas. As revelações foram demais e ela não consegue prosseguir, dominada pela emoção.

Kardec extrai a seguir algumas conclusões desta caso: a autenticidade, a questão da mediunidade nas crianças e a realização das palavras proféticas “vossos filhos e vossas filhas profetizarão”.

Por nosso lado surgem também algumas r eflexões em torno desse lindo caso de Gabriel Delanne.

É oportuno, antes de prosseguirmos, apresentar aos leitores algumas informações acerca da vida desse menino, que conheceu o Codificador do Espiritismo e com ele conviveu.

Nasceu Gabriel Delanne em Paris, a 23 de março de 1857, filho de Alexandre Delanne e da Sra. Marie-Alexandrine Didelot Delanne. Seu pai era amigo e colaborador de Kardec e sua mãe possuía excelentes dotes mediúnicos. Gabriel tornou-se, quando adulto, engenheiro eletricista.

Ao contar suas lembranças infantis, Gabriel menciona que, certa vez, Kardec, pondo-o sobre os joelhos, abraçou-o e profetizou que ele seria “um sacerdote do Espiritismo”, ao que Gabriel esclareceu: “Não fui bem um ‘sacerdote’, mas tenho a presunção de que fiz o possível em minhas forças para bem servir à Doutrina, no setor que me coube.” (...) “Nada tenho dilatado. Tudo que há, é de Kardec. Apenas tenho feito constatações”(...)

Na realidade Gabriel Delanne foi o “gigante do Espiritismo científico”, na feliz expressão do escritor Sylvio Brito Soares, de cujo artigo extraímos os dados biográficos(1).

A obra literária de Delanne apresenta o resultado de suas pesquisas. São fatos investigados e confirmados. Citamos: “O Espiritismo perante a Ciência” (1885); “O Fenômeno Espírita” (1893); “A Evolução Anímica” (1895); “Pesquisas sobre a Mediunidade” (1898); “A Alma é Imortal” (1899) e, por último, “A Reencarnação” (1925).

Gabriel Delanne desencarnou em 15 de fevereiro de 1926. Cinco meses antes, em setembro de 1925, quando da realização do Congresso Espírita Internacional, ao ser lido o discurso de Delanne, este surpreende os psiquistas de vários países com suas palavras iniciais: “Roguemos para os nossos trabalhos a bênção divina, pois que é nela que reside todo o poder, toda ciência, toda justiça, toda bondade e todo amor”.

*

Interessante assinalar que não se tem notícia de que Delanne haja prosseguido na prática mediúnica. É que a sua missão tinha como finalidade dar uma importante contribuição na área científica, e aquele era o momento certo para isso. Neste caso, a mediunidade, sendo canalizada para uma outra forma de atuação, torna-se intuitiva.

Delanne era espírita convicto, de formação científica, apto, portanto, a enveredar pelos campos da Ciência, onde iria realizar, através de suas pesquisas, a comprovação das teorias espíritas. O que ele realmente fez, com total dedicação, no intuito de evidenciar o aspecto científico do Espiritismo.

Assim, no seu primeiro livro, “O Espiritismo Perante a Ciência”, apresenta alguns dos princípios básicos da Doutrina Espírita, confrontando-os com as respectivas afirmativas científicas em áreas correspondentes, e além de comprová-los evidencia que transcendem esses parâmetros. As suas obras subsequentes seguem a mesma linha, num importante trabalho que hoje, um século depois, ainda é bastante valioso para os que se propõem a estudar o Espiritismo, causando-nos profunda admiração e respeito por esse fiel colaborador de Allan Kardec.

Não se deve, todavia, inferir do episódio mediúnic o de Gabriel Delanne, aos oito anos, que seja esse um exemplo a ser seguido e que se dava incentivar o desenvolvimento da faculdade em crianças, mesmo aquelas que apresentem natural e espontânea propensão mediúnica. Existem aqui alguns pontos a considerar. Inicialmente, examinemos o capítulo XVIII de “O Livro dos Médiuns” -Inconvenientes e Perigos da Mediunidadde-, cujo título por si só é um chamado de alerta. É exatamente aí que Kardec insere a questão da mediunidade infantil.

Vejamos o que dizem os Instrutores Espirituais Erasto e Timóteo, sobre o assunto, proposto pelo Codificador.

No item 221, 6ª questão, ele pergunta:

“Haverá inconveniente em desenvolver-se a mediunidade nas crianças?”

“Certamente e sustento mesmo que é muito perigoso, pois que esses organismos débeis e delicados sofreriam por essa forma grandes abalos, e as respectivas imaginações excessiva sobreexcitação. Assim, os pais prudentes devem afastá-las dessas idéias, ou, quando nada, não lhes falar do assunto, senão do ponto de vista das conseqüências morais.”

Kardec comenta no item 222:

“A prática do Espiritismo, como veremos mais adiante, demanda muito tato, para a inutilização das tramas dos espíritos enganadores. Se estes iludem a homens feitos, claro é que a infância e a juventude mais expostas se acham a ser vítimas deles.”

Explica ainda que as crianças podem fazer disto uma brincadeira.

“Por aí se vê (prossegue) que a questão de idade está subordinada às circunstâncias, assim de temperamento, como de caráter”.

O mestre lionês, insistindo no tema, argumenta que existem crianças que são médiuns naturais, perguntando se isto apresentaria algum inconveniente. Os Benfeitores Espirituais esclarecem que não, que se a faculdade se mostra espontaneamente é que a natureza da criança se presta a isto, tanto é que ela não se impressiona, pois tudo lhe é natural e logo se esquece do fato.

Depreende-se que o desenvolvimento e o exercício da mediunidade é que não devem ser tentados ou provocados, pois causariam danos de ordem psicológica ou outra qualquer, dependendo da criança e de sua formação.

Com Gabriel Delanne o ocorrido foi resultado de um impulso espontâneo, do seu desejo de evidenciar para aquela amável senhora a realidade do Espiritismo e do intercâmbio com os Espíritos. Deve-se levar em conta o mérito dela, pois Delanne, certamente, agiu sob inspiração do Alto, a fim de atender a uma circunstância previamente programada. Outro aspecto fundamental é a precoce maturidade espiritual do menino, que Kardec intuiu, ao prever que ele se tornaria “um sacerdote do Espiritismo”, querendo dizer que Delanne dedicaria a sua vida à causa espírita, de forma abnegada, como um verdadeiro sacerdócio. O que de fato aconteceu.

A lógica argumentação deste autêntico missionário da Terceira Revelação ressalta de cada um de seus livros, referendada, como é óbvio, pelas pesquisas que empreendeu, o que lhe assegura a credibilidade. São atualíssimas as suas conclusões filosóficas, resultantes de fatos comprovados, tal como agiu Allan Kardec em relação à Codificação.

Conheçamos um pouco do pensamento de Gabriel Delanne, em alguns trechos, quando ele disserta com beleza e propriedade:

“Que nova luz traz o Espiritismo! Não há mais dolorosas incertezas sobre o nosso futuro; o além misterioso, velado sob as ficções das religiões aparece-nos em toda sua realidade. Não mais inferno, não mais céu, mas a continuação da vida que prossegue no tempo e no espaço, eterna como tudo que existe. A perene ascensão para destinos sempre mais elevados, eis a verdadeira felicidade. (...)

Não há mais dogmas, não há mais coisas incompreensíveis, senão uma harmonia sublime que se revela nos melhores detalhes dessa imensa máquina que se chama Universo! E a satisfação profunda por perceber qual é, em suma, a nossa finalidade na Terra é o resultado do estudo atento das manifestações espíritas."(2)

Ele explana acerca de dois pontos básicos do Espiritismo, sendo o primeiro deles a existência de Deus e afirma que nEle se resumem todas as perfeições, levadas ao infinito. E ressalta:

“Foi-se o tempo em que se concebia Deus como potência implacável e vingadora, condenando eternamente o homem pela falta de um momento. (...)

O Deus que compreendemos é a infinita grandeza, o infinito poder, a infinita bondade, a infinita justiça! É a iniciativa criadora por excelência, a força incalculável, a harmonia universal! (...) Deus é a vida imensa, eterna, indefinível, (...).”

O segundo ponto básico é a existência da alma e ele esclarece que o Espiritismo ensina que Deus fez todos os espíritos iguais e os dotou de iguais faculdades para chegarem ao mesmo fim - a felicidade:

“É o eu consciente que adquire, por sua vontade [esclarece], todas as ciências e todas as virtudes, que lhe são indispensáveis para elevar-se na escala dos seres. (...) Longe de considerar-nos como os habitantes exclusivos do pequeno Globo, o Espiritismo demonstra que devemos ser os cidadãos do Universo.”

“Nossa filosofia enriquece o coração; ela considera os infelizes, os deserdados do mundo como irmãos a quem devemos socorrer. (...) O Espiritismo destrói completamente o egoísmo. (...) É pelo auxílio mútuo que adquirimos as virtudes indispensáveis ao nosso adiantamento espiritual.”

Delanne enfatiza que a Doutrina é progressiva e se baseia na revelação dos Espíritos, e que esta é gradativa.

Deixemos com esse fiel continuador de Kardec a palavra final:

“A ciência espírita tem um fim mais nobre, mais grandioso, seu principal objetivo é demonstrar a existência da alma, depois da morte; alcançasse somente esse resultado, e as conseqüências daí decorrentes, sob o ponto de vista moral e social, seriam já consideráveis. Mas não se limitam a isso seus benefícios. Ela nos fornece informações seguras sobre a outra vida, permite-nos compreender a bondade e a justiça de Deus, dá-nos a explicação de nossa existência na Terra, numa palavra, é a ciência da alma e de seu destino”.

Referências

(1) REFORMADOR, dezembro de 1977, p. 379. (2) “O Espiritismo Perante a Ciência”, 3a ed.revista, FEB.

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