Universidade Federal da Paraíba

Universidade Estadual do Ceará

Instituto Packter

 

 

Os Pré-Juízos de Jean-Jacques Rousseau na obra Emílio - ou da Educação na acepção da boa formação

 

 

           JOSEFA  ELIONITA  DE  ALMEIDA SÁ

(Fonte: Site da Filosofia Clinica)

 

 

 

SUMÁRIO

 

Introdução

Capítulo I ..... Emílio : O homem dos novos tempos

 

Capítulo II..... Pré-Juízos: O conceito em  Hans-Georg Gadamer

 

Capítulo III..... Os Pré-Juízos de Jean-Jacques Rousseau na educação do Emílio

 

Conclusão

 

Referencia Bibliográfica

 

Bibliografia de apoio

 

 

INTRODUÇÃO

 

Em dois anos de estudo teórico no Curso de Pós-Graduação em Filosofia Clínica interessamo-nos em pesquisar o tópico 5 da Estrutura de Pensamento, mais precisamente pré-juízos.

Na introdução deste trabalho, ousamos confessar o quase total desconhecimento de como os pré-juízos são um componente importante da EP e que são inerentes à humanidade, em todo os tempos.

Durante nossa formação em filosofia clínica tivemos oportunidades de estudá-los, na teoria e, daí por diante, constantemente, estávamos nos defrontando com sua presença em nossa malha intelectiva, no cotidiano de nossas existências e em nossas relações pessoas.

Razão assiste ao Professor Lúcio Packter ao considerar os pré-juízos inevitáveis a uma EP- isso é pré-juízo da Filosofia Clínica.

Se é inevitável a uma EP, não importa o lugar onde viva, ou sua condição social, religiosa, torna-se imperativo para o filósofo clínico conhecer bem sua estrutura  e funcionamento, seus desdobramentos e suas conseqüências fundamentais.

Quando falamos em “desdobramentos” e “conseqüências”, observamos que os pré-juízos podem ser positivos ou negativos, como alguém que estando doente, aproxima-se de uma corrente religiosa porque está certo de que será visto pela divindade como um ser especial que merece o que espera. Às vezes, instantaneamente, fica curado. Negativos são os pré-juízos que uma pessoa conduz como princípios de verdades subjetivas que podem conduzi-lo até à morte: uma pessoa que tendo perdido a interseção com a família, em virtude de ofensas e agressões físicas, pode sofrer com um sentimento de culpa, sem nunca procurar uma reconciliação, de forma que o sentimento de culpa vai aumentando até aniquilar-se com depressão. Sabe-se depois, que a família não agendou esta ofensa e que desejava, acima de tudo, o retorno desta pessoa.

Vemos assim, como um filósofo clínico pode, por uma boa interseção com as  pessoas que o procurarem, acompanhá-las em seus pré-juízos e com elas encontrar o melhor caminho clínico para validá-los ou desmanchá-los, localizando existencialmente a pessoa, num espaço confortável que o permita retomar suavemente sua existência.

Assim é que, estudando a obra Emílio de Jean-Jacques Rousseau constatamos em sua estruturação, a presença freqüente de pré-juízos associados a outros tópicos, tais como: princípios de verdades, emoções, axiologia, epistemologia, no bom propósito de bem formar o cidadão francês ( e o europeu de um modo geral), em um novo modelo, que distanciasse esse povo, da corrupção, das falsas verdades a que a filosofia, as ciências e as artes estavam submetendo o ensino até o século XVIII.

Para um melhor caminho da nossa investigação estruturamos o trabalho, situando a obra Emílio no contexto histórico ideológico e pedagógico, da França do século XVII- XVIII.

Em busca de um conceito de pré-juízos, fundamentaremos nosso estudo em Hans-Georg Gadamer, que trata do assunto em sua obra Verdade e Método. O próximo passo será a demonstração d” Os pré-juízos de Jean-Jacques Rousseau na obra Emílio ou da educação, na acepção da boa formação. Demonstrados os pré-juízos mais freqüentes na obra, concluiremos com uma análise e comparação do trabalho de Rousseau na educação do Emílio com os procedimentos de um filósofo clínico nas mesmas situações encontradas.

É assim que apresentamos este trabalho para conclusão da parte teórica do Curso de Filosofia Clínica.

 

 

CAPÍTULO  I

 

EMÍLIO: O HOMEM DOS NOVOS TEMPOS

 

1.      Contexto histórico e ideológico

 

O século XVII passou à França do período seguinte, o legado das transformações no campo da moral, da política e da educação.

Descartes proclamaram a soberania da razão no processo do conhecimento. A idéia cartesiana de que os princípios inatos são inerentes à mente, circunscreve o conhecimento à razão. Descartes afirma, por isso, que, na razão, o conhecimento se encerra.

As discussões teóricas acerca do ser da essência das coisas, próprios da metafísica, já não mereciam a consideração dos filósofos, inclinados que estavam para a discussão da razão natural. Propunham a ruptura com o passado, inaugurando, dessa forma, o pensamento moderno.

Na linha da descoberta cartesiana, outros filósofos caminharam, dali em diante: Pascal trouxe à tona a idéia da natureza contraditória do homem, para ele, um ser pequeno, diante da natureza e de Deus. Por ser porém, o único ser da natureza que se eleva por sua consciência e por seu pensamento, situa-se por esse aspecto, acima dos outros  seres da criação – e por isso, supera a sua pequenez.

Spinoza avança, ao colocá-la longe das discussões teológicas. A idéia medieval de um Deus transcendente conviveu com o princípio spinoziano de que Deus e natureza são a mesma coisa. (Deus, isto é, a natureza). Para Spinoza, a razão humana, por  si, selecionada o que é bom e o que é mau. O que é bom, leva ao conhecimento, o que é mau, não leva a conhecimento algum.

Entre os Filósofos também, disseminou-se a idéia do liberalismo natural, segundo o qual, o homem deve ser uma criança diante da natureza – foi este mais um ponto de ruptura dos novos tempos, com a tradição.

Essa concepção de homem natural foi como fundamento que alicerçou o conhecimento, a moral e a política. Ocupados com a regulamentação da vida em sociedade, os filósofos estavam diante de um novo problema: a conciliação entre liberdade, direitos individuais em respeito à natureza, atendendo ao mesmo tempo,às exigências da vida social.

Se às velhas razoes metafísicas e teológicas, opunham-se as razões da natureza e até as razões do coração (Pascal), qual pois, o paradigma da nova ordem social inaugurada no século XVIII?

Teoricamente, as bases transitaram do negativismo de Thomas Hobbes ao otimismo de John Locke e de Jean Jacques Rousseau.

Hobbes viu na tendência humana para a agressividade, um elemento definidor da natureza do homem e em seu espírito de luta, a expressão natural dessa natureza. Entendia Hobbes que sempre que o homem desobrigava das leis, entrava em disputa pelo poder. Sendo assim, de forma idêntica à natureza que tem leis próprias, é necessário que se organize o corpo social de forma a conter o estado da natureza (belicoso e não, primitivo) e desse modo permitir a coexistência humana.

John Locke, contrariando o negativismo de Hobbes e o inatismo de Descartes, coloca uma visão mais positiva da natureza humana e da possibilidade de uma convivência humana pacífica. Põe  toda confiança no entendimento racional como princípio da vida em sociedade.

Essas idéias na França do século XVIII, alastraram-se por todo mundo ocidental, abrindo os caminhos da racionalidade que substituíram a visão teológica, e constituindo-se na base teórica que permitiu o progresso material e moral, no intuito de se alcançar, finalmente, a verdade e a felicidade.

Constatava-se, porem, em meio a todo esses propósitos, aparecessem as  contradições de fundo, no encaminhamento da convivência desejada, como o impedimento à cidadania, dos chamados trabalhadores de ofícios menores, numa sociedade que se  propunha a ser livre, igual à fraterna. Este ideal percorreu a Europa e se alastrou pelo Novo Continente, a América, dando impulso aos movimentos libertários, culminando com a independência das nações. (1)

 

(1)     Cf. Danilo MARCONDES, Iniciação à história da filosofia. Pg. 159-206.

 

 

2.      Rousseau e o itinerário pedagógico do Emílio

       Jean Jacques Rousseau (Genebra : 1712- 1778)

       Viveu toda efervescência de idéias liberais que se processaram na França iluminista. Iniciou sua participação no movimento cultural daquele país, quando a Academia de Dijon um concurso sob tema: “Se o progresso das ciências e das artes contribui para corromper ou apurar os costumes”. A dissertação para esse concurso tornou-se a primeira obra de uma série que escreveria dali em diante, em que se pode identificar uma constante preocupação com as “relações entre Natureza e sociedade; moral fundada na liberdade; primazia do sentimento sobre a razão; teoria da bondade natural do homem e doutrina do contrato social”.

Essa variedade de interesses convergiu para um ponto, fulcro temático de sua obra: “ o homem é naturalmente bom, a civilização é que o corrompe”.

Ser feliz, segundo Rousseau, é preservar a autonomia adquirida no isolamento das florestas, longe do artificialismo da cultura intelectual, responsável pela corrupção moral do homem.

As idéias de Rousseau abalaram os ilustrados do seu tempo, posto que destronava a razão, pedra fundamental do Iluminismo, identificando-a como fonte de corrupção dos costumes.

Percebe-se, desse modo, que Rousseau via nos avanços da civilização o mais curto dos caminhos em direção à degradação da humanidade. Por isso, saiu na defesa das razões da natureza, confiante no livre-arbítrio e no sentido de perfeição que considerava ter todo ser humano, desde a mais tenra idade.

A civilização, através das ciências e das artes criou as bases do progresso, bom para a sociedade, mas as pessoas não podiam se deslumbrar diante do efêmero, advertia Rousseau. O homem, por sua natureza, é capaz sozinho, de “observar os outros”, medir, calcular, prever seus movimentos, seus efeitos, e unir, por assim dizer, o sentimento da existência comum ao de sua existência individual.

Rousseau considerava que, no estado social, o homem é capaz de adquirir outras vantagens, além daquelas desenvolvidas no estado natural. Além disso, pode desenvolver-se mais rapidamente que os outros, ampliar seus horizontes intelectuais, elevar seus sentimentos e sua alma, totalmente distante do estado civilizado, capaz de situá-lo aquém da vida primitiva.

Nesse estado, o gosto pelos refinamentos podem anestesiar sua consciência, aproximando-o das mentiras convencionais, da ostentação da inteligência e da cultura. No aprofundamento da degradação moral do homem, a pior e mais funesta conseqüência deste estado de inconsciência, é a necessidade constante da admiração alheia e a frivolidade das modas passageiras. Livre dessas pressões, as conquistas das artes e das ciências são glorificadas. Em suma: para Rousseau, tudo o que vem do intelecto conduz o homem para fora de si mesmo, e por isso, é alijado de seu projeto pedagógico. Só o sentimento eleva o homem, dignifica-o e se constitui o verdadeiro caminho para alcançar a essência da interioridade, e transcendê-la até o infinito, a totalidade dos seres e do universo, onde o indivíduo experimentará arrebatamentos inimagináveis.

Essa é a tradução de Rousseau para a “consciência de liberdade”. Desse modo, homem e natureza formam um todo inseparável, bastando-se a si mesmo como se fosse um Deus: eis o enfim, a felicidade segundo o filósofo. (2)

O novo homem proposto por Rousseau teria que ser educado em bases novas. Seu próximo projeto será, portanto, uma proposta pedagógica que respeite o homem em suas várias etapas de vida, daí o Emílio ou Da Educação – obra em forma de romance que pretendeu traçar o itinerário da verdadeira educação. Uma proposta elaborada em estrito respeito aos bons sentimentos da criança, o bom e incorruptível adulto do futuro, longe dos instintos e obediência à razão superior.

A força moral será o suporte da virtude buscada por Emílio, na liberdade-a virtude que o tornará senhor de si mesmo, ou dos seus sentimentos.

No exercício da própria liberdade há que se ser bem orientado. O educador precisa, desde cedo, certificar-se do objetivo para o qual conduzirá a criança. Todo sentimento individual deve ser transformado em sentimentos pelos outros. Do “eu” ao “nós” deve ser, portanto, o percurso da criança educada segundo o itinerário de Rousseau. O sentimento conduzirá a vida interior, à razão, fortalecida pela educação dos instintos; a razão será, portanto, a pedagoga, da vida comunitária.

Com esses princípios gerais, Rousseau passa a estabelecer os preceitos e passos da educação do Emílio, seu personagem. O preceptor deverá respeitar o desenvolvimento natural e gradual do ser humano.

No primeiro estágio, que vai do nascimento aos doze anos, deve ver a criança como tal, e não, como um adulto em miniatura. Há estágios da natureza que precisam ser respeitados. Nunca se substituamos na criança, seus modos de ver, pensar e sentir, pelos nossos. Deveria do amigo Condillac a idéia de que  a formação e aperfeiçoamento dos sentidos precede as outras faculdades humanas, idéia que o aproxima de Aristóteles para quem, a atividade do intelecto sucede a dos sentidos, daí a valorização da experiência sensorial como aprendizagem para uso da razão.

O segundo estágio,de curta duração (de doze aos quinze anos), coincide com o período da consciência corporal. A criança será iniciada na educação intelectual, através de um currículo que inclui a física, a geometria e a astronomia em consonância com as necessidades da natureza. O educando será provado, dobrando suas paixões e instintos a leis e limites da realidade.

Dos quinze aos vinte e dois anos, o projeto do homem  incorruptível considerará a dimensão moral, tornando o educando um ser social. Todo aprendizado das etapas anteriores será dirigido à vida coletiva. O amor, a solidariedade, a justiça desenvolvidos até este estágio, estarão a serviço da coletividade. Até mesmo a paixão por uma mulher, deverá transformar-se em alegria ( e não, emotividade) espiritual, uma energia que o impulsiona à colaboração com os outros. O novo contato social não comporta “egoísmos” nem conflitos individuais, próprios da criança abandonada à sociedade, escrava da civilização.

O itinerário pedagógico do Emílio pretende, pois, uma educação que contemple o homem por completo; que o prepare para a convivência harmônica, longe de conflitos e temores quanto ao futuro.

Assim, vinculando seu projeto de uma educação renovada à política e á moral, Rousseau completa o sistema ideal (na sua concepção), para o homem do seu tempo e de todas as épocas.

Diante do exposto, indagamos:

-         Qual a consistência de um sistema educacional alicerçado em pré-juízos fortes como esses que impulsionaram o filósofo a concebê-lo e trazê-lo à luz, numa Europa ilustrada?

-         A que pré-juízos  nos referimos na indagação anterior? Enfim, o que são pré-juízos? Terão os pré-juízos em qualquer área de atuação humana, critérios de avaliação que os legitimem perante o conhecimento universal?

 

Outras indagações nos surgiram na abordagem desse tema, mas ficamos, de início, com essas que tentaremos desvendar no decorrer deste trabalho.

Comecemos, portanto, por conceituarmos “pré-juízos” como fundamento teórico do que pretendemos estudar no Emílio de Jean Jacques Rousseau.

Dos teorizadores, selecionamos Hans Georg Gadamer, filósofo – hermeneuta do início do século XX, por ter se dedicado mais amplamente a esta questão.

 

 

(2)     Cf. Giovanni REALE e Dario ANTISERI, História da Filosofia. Pg. 755-777

 

 

 

CAPÍTULO  II

 

PRÉ-JUÍZOS  O  CONCEITO  EM  HANS-GEORG GADAMER

 

1.      Hermenêutica e pré-juízos

A hermenêutica, também conhecida por teoria da interpretação, abrange, desde seus primórdios, os campos da teologia, filologia, história e ciências jurídicas. Reconhecidamente, são essas as áreas que oferecem maiores dificuldades ao interpretes. Temas como “o significado de um texto sagrado, intenção do escritor, qual a certeza de que a interpretação que se faz, é ou não adequada; e falando em certezas, como garantir de forma concludente que se esgotou o significado de um texto” – são as principais questões que freqüentam o cotidiano dos estudiosos da linguagem.

Os primeiros filósofos a se ocuparem do assunto foram  Schlegel e F. Schleiermacher e W. Dilthey. Este último considerava a hermenêutica o alicerce de todas as ciências do espírito. Assim pensando, considerou-a “não somente como conjunto de questões técnicas, isto é, metodológicas, mas também como perspectiva de natureza filosófica que servisse de base da consciência histórica e da historicidade do homem”.  1

Deve-se, porém, a Heidegger a inscrição definitiva da hermenêutica no campo da filosofia. Heidegger compreendeu que a hermenêutica é mais que um instrumento à disposição do homem. Compreender, para Heidegger, é faculdade intrínseca ao Dasein humano.

Do nascer ao morrer, o homem acumula experiências. De forma que, uma experiência atual vale-se de experiências anteriores, as quais, reinterpretadas geram outras experiências.

Não tardou que Hans-Georg Gadamer (1900) aluno de Heidegger, conhecendo profundamente a filosofia antiga unindo-a a Hegel e historicistas, construísse a teoria da hermenêutica, considerando, nesse trabalho, os aspectos: técnico e filosófico, na monumental obra: Verdade e Método (1960).

A referencia de Gadamer foi seu grande mestre Heidegger, que retomou a questão de uma ontologia fundamental baseada na história, a qual passa a ser determinante para o significado do ser, a partir do horizonte do tempo.

Como afirma o próprio Gadamer: “ A tese de Heidegger era: o próprio ser é tempo”. 2  Estabelecendo o tempo como horizonte para a compreensão do significado do ser, Heidegger tinha como finalidade ontológica, chegar à pré-estrutura da compreensão, cuja idéia fundamental é descrita em relação à compreensão de um texto. Diz Gadamer,interpretando Heidegger.

 

“Quem quiser compreender um texto realiza sempre um

   projetar. (...) A compreensão do que está posto no texto

   consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio,

   que, obviamente, tem que ir sendo constantemente

   revisado com base no que se dá conforme se avança na

    penetração do sentido”. 3

 

No entendimento da descrição heideggeriana, Gadamer reconhece que a interpretação começa com conceitos prévios que serão substituídos por outros mais adequados. Surge daí, um constante reprojetar na busca de um sentido unívoco para o texto. Compreender e interpretar supõe, pois, um constante projetar e reprojetar, corrigindo erros advindos de opiniões prévias, as quais não encontram correspondências nas próprias coisas. Se não se confirmam, essas opiniões prévias se aniquilam. Se não são arbitrárias, serão critérios seguros da verdadeira possibilidade da compreensão. É preciso que tenhamos a consciência das próprias opiniões prévias e preconceitos para que nos aproximemos de um texto, respeitando sua alteridade. No encontro das antecipações com a alteridade do texto, dar-se á o confronto da sua verdade com suas próprias opiniões prévias.

Assim considerando, Gadamer ressalta um aspecto importante da descrição de Heidegger: o respeito à voz da tradição, no texto, valorizando-a como elemento presente na própria coisa, garantindo a cientificidade do que se pretende interpretar. Para tanto, basta que se preserve a função essencial da interpretação: “não se deixar nunca impor pré-disponibilidade, pré-evidências e pré-cognições do caso ou das opiniões comuns, mas fazê-las emergir das próprias coisas”. 4  Essa base é que garante outras interpretações melhores ou mais corretas.

Na consideração de Gadamer, sempre que um intérprete se aproxima de um texto, levará consigo, um esboço, prévio de interpretação, a que ele dá os nomes de pré- compreensão, pressuposição ou pré-juízos.

Pré-juízos são, portanto, idéias que habilitam a mente do intérprete e que podem se constituir em conceitos verdadeiros (ou não), quando em contato com a experiência.

Muitas vezes, um intérprete deixa prevalecer suas antecipações. Este é o caminho mais curto da invalidação de tal procedimento. Se não temos conhecimento disso, tornamo-nos dogmáticos, a quem não interessa a voz do texto. Confirma-o Reale, quando afirma: “São os pré-juízos de que não temos consciência os que nos tornam surdos para a voz do texto”.  5

A importância dos pré-juízos como componentes de uma compreensão qualquer, está no seu papel de sustentação da história com todo o seu diálogo com as outras: manifestações das diversas culturas de épocas anteriores. Nesse diálogo dá-se a geração de novo conhecimento.

Para Gadamer os pré-juízos de hoje são os juízos de amanha. Na razão direta, os juízos poderão ser os pré-juízos de amanha. Os pré-juízos têm, por assim dizer, o papel de presentificar  a história com todas as idéias que a antecederam. Gadamer os considera, por isso, mais constitutivos de sua realidade histórica do que podem ser os juízos. Evocando Bacon, diz que ele concluiu sua análise sobre os preconceitos (idola) com a recomendação do seu expurgo para autopurificação da mente, acabou por transformar-se mais um disciplinador e menos um metódico. Bacon teria construído uma metodologia, na verdadeira acepção dessa palavra, selecionando os idola, e submetendo-os permanentemente à prova, corrigindo-os (ou até eliminando-os) quando necessários, para, em lugar deles, colocar outros melhores.

Essa idéia de pré-juízos como nociva ao verdadeiro conhecimento, remonta ao Iluminismo que manifestou seu desprezo à autoridade, identificada como fonte de preconceitos impeditivos de nossos próprios juízos. Mas, como posso garantir que essa autoridade não seja também uma fonte de verdade? Assim, Gadamer conclui afirmando: “A superação de todo preconceito cuja revisão liberará primeiramente o caminho para uma compreensão adequada da finitude, que domina não apenas o nosso ser-homems, mas também nossa consciência histórica” 6, é esse ponto onde se inicia criticamente a tentativa de uma hermenêutica histórica.

Embora com a pretensão de substituir a razão iluminista, o romantismo deu um passo à frente, quando defendeu a autoridade da tradição anterior, consagrada como universal, pelo uso que se fez dela na história: é impossível desprezar o que resistiu ao tempo, como estrutura obrigatória de um novo conhecimento. Assim, Gadamer concilia os direitos da tradição romântica com a força da tradição da razão, considerando a conservação, ato da razão, a renovação, seu único modo de operar, validando-a . A conservação e a ruptura  são ambas atos de liberdade próprios da razão: eis por que não se pode aclamar a exclusividade da ruptura como critério seguro da verdade.

Por essas considerações, permitimo-nos concluir com Gadamer, que o pré-juízos estão presentes em toda historia do conhecimento humano e devem ser considerados, inevitavelmente, como início de verdades renovadas e renováveis que garantam os avanços ou descobertas em qualquer campo de atividade humana, seja ela filosófica, científica, educacional, ou até da vida prática.

No Emílio de Rousseau, que escolhemos para desenvolvimento deste trabalho, tentaremos demonstrar como o filósofo se valeu de pré-juízos para formulação das idéias pedagógicas que revolucionaram a educação, até a chegada do Positivismo.

 

 

1-       idem, ibidem pg. 627-628

2-       Hans-Georg GADAMER, Verdade e método, pg. 389

3-       Idem, ibidem, pg. 402

4-       Cf. Giovanni REALE e Dario ANTISERI, op. Cit. Pg. 630

5-       Idem, ibidem, pg. 632

6-       Hans- Georg GADAMER, op. Cit. Pg. 414-415

 

 

 

CAPÍTULO II

OS PRÉ-JUÍZOS DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU NA EDUCAÇÃO DO EMÍLIO

 

As principais idéias de Rousseau sobre a educação serão expostas nesta parte do trabalho.

A educação, como a entende Rousseau, não deve desistir, primeiro, da qualidade do projeto; segundo, da facilidade de sua execução. A absolutização do projeto é garantida por sua própria natureza. No caso da educação, segundo ele, que a proposta seja conveniente ao homem e  bem adaptada a ele. Para que seja de fácil execução, Rousseau estabelece.

                            Basta-me, onde quer que nasçam homens, se possa

                             Fazer deles o que proponho; e que, tendo feito deles o

                             Que proponho se tenha feito o que há de melhor, tanto

                             Para eles como para os outros. 1

Para Rousseau, medida de todas as coisas, o homem, onde quer que ele se encontre, é medida de qualquer projeto educacional que se pretenda sério e comprometido com o próprio homem e com a sociedade.

Cabe-nos aqui, destacar o termo compromisso que nos dá, de imediato, a medida de partida e de chegada de uma educação bem realizada.

Prenunciamos, assim, o novo modelo de educação segundo o filósofo: uma educação para existência. Sendo para a existência, deve ser focada no homem; na correção de condutas que porventura tenham se desviado do seu curso e, em seu desaguadouro, completar no homem, sua felicidade e perfeição; torná-lo bom, para si e para os outros.

Esse novo projeto trouxe uma luz ao modelo vigente na França, na qual a criança era educada para as leis, sempre tão preocupadas com os bens e tão pouco com as  pessoas, Rousseau considera assim que, assim que, sob o peso da Lei, não se pode atingir a mais importante das metas na educação: a felicidade.

Oposta à educação para o dever, é a educação que respeita a natureza, que se faz em acordo com sua perfeição. A natureza confere ao homem, ao nascer, a sensibilidade e o discernimento para procurar os objetos das sensações e deles, aproximar-se ou afastar-se, segundo a percepção de seu lado agradável ou desagradável e, segundo os juízos que o homem faz desses objetos, em relação à idéia de felicidade ou de perfeição que a razão lhe oferece.  2

É o que produz, no homem, a natureza e é o que deve bastar ao educador.

Evita-se, desse modo, uma educação de aparência e as situações dilemáticas nas quais não se atinge nem uma, nem outra meta.

-         Que esperar de uma educação que não se importando com o seu alvo, atira-o a tais situações? Rousseau mesmo responde:

Assim, combatidos e hesitantes durante toda a nossa

Vida, nós a terminamos sem ter podido acordar-nos

Conosco, e sem termos sido bons para nós nem para

Os outros. 3

Para Rousseau, independente do papel existencial que venha a exercer qualquer pessoa, na sociedade, todos são iguais. A vocação comum a todos os homens, e o seu estado de homem. É nesta vocação comum que todos devem ser educados: - para a vida humana; este é o ofício do educador. Mais que um ofício, essa é a tarefa primeira de qualquer educador. Acima disso nada mais necessário. “Tudo o que um homem deve ser, ele o saberá, se necessário, tão bem quanto quem quer que seja; e  por isso mais que o destino o faça mudar de situação, ele estará sempre em seu lugar”.  4

As certezas que acompanham o discurso rousseauniano, quando trata da educação e traça-lhe os princípios, tem caráter de dogma, desses que não pretendem deixar nenhuma margem a dúvidas, aos seus resultados. Estas certezas, já o disseram de início, advêm da observação do homem em relação a toda a natureza.

Como observador, Rousseau, em seu trabalho, passa a enumerar os princípios da nova educação. São os princípios fundados em pré-juízos, como os considera Gadamer em Verdade e método, obra que fundamenta este trabalho.

Os pré-juízos em Rousseau vem, freqüentemente, estruturados em argumentos bem montados, e em princípios éticos que se traduzem no sentimento e na vontade de legar à sociedade, homens capazes de disseminar o bem maior que se possa experimentar em vida. O homem assim educado será capaz de reconhecer e experienciar esse bem em si mesmo. Por isso, a boa formação começa no primeiro momento de vida e só deve cessar na juventude, quando o aluno, educado por natureza e acompanhado por um preceptor confirmará na experiência, a educação que recebeu.

Demonstraremos aqui, como de pré-juízo em pré-juízo, Rousseau conduziu seu aluno (que mais adiante sabemos tratar-se do Emílio, o qual dá nome e esta obra).

 

1-       Jean Jacques ROUSSEAU, Emílio ou da educação, p-7

2-       Idem, ibidem, p-12

3-       Idem, ibidem, p-14

4-       Idem, ibidem, p-14.

 

 

 

1.      O primeiro período de vida

Em todas as etapas da vida, a educação primeira é a que mais importa. Neste período, somente a mulheres deve ser confiada a tarefa de educar, só a elas, o autor da natureza deu o alimento natural.

As amas não devem envolver a criança em cueiros, ao nascer, nem em faixas, porque assim procedendo, estão submetendo o recém-nascido, à primeira das servidões, haja vista que essa indumentária tolhe seus movimentos, inibe suas primeiras manifestações de liberdade, atrasam o seu progresso. Assim, algemada, a criança nada ganha em nascendo.

É pré-juízo de Rousseau que, nos lugares onde não se praticam tais precauções extravagantes, “os homens são mais altos, fortes, bem proporcionados”.  5

Esse exagero de proteção pode influenciar também no humor da criança e no seu temperamento.

O primeiro sentimento da criança assim cuidada, é de dor e de esforço desesperado; os primeiros sons, são gritos devido ao que lhes é feito pelas amas, comparadas a algozes.

Para tristeza e indignação de Rousseau, a transferência de cuidados feita pelas mães, paras as amas, produzem um efeito devastador no continente europeu.

A repetição desses erros, vai transmitindo de geração em geração, ameaçando a espécie humana. Juntando-se esses procedimentos às ciências, às artes, à  filosofia e aos costumes, farão da Europa, num futuro próximo, um deserto, onde sobreviverão apenas os animais ferozes.

Ainda nesta fase, não se poupe a criança, da dor e do sofrimento. Toda experiência de dor r perigo soa uma prova inconteste de que a natureza educa por meio de provações. As provações fortalecem a criança, tornando-a apta desde logo, a usar a vida, apoiada em seu principio. Como bem completa Rousseau:

 

                                Essa é regra da natureza (...). O destino do homem é

                                Sofrer em qualquer época. O próprio cuidado de sua

                                Conservação está ligada á dor (...). Ninguém se mata

                                Com as dores da gota; somente as da alma suscitam o

                                Desespero. Temos dó da sorte da infância mas é da

                                 Nossa (sorte) que deveríamos ter. Nossos maiores

                                 Males vêm de nós mesmos.   6

Por essa exposição, percebemos que Rousseau se coloca como medida de todas as coisas que lhe estão em relação. Se isso é assim, para ele,  o é também para todos os homens; é desse modo que traduz toda a sua proposta de educação, sua obra se estrutura em máximas, a partir de raciocínios que sobrepõem a subjetividade do filósofo à  racionalidade das observações, acerca do mundo da criança. Cria-se entre ele e o mundo empírico, um distanciamento que o leva cada vez mais às abstrações, das quais surge a seqüência de pré-juízos que se forma em seu intelecto.

Até quando se ocupa do sensorial, Rousseau deixa prevalecer pré- cognições, concepções apriorísticas, como adverte ao considerar que o corpo precisa ter vigor para obedecer à alma... “Quanto mais fraco o corpo, mais ele comanda; quanto mais forte mais obedece. Todas  as paixões sensuais se abrigam em corpos efeminados”.  7

O corpo débil para Rousseau, só agrada à medicina. Rousseau critica-a impiedosamente, como a arte mais perniciosa aos homens. Que cure as doenças, é duvidoso, mas que dá aos homens outra talvez mais funestas, disso ninguém pode duvidar: “ a covardia, a pusilanimidade, a credulidade, o pavor da morte; se curam o corpo, matam a coragem”.  8

Eis a medicina vista pelo filósofo, sob o aspecto da moral, que é, em última instancia, o fundamento da educação rousseauniana. Não se trata aqui, de simples condenação da medicina, ,as de ensinar a distinguir a boa ciência daquela que é má:

 

                            A ciência que instrui e a medicina que cura soa muito

                            Boas sem dúvida; mas a ciência que engana e a

                            Medicina que mata são más... Não discuto se a

                            Medicina pode ser útil a alguns homens, digo que é

                             Funesta ao gênero.  9

E assim vai procedendo ao filósofo em, todos os cincos livros de Emílio. Destronando a razão ou relegando-a a um plano secundário, Rousseau privilegia o sentimento como a fonte primeira do conhecimento. É resistente ao sofrimento e cheio de bons sentimentos para com os outros e consigo, que ele quer o Emílio ou o novo homem educado de acordo com as leis da natureza. Resumindo o itinerário desta primeira etapa vamos ter como recomendação principal:  conceder às crianças mais liberdade verdadeira e menos voluntariedade, deixar que façam mais por si mesmas e exijam menos dos outros. Todas as demais regras de educação vão decorrer desta.

 

 

 

5-       idem, ibidem, p-17-18

6-       idem, ibidem, p.22-23.

7-       Idem, ibidem, p. 31

8-       Idem, ibidem,p. 31

9-       Idem, ibidem, p-32

 

 

 

 

2.      O segundo período de vida – aquele que realmente termina a infância

 

É a fase da aquisição da linguagem e das primeiras noções de vida em sociedade. A criança deve aprender, em ações, e não, em sermões o caminho das idéias morais, longe das convecções e dos deveres, dos quais nascem o embuste e a mentir. A única lição de moral que se deve dar à criança é a de não fazer mal a ninguém. As outras lições virão das sensações. Emílio será educado  segundo suas sensações. Livros? Não conhecerá tais instrumentos de miséria. Aos doze anos, e somente nesta idade Emílio conhecerá um só livro: Robson Crusoé. Tudo isso porque os livros são impedimentos para os raciocínios. Diz Rousseau.

                         Nossos primeiros mestres de filosofia soam nossos pés,

                         Nossas mãos, nossos olhos. Substituir tudo isso por

                         Livros, não é ensinar-nos a raciocinar, é ensinar-nos a

                         Nos servimos da razão de outrem; é ensinar-nos a

                         Acreditarmos muito e a nunca sabermos coisa

                         Alguma.  10

É verdadeiramente inusitado o modo de pensar rousseauniano. Filosofar a partir do corpo, da observação dos movimentos, membros, órgãos, como instrumentos para se chegar à inteligência, levou muito tempo até chegar a Merleaux-Ponty. Compreende-se, desse modo, as recomendações de cuidado ao corpo, por que de necessidade de se formarem homens robustos, por que ensinar-lhes a enfrentar o sofrimento. Tudo isso é necessário para que se tenham filósofos preparados nas lições da natureza então, dos livros de filosofia. Os sentidos não são apenas para uso; são antes, mestres do bem julgar, do aprender a sentir. Percebe-se a convicção de Rousseau de que o aluno não deve ser guiado em sua educação, mas assumir-se autônomo longe de agendamentos conceituais que para ele, nada representam em conhecimento. Defende Rousseau que o processo ensino- aprendizagem se de na partilha de experiência do preceptor com a aquisição por parte do aluno. Emílio aprenderá por comparação, com o acompanhamento respeitoso do mestre, nunca por preleções ou imposição. A esse respeito, diz Rousseau:

 

                      Quanto a mim, não pretendo ensinar a geometria a

                       Emílio, ele é que me ensinará. Procurarei relações,

                       Ele as encontrará: pois as procurarei de maneira que

                        Ele as encontre.   11

Por esse método, como garantir a validade de tais conhecimentos, onde o aluno assume a iniciativa? Para Rousseau, Emílio é vigoroso  e bem formado para sua idade; nada mais natural do que ele mesmo construir seu conhecimento, suas próprias idéias acerca das coisas e do mundo. Rousseau argumenta dizendo:

                       Mas quando eu imagino um menino de dez a doze

                       Anos, sadio, vigoroso, bem formado para sua idade,

                       Ele não dá origem a uma idéia que seja agradável

                       Tanto no presente como no futuro.  12

 

Como se percebe, Rousseau não se afasta de sua confiança no sensorial como  caminho para se chegar ao abstrato. Educada no campo, segundo esse princípio, a criança rousseauniana é mais esperta do que as da cidade e comparada às do campo, terá mais habilidade que elas. Como criança, formada em conformidade com a razão natural, acriança saberá julgar, raciocinar, prever melhor do que as outras. Em qualquer condição social, ela se tornará chefe dos outros, sua superioridade será sempre reconhecida pelos outros.

A educação, como a concebe Rousseau, tem conseqüências. O homem rousseauniano tem seu papel definido, na sociedade em que vive, ele é educado para ocupar o mais alto ponto na pirâmide social; para assumir cargos de comando, não como ambição ou busca de poder, mas como destino dos que não se corrompem, dos que guardam em si, sentimentos bons. O mundo como parece a Rousseau, deve ser dirigido por esses homens que devem ser formados assim, em todos os pontos da terra, só assim , a sociedade sobrevivera feliz, à corrupção e aos maus hábitos repetidos desde  tempos remotos na educação européia.

 

 

10-    idem, ibidem, p.121.

11-    idem, ibidem, p.147

 

 

3.      O terceiro período da vida

 

Neste período da vida, o preceptor concentrará sua atenção em guiar o aluno para o equilíbrio entre sua força e seus desejos. A educação desse período se faz em estado de luta entre suas paixões e a aplicação de forças para evitá-las ou realizá-las. Cumpre ao orientador diminuir os desejos do aluno para que as forças, excedentes agora, aumentem e não venham a lhe faltar no futuro. Neste trabalho, afaste-se dele, os que exigem, para ser compreendidos, um espírito já formado: “Lembra-te, lembra-te sem cessar de que a ignorância nunca fez mal, de que só o erro é funesto, e de que ninguém se perde pelo que não sabe e sim pelo que pensa saber”.  13

- É necessário ensinar Geometria à criannça? Pois que sirva para ensinar noções morais que a façam distinguir o bem do mal. É a única contribuição dessa ciência.

Tudo o que a criança precisa aprender para a vida, em suprimento de suas necessidades, conclui-se neste período da vida. Daqui a diante a educação atentará para o que lhe for útil na vida, até chegar no que lhe é conveniente e bom.

O conveniente e bom, levam a procurar o bem e evitar o mal, tornam-se assim, úteis à vida da criança:

                         Para que serve isto? Eis, a partir de agora, as

                         Palavras sagradas, determinantes entre mim e ele em

                         Todas as ações de nossa vida... Aquele a quem, como

                         Mais importante lição, se ensina a não querer nada

                         Saber senão o útil, interroga como Sócrates, não faz

                         Pergunta sem pensar na razão que lhe vão solicitar

                         Antes de a resolver.  14

 

Pode-se perceber neste ponto do discurso que os pré-juízos em Rousseau, na educação do Emílio, tem fundamentos sólidos nos filósofos da antiguidade. É fácil distinguir em seu método, a maiêutica socrática, sem a ironia que completava o itinerário rumo à verdade, do grande filósofo ateniense. Ambos buscam o conhecimento, a partir da experiência individual. Cada um em seu tempo tinha a preocupação de educar, segundo suas visões de mundo e, em direção aos papéis existenciais esperados de seus alunos. Sócrates via em Atenas a necessidade de cidadãos com idéias próprias para a sustentação da democracia e enfrentamento do poder dos autoproclamados sábios. Rousseau via na Europa, a necessidade de homens preparados para promoverem as mudanças, numa sociedade de desiguais, sem que se precise abdicar da felicidade pessoal. Tanto mais feliz individualmente é esse homem, tanto mais será feliz a sociedade por ele governada (ou da qual fará parte). Para Sócrates, a sociedade precisa de um ser pensante para atuar sobre ela. Para Rousseau, a sociedade precisa de um ser atuante para pensar sobre ela. Com a pretensão de uma educação plena para este fim, Rousseau vê a necessidade de fazer do homem um ser amante e sensível, isto é, aperfeiçoar-lhe a razão pelo sentimento. É a próxima etapa da formação do Emílio.

 

 

12-    idem, ibidem, p-165

13-    idem, ibidem, p-174

14-    idem, ibidem, p-191

 

 

4.      O quarto período de vida

 

O conhecimento do mundo sensível construído até aqui, já são suficientes para a sobrevivência nele. A criança passará então, a elaborar suas noções sobre o amor.

O estudo conveniente ao homem, diz Rousseau, é aquele proveniente de suas relações. Logo precisa ter uma companheira para não viver isolado. A busca dessa companheira, a natureza já preparou, dotando os seres opostos da atração sexual. É preciso conhecimento e tempo, para que duas pessoas que se sentem atraídas mutuamente, tornem-se aptas ao amor: “só se ama depois de ter julgado, só se prefere depois de ter comparado.... O amor deve ser recíproco”.  15

A esses primeiros pré-juízos sobre o amor, Rousseau acrescenta a pressuposição de que há uma gradação natural desse sentimento. Todo amor, num jovem educado, evolui das paixões ternas à afeição. Esse é o caminho da felicidade. Só pode ser feliz quem ama.

Aproximamo-nos, desse modo, da parte mais sagrada, onde todas as máximas serão indelevelmente impressas, em lugar apropriado: o coração humano. É desse manancial que brotam todos os sentimentos capazes de nos tornar bons e felizes. Ensine –se, pois, ao aluno a amar todos os homens e não desonrá-los. Eis o caminho mais perfeito da harmonia nas relações humanas sejam essas relações amorosas ou não.

 

 

 

5.      O quinto período de vida

 

A preparação para o amor leva, finalmente Emílio para o último ato da juventude. Como no Gênese bíblico, Rousseau diz: “Não é bom que o homem fique só”.  A seguir cria sua companheira. Seu nome? Sofia. Como encontrá-la e como ter certeza de que é a mulher certa para o Emílio? Examinando-lhe a virtudes próprias da mulher.

                                A primeira e a mais importantes qualidade de uma

                                Mulher é a doçura; feita para obedecer a um ser tão

                                Imperfeito quanto o homem, amiúde cheio de vícios,

                                E sempre cheio de defeitos, ela deve aprender desde

                                Cedo a sofrer até injustiças e a suportar os erros do

                                 Marido....  16

Está aí, o retrato de mulher que deverá servir de companheira para o Emílio. Tem, além de virtudes, as obrigações próprias do sexo e do papel existencial, na condição de esposa. Sua educação deverá atentar para isso:

                                Daí sem escrúpulo uma educação de mulher as

                                Mulheres, fazei com que gostem das tarefas de seu

                                Sexo, que sejam modestas, que saibam cuidar de seu

                                Lar, ocupar-se com sua casa; o rebuscamento cairá por

                                Si mesmo e elas estarão vestidas com mais bom

                                Gosto.

Na vida a dois, quando essas características “próprias” da mulher se interseccionam com as “próprias” do homem, a felicidade esta assegurada. É o que acontecerá a Emílio e sua futura companheira.

Mas, onde encontrar a mulher que partilhará suas emoções, seu coração enfim, sua vida inteira com Emílio?

Nos bosques onde bondosos camponeses moram e prestam sua ajuda a Emílio e seu preceptor que estão perdidos. Chama-se Sofia; nome que dá a Emílio estremecimentos nunca sentidos antes. Estabelece-se no primeiro encontro uma total intercessão entre os dois. As emoções se confundem e os pré-juízos de ambos, quanto à escolha do objeto de seus sentimentos amoroso estão ali, todos confirmados. Há identidade total entre o nome Sofia e o que este sugere sabedoria.

Casam-se. O dia mais feliz da vida do Emílio e de seu preceptor, ocorre conforme o esperado:

                              O digno casal une-se mediante uma cadeia

                               Indissolúvel; suas bocas pronunciam e seus corações

                               Confirmam juras que não serão vãs: são esposos.

                               Voltando do templo, deixam-se conduzir... não sabem

                                Onde estão, para onde vão, o que fazem em derredor

                                Deles. Não ouvem, não respondem senão palavras

                                Confusas, seus olhos não vêem nada.  17

Com cautela, o preceptor ajuda o casal a sair desse enlevo e voltar aos sentidos.

O discurso final do preceptor recomenda o gozo do prazer, somente quando houver reciprocidade. Mas, em sua primeira noite o casal dorme em leitos separados. Emílio nunca gostou as primícias de sua juventude com ninguém. É preciso preparar Sofia. O preceptor dá-lhe conhecimento dos motivos por que o esposo assim procede. Feito isto, o preceptor se retira da vida dos dois. Missão cumprida. O casal mais feliz que se pode conhecer terá um filho. Profundamente feliz, Emílio agradece e pede ao mestre que repita no filho o que fez pelo pai.

Ainda cumpre-nos observar que o preceptor não se descuidou da religião do Emílio e de Sofia, uma religião racional, isto e, uma religião de “poucos dogmas e com menos prática de devoção... não conhecendo como prática essencial senão a moral, ela dedica sua vida inteira a servir a Deus fazendo o bem”.  18

Terminamos, desse modo, este capítulo demonstrativo dos pré-juízos de Jean –Jacques Rousseau na obra de Emílio na acepção da boa formação. Vamos, a seguir, proceder à discussão desse aspecto presente nessa obra, uma das mais importantes do autor e da educação do seu tempo.

 

 

15-    idem, ibidem, p-237

16-    idem, ibidem, p-440

17-    idem, ibidem, p-574.

18-    Idem,ibidem, p-476

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Por tudo que foi demonstrado neste trabalho, permitimo-nos apresentar nossas conclusões acerca do tema estudado.

À questão posta em seu país sobre o progresso das ciências e das artes tinha contribuído para aprimorar os costumes, Rousseau respondeu negativamente e, para não ficar mera critica propôs Emílio.

Os críticos da obra Emílio consideram-na um “roteiro pratico” em direção á felicidade humana.

Uma leitura mais paciente desta obra, porém, mostrou-nos que os caminhos apontados por Rousseau, não são tão práticos como se propala, posto que construídos sobre pré-juízos ou presunção da formação do adulto bom, a partir de suas potencialidades naturais, desde criança e distanciando-a dos males sociais.

Percebemos que os pré-juízos de Jean-Jacques Rousseau na educação da criança, representa pelo personagem Emilio, na obra homônima, referem-se a todas as etapas e aspectos da vida. Por isso, um preceptor deve orientar, a educação ate chegar a sua meta.

Pensamos na origem desses pré-juízos e na persistência com que Rousseau os empregou ate o final, na certeza de sua infalibilidade e que o leitor acompanha em suspense com relação ao desfecho: - irá o Emilio, responder positivamente a toda formação para ele traçado? Como agirá na pratica diante de situações inesperadas? Quais as conseqüências de educação segundo Rousseau?

Comecemos pela infância:

A idéia de que a criança agenda a sensação de aprisionamento às  vestimentas de recém-nascidos e transformará essa primeira experiência, num conceito de escravidão, não encontra correspondência na realidade. Crianças de muitas gerações, desde Rousseau, criados desta maneira, foram livres e alegres, na infância e na idade adulta, simplesmente, porque em sua estrutura de pensamento, as emoções ou outro tópico ( que não o sensorial) soa dominantes. Educar a criança a partir do pré-juízo de que ela é incapaz de abstrações e deve aprender através do contato com o mundo, pode não sortir nenhum efeito, numa criança que quer saber o pro que dos fenômenos da natureza, por exemplo. E que dizer daquelas que desde cedo, mostram-se poetas-mirins ou mesmo pequenos filósofos da natureza, ou ainda buscam chegar à essência das coisas? Esquece-se do mundo sensível, inventam sons e passam dias a fio na descoberta de um desenho ou pintura que não, a concretização de uma idéia?

Quanto ao pré-juízo de que só se deve desenvolver na criança as faculdades que lhe venham a ser úteis no futuro, como eleger essas faculdades, como ter certeza de que serão úteis, sem um conhecimento prévio da estrutura de pensamento dessa criança, principalmente, para onde ela orientará suas buscas ao longo de toda a sua existência. Alem do mais, o adulto de amanha, como será o Emilio, encontrara ainda uma França racionalista, porque mudanças ideológicas ou estéticas, quando irrompem, soa resultantes de uma construção de muito mais tempo do que supunha o filósofo.

Deixar o corpo livre desde o nascer nem sempre resultará em adultos altos, fortes, bem proporcionados e bem humorados, como pressupunha Rousseau. Entre corpo e estados emocionais, a relação não e tão direta assim, a menos que o sensorial domine na EP de uma pessoa, seja ela criança ou adulta. Outras vezes, os estados emocionais se forjam em experiências de qualquer idade por isso, não se pode entender essa relação sensorial x abstrato e emocional como agendada ao nascer. Quantos recém-nascidos só se acalmam com uma proteção total de seu corpo, envolto em panos e reagem de imediato, e demoradamente, à exposição de seu corpo às sensações térmicas, principalmente, às frias?

Afastar as crianças das asmas, entrega-las às mães, preparadas pela natureza para alimenta-las – é mais um pré-juízo que não se confirma na realidade. É certo que o leite materno é o mais importante alimento da natureza, nos primeiros meses de vida, mas quantas vezes se amamentam crianças, sem nenhum afeto; outras vezes, foi o leite de uma estranha que salvou inúmeras vidas e ainda há homens fortes, saudáveis e alegres que nunca, foram amamentados; o mundo natural o aborrece, e ávida par estes, só tem sentindo no dinamismo das grandes cidades? Não há, como saber se uma pessoa estruturou-se dessa ou daquela maneira, antes que ela o diga ou manifeste em alguma forma de expressividade, ou dado de semiose (só pra citar alguns meios pelos quais se pode conhecer sua EP).

Ainda relacionado ao sensorial, um pré-juízo que vale comentar é o de que a  natureza educa por meio da dor e das provações. Se essa é a pedagogia da natureza, torna-se a obrigatória a compreensão de que algumas pessoas são aptas para serem educadas, outras não. Alguém que tenha o sensorial determinante, não suportando a dor, pode matasse sem que isso signifique às lições da natureza e sem, extrema sensibilidade à dor. O corpo não precisa ser forte para obedecer à alma, como preconiza Rousseau. Os  fortes e fortes e franzinos seguirão suas vontades, seus desejos, suas paixões se essas forem determinantes em suas malhas intelectivas.

Na segunda etapa da vida, ensinando-se à criança a fazer o bem e evitar o mal já é suficiente para esse período. Co esse discernimento a criança aprenderá com os pés, mãos e olhos tudo de que precisará para a vida, por isso, nem os colégios, nem os livros terão o que ensinar.

Para não repetimos o que já comentamos sobre o raciocínio como tópico dominante, limitamo-nos a dizer que esse pressuposto de Rousseau nos induz a uma pergunta: de onde vinha toda erudição que o próprio filósofo acumulou em sua vida? Foi do campo, observando a natureza? Se tudo o que fez de construtivo para a sociedade, incluindo sua obra, é antes, produto do raciocínio, do que qualquer um outro tópico de sua estrutura de pensamento, por que defender o corpo como primeiro motor da inteligência? Mais que isso: como inferir desse pressuposto (que um aluno vigoroso e bem formado para sua idade) gere somente idéias boas e agradáveis, no presente e no futuro?

Se retroagirmos no método que tanta segurança confere ao filósofo, embora ele defenda que o conhecimento seja o da experiência compartilhada, antes da idade adulta, não se tem um momento de interseção entre o preceptor e seu aluno. Do ponto de vista da especialidade, o mestre esta em deslocamento longos (raciocínios abstratos), em relação ao mundo como lhe parece e ao que acha de si mesmo – ele, medida de todas as coisas. A intercessão necessária ao conhecimento de seu aluno e que, segunda ele, deve se originar na experiência não se verifica. – que sabe, esse preceptor sobre seu aluno, se desde cedo ano foi ao seu espaço existencial para conhecer seu modo de ser?

Se, em idade tenra, não tinha ainda a fala, que o preceptor se lhe observasse os dados de semiose, a expressividade em gestos e movimentos, as preferências. É certo que todas essas estruturas podem sofrer mudanças como o desenvolvimento da criança, mas ate para compará-la nas várias etapas da vida e corrigir-lhes os rumos, isto é fundamental.

   Como pensar numa proposta de educação que não leve em consideração os dados epistemicos do aluno que se tem? Como conceber o aluno de um livro só? Se o aluno é dado a abstrações, se o corpo é apenas a morada do ser, que eficiência terá um ensino numa só direção –a experiência?

Dizer que Emilio será o mais criativo dentre as crianças do seu grupo, o mais ágil, é outro pré-juízo de difícil confirmação. Não há experiência neste sentido e a leitura do único livro que conhece – Robson Crusoé, por si mesmo, não o influenciará, de vez que, a experiência do protagonista desta obra repete, com pequenas variações, o que já faz o Emilio. Isolado de qualquer grupo, terá que responder rapidamente as situações que surgirem, das mais simples as mais embaraçosas e formular conceitos adequados sem uma experiência anterior que lhe sirva de referencia, só por intuição, chegará a bom termo.

Os pré-juízos religiosos soa envoltos em idéias complexas. As mulheres terão a religião da ame, quando solteiras e do marido quando casadas. Religião, para Rousseau, é questão de raciocínio e, segundo ele, as mulheres não sabem julgar – o sentimento que prende a menina a mãe e a família a ordem da natureza obtém de Deus o perdão de qualquer pecado de erro. O sentimento se ocupará desta tarefa sozinho. Não se sabe, ao certo, que síntese pode surgir de uma prática religiosa como essa: hoje numa religião, amanha noutra. A continuidade dessas mudanças nos filhos e nos filhos dos filhos produzirão, talvez a idéia da inutilidade de uma religião.

Os raciocínios relacionados aos pré-juízos religiosos se estruturam cada vez mais complexos. Rousseau se contradiz mais uma vez, quando avança na idéia de que as mulheres não podem tirar somente de si mesma a regra de sua fé, e de que elas não conhecem os limites da evidencia e da razão; e que deixando-se arrastar por impulsos estranhos, acham-se aquém da verdade. Sempre estremadas, são todas libertinas ou beatas. Contradição para quem afirma ser tudo perfeito, vindo das mãos do autor da criação.

O homem para dirigir corretamente a religião da mulher e dos filhos irá conduzindo a criança passo a passo, do particular para o universal ate que nela se fixe  a idéia de Deus. Nada dos catecismos que afrontam a razão natural. Religião para Rousseau não passa pela subjetividade das pessoas; é questão de razão e deve levar à idéia de Deus de quem tudo deriva perfeito, no ato da criação.

A experiência amorosa é questão de tempo e paciência em julgar, comparar e crescer ate chegar ao amor. Educar para o amor, e para amar todos os homens, nunca desonra-los; por outras palavras fazer o bem, evitar o mal e atingir, assim, a beatude amorosa.

Com o coração repleto de sentimentos bons, Emílio se encaminha para a relação amorosa com uma mulher que terá de conhecer, comparar, distinguir neste universo onde “todas são libertinas ou extremadas”.

Parece impossível, mas o coração do Emilio o encaminha para o lugar certo onde esta mulher está. O próprio amor se encarrega de preparar-lhe a mulher certa, na hora certa e no lugar certo. O amor também tem leis naturais, nasce no coração do homem quer ele procure ou não. Nesse sentido, homem e mulher são feitos para o amor. Mas, o amor natural é exigente: julga até às evidencias de que se está diante da pessoa certa. Os corações podem explodir de emoção, mas só partilharão, no sensorial, quando o raciocínio liberar o julgamento.

Sofia soube reconhecer no Emílio o seu Telêmaco: aquele que será seu chefe, que trabalhará para ela, que ganhará seu pão, que a alimentará: eis o homem! (Ecce homo!).

O amor em Rousseau não deixa dúvida quanto a sua eficiência para unir duas pessoas. Ele mesmo as orientará na busca de sua realização.

Essa idéia de amor como única forma de realização recíproca das pessoas, desde tempos imemoráveis não resiste a um olhar mais acurado de qualquer examinador.

É possível identificar com facilidade, relações entre casais onde o amor não é determinante. Às vezes, um representa para o outro, a realização de uma busca, há muito tempo esperada: a segurança financeira e de status (associada ao sensorial- papel existencial). Ou pode essa busca estar centrada nas aptidões, virtudes, em face de pré-juízos da outra pessoa com relação à duração ou qualidade da relação. Enfim, as possibilidades são inúmeras e nesta escala, só um grupo ínfimo de pessoas se unem, por amor ou paixão; emoções e pré-juízos de que o único fim do casamento é a realização do amor, do qual, a mais sublime conseqüência é a constituição de uma família nos moldes tradicionais: Pai, Mãe, filhos numerosos.

Não dá pra defender, em dias de hoje, um código tão rigoroso e de tão difícil cumprimento. Vemos, todavia, que é mais freqüente encontramos famílias que insistem na manutenção desse modelo de união, mesmo que a experiência tenha mostrado a falta de sentindo ou os saldos desastrosos que as diferenças tópicas tem produzido em seus casamentos.

A forma como Rousseau constrói os pré-juízos sobre o amor entre os jovens, é apresentada com uma forte carga de emoção. Dir-se-ia que é o próprio Rousseau e não, o preceptor do Emilio que presencia seu primeiro encontro com Sofia e entra no íntimo de seus corações, experimentando, (não supondo), os sentimentos que aproximam os dois enamorados. Os corações dos dois jovens soam os mestres a confirmar que um nasceu para o outro. Não há mais duvida de que não há mais buscas a empreender, aliás não houve busca amorosa de nenhum dos dois. Sofia encontrou o seu Telêmaco que já conhecia das leituras sobre mitos antigos.  Emilio é filósofo dos sentimentos e um filósofo deve saber o que significa o nome Sofia e assim, dois jovens educados sob fortes pré-juízos vão ao casamento na certeza de serem felizes, pois tem ambos a convicção de que os bons sentimentos, as emoções de um para o outro e o compromisso de construírem uma família perfeita em benefício da sociedade, soa os requisitos básicos para viverem juntos pra sempre. Estariam nesse ponto, validades os pré-juízos de Rousseau, na educação do Emilio, como um conceito de educação perfeita.

Eis, porem, que chega o grande dia. Espera-se ( e agora o pré-juízo é nosso, que acompanhamos uma proposta de educação nova), que os noivos confirme na experiência o que viveram em expectativas: não foi, porem, o que aconteceu, de imediato. Desde criança, Emilio não tem experiência da vida “em relação” a pessoas, principalmente, no plano sensorial. Sua educação inteiramente confiada à natureza, controlada por um preceptor que não considerou suas subjetividades, ou os conceitos que habitavam sua estrutura de pensamento, passa agora pelo teste de ter que coloca-lo de frente para uma mulher, que além de bons sentimentos, tem corpo, anda, vê e sente com a alma e com o corpo. Essa mulher passa pelo vexame de ver seu marido dormir em cama separada no dia do seu casamento. Estabelece-se um grande choque entre o que ela conhece sobre o casamento (Epistemologia raciocínio) e seus sentimentos (emoções) em intercessão com o seu novo papel existencial, o de esposa.

O preceptor intervém, epistemologicamente, e explica (raciocino) a Sofia que Emilio foi educado para a contenção dos impulsos, dos prazeres. Poupam-se os prazeres para que sejam duradouros e que uma mulher como Sofia, sabendo equilibrar, recusa o gozo dos prazeres do sexo, para que possa obter o controle da relação. Que Sofia, deixando um dia de ser amante de Emilio, torna-se sua mulher e sua amiga – uma riqueza de papeis existenciais – dizemos nós em Filosofia Clínica.

Após essa preleção, os noivos são advertidos de que são livres e consumam finalmente, o casamento. Missão cumprida!

Só mais uma lição e, neste ponto, o preceptor se despede, com uma última advertência: o homem precisa a vida inteira de um guia... foi o que fez o mestre, que abandona com gestos emocionados, sua longa tarefa.

Não se pode, porem deixar de registrar mais essa pré-juízo com relação ao casal, impregnado de emoção: “Eles se enternecem por sua vez compartilhando meus transportes”, os pais, vendo os filhos, reconhecem, pela primeira vez, o valor da vida.

Emilio não está tão certo assim de poder exercer tranqüilo seu novo  papel existencial. Se o mestre sentia chegar o momento em que todos os seus esforços se coroavam de êxito, o discípulo declarava: “enquanto eu viver, precisarei de vós. Preciso mais do que nunca agora que minhas funções de homem se iniciam. Desempenhastes as vossas; guiai-me para que vos imite” (...).

-         Missão cumprida?

-         Rousseau afirma que sim e nós podemos afirmar ou negar que o projeto chegou a bom termo – não foi esse o objetivo deste trabalho. Desde o inicio, nosso intuito foi conhecer melhor, e mais profundamente, os pré-juízos como parte importante da estrutura de pensamento. Como se consta, na obra Emílio de Jean-Jacques Rousseau,essa estrutura tópica perpassa toda obra e assim pudemos constatar em nosso estudo que, na obra desse filósofo constitui-se uma estrutura básica sobra a qual se constroem os raciocínios em que ele se movimenta, na formulação das idéias que resultaram no itinerário pedagógico do Emilio.

-         Pré-juízos, quem ou qual ciência não os tem? A ciência, a própria filosofia soa pré-juízos que delinearam todo percurso epistemológico da humanidade.

-         Na própria Filosofia Clínica que nos levou à elaboração desse trabalho, o professor Lúcio Packter reconhece (caderno B) a existência de um número considerável deles, como estrutura primeira de seu esboço teórico, que colocamos em confronto com as principais idéias de Jean-Jacques Rousseau sobre a educação do Emilio.

-         Os pré-juízos não são nem positivos nem negativos para uma teoria filosófica ou cientifica. São estruturas que fazem parte da historia do conhecimento humano, às vezes, se confirmando na experiência, ás vezes se negando. Foi assim que o  conhecimento avançou ate chegar no que temos hoje. Dentre os construtores da historia do conhecimento inscreveu-se Jean Jacques Rousseau.

-         Podemos contestá-lo pelas idéias complexas acerca da educação, mas a forma apaixonada como defendeu a educação do homem, em respeito ao seu desenvolvimento e sua preocupação em educar para a boa convivência em sociedade fazem dele um dos mais célebres filósofos e pedagogos da humanidade.

 

 

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

1.      GADAMER, Hans-Georg Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica (Tradução de Flávio Paulo Meurer e Revisoa de Ênio Paulo Giachini). 2 ed. , Petrópolis: Vozes, 1998, 731p. ( Coleção Pensamento Humano).

2.      MARCONDE, Danilo: Iniciação à História da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgentein: RJ: Jorge Zahar, 1997, 298p.

3.      REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario: história da filosofia: do Romantismo ate nossos dias. SP: Paulus, 1991, 1113p.

4.      ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio: ou, da educação.(Tradução de Sérgio Milliet). 3 ed. RJ: Bertrand Brasil, 1995, 581p.

5.      _________________. Do Contrato Social: ensaio sobre a origem das línguas. (Tradução de Lourdes Santos Machado. Introdução e notas Paul Arbousse Bastide e  Lourival Gomes Machado). SP: Nova Cultural, 2000, 336p. (Coleção Pensadores).

 

 

 

BIBLIOGRAFIA DE APOIO

 

1.      ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2 ed. SP: Mestre Jou, 1982, 976p.

2.      GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. SP: Ática ,1993, 319p. (Série Educação).

3.      RUSSEL, Bertrand. História do pensamento ocidental: a aventura das idéias dos pré-socráticos a Wittgenstein. RJ : Ediouro, 2001, 463p.

4.      SUCHODOLSKI, Bogdam. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: pedagogia da essência e a pedagogia da existência. (Tradução de: Dra. Liliana Rombert Soeiro). 2ed., Lisboa: Livros Horizonte, 1978, 124p.