Quando Hollywood encontra Freud

 

 

Por Edílson Saçashima

 

(Fonte: http://sites.uol.com.br/cinedebate/clubeluc.htm)

 

Clube da Luta consolida David Fincher como um dos principais cineastas surgidos na década de 90

 

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, teve suas idéias transpostas para as telas por grandes cineastas como Luis Buñuel, Ingmar Bergman, Woody Allen e Stanley Kubrick, só para citar os principais. Curiosamente, Hollywood, a meca do cinema, sempre teve dificuldades em lidar com as idéias freudianas sem cair em reducionismos baratos ou estereótipos. Talvez o único representante hollywoodiano que tenha se saído melhor seja Alfred Hitchcock. Mas David Fincher está disposto a romper essa tradição.

 

Clube da Luta, seu mais recente filme, toma diversos conceitos psicanalíticos para desenvolver um enredo ligeiro e em ritmo de videoclip. Edward Norton é um executivo de trinta anos que está passando por uma terrível crise de insônia. Para se livrar dela, ele passa a freqüentar uma série de grupos de auto-ajuda, mas sem obter resultados. Sua vida irá mudar quando encontra Tyler Durden (Brad Pitt), um vendedor de sabonete. Ele representa uma válvula de escape para o personagem sem nome interpretado por Norton. O relacionamento entre eles vai se estreitando, principalmente após o aparta-mento de Norton ir pelos ares. Os dois então montam o "Clube da Luta", nome dado às reuniões noturnas em que homens de todas as idades e classes sociais se digladiam até a exaustão. O clube vai ganhando dimensões gigantescas até se tornar uma organização terrorista.

 

 

Talvez aqui esteja a relação alardeada pela crítica entre o filme de David Fincher e Laranja Mecânica, o clássico de Stanley Kubrick. Os dois filmes mostram a explosão da violência como válvula de escape para o recalque provocado pela sociedade. Cada um a seu modo, representaria releituras do ensaio de Freud intitulado O Mal-Estar da Civilização.

 

No entanto, a comparação pára por aí. Enquanto Kubrick esmiuça essa relação, Clube da Luta apresenta outras idéias freudianas. A principal delas, e que é o segredo do filme, é a idéia do subconsciente. O personagem de Norton é a representação do consciente, do lado racional do ser humano. Repressor, ele é a voz da moral. Já Tyler Durden é o subconsciente, a voz do instinto, sem amarras. Talvez o melhor exemplo dessa distinção esteja na relação dos dois com Marla Singer (Helena Bonham Carter).

 

Enquanto que o primeiro a trata com frieza médica - como na cena em que Norton procura um caroço nos seios de Marla para constatar câncer de mama -, Tyler é absolutamente passional, tanto que é um verdadeiro garanhão na cama. A própria descrição de Tyler feita por Norton reforça a sua imagem de

subconsciente. Tyler é responsável pela montagem de filmes a serem exibidos nos cinemas.

 

No entanto, ele não faz seu trabalho de forma convencional: entre uma cena e outra de Chapeuzinho Vermelho, ele encaixa fotogramas de genitais masculinos. Essa é uma clara metáfora sobre o subconsciente e seu papel nos sonhos. "Enquanto todos dormem, ele trabalha", diz o personagem de Norton. Assim, o cinema seria comparável ao sonho e Tyler, ao subconsciente.

 

Na teoria psicanalítica freudiana, o sonho seria o meio encontrado para o subconsciente se expressar. Além disso, o sexo e suas representações são o pilar fundamental de todas as neuroses e problemas psiquiátricos do ser humano. Esse conceito foi transposto para a tela de cinema nas mãos de David Fincher.

 

As referências à Freud são inúmeras mas a diretriz principal seguida pelo filme é a dualidade do ser humano, idéia chave para saborear o filme e seu final inusitado.Para quem aprendeu a gostar de Fincher com Seven também não tem do que se queixar. Em sua filmografia modesta (quatro longas de ficção até agora), o cineasta vem desenvolvendo um mesmo tema de forma criativa. Em seus filmes, Fincher lida com o lúdico relacionado a vida e, consequentemente, a morte. Em Alien 3, esse tema estava presente na perseguição entre o alien e os humanos, que tentavam encurralar o monstro nos corredores da estação orbital.

 

Em Seven, a série de assassinatos pode ser visto como uma atividade lúdica do criminoso. Em Vidas em Jogo, o protagonista encarnado por Michael Douglas é literalmente peça de um jogo. Em todos esses filmes, o que está em jogo é a própria existência dos protagonistas e, consequen-temente, do homem. Essa atividade lúdica também está presente em Clube da Luta e se verifica na forma como o personagem de Norton imagina Tyler Durden e se relaciona com ele.

 

 

Se a idéia de jogo da vida é tema recorrente nos filmes de Fincher, os protagonistas de seus filmes são peças decisivos para indicar a vitória ou não da "partida". Para Fincher, as regras são claras e paradoxais: ganha aquele que perder. Ou seja, em Alien 3, a tenente Ripley (Sigourney Weaver) derrota o alien, que está encubado no ventre dela, porque ela comete suicídio. Em Seven, a morte do assassino representa a vitória dele no jogo que ele próprio montou , enquanto que o personagem de Brad Pitt, que se imaginava isento desse jogo macabro, é responsável pelo triunfo do criminoso ao matá-lo.

 

Em Vidas em Jogo, o jogo chega ao fim quando Michael Douglas tenta o suicídio e, com isso, ele sai renovado, um novo homem. Já em Clube da Luta...De todos os ângulos, Clube da Luta representa um filme peculiar na atual safra de filmes de Hollywood. Sinal de que nem tudo está perdido lá pelas bandas da Califórnia.

 

 

CLUBE DA LUTA (Fight Club, EUA, 1999) Direção de David Fincher. Com Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter. 135 min.