Os reembolsos de IVA (5-05-2001) Saldanha Sanches* «Uma boa parte do sector da construção civil enfrenta por uma séria ameaça. Reembolsos e fiscalização que podem levar ao aumento das despesas com subornos ou - pior ainda - ao pagamento de alguns impostos. Se a ameaça se não dissipar talvez seja melhor que um qualquer representante do sector peça a intervenção, com carácter de urgência, da Comissão de Protecção de Dados Pessoais. Bastará que esta aplique à devassa da escrita dos construtores, a sábia doutrina do caso 'Cobrança de Quotizações em Associações e Contactos com os Respectivos Associados'». O IVA a taxa reduzida na construção civil significa que o construtor, a partir daí sujeito passivo, pode obter o reembolso de parte do imposto já suportado. O que está a provocar desconfianças e protestos de um certo sector da construção. Como explicava um dos interessados, com uma sincera boçalidade, se houver reembolsos pode haver inspecções. Mais vale que tudo fique na mesma. É a demonstração das duas posições na construção civil a respeito da dita isenção do IVA. Para alguns grupos portugueses ou multinacionais o IVA na construção é uma condição para a entrada no sector da construção para habitação: uma vez que na construção de imóveis para actividades comerciais não há problema. Renunciando à isenção do IVA, como já fazem, podem desonerar-se do IVA que suportam ao longo do processo. Nalguns casos surge a sisa o que complica a operação. Não pode cobrar-se ao consumidor final o IVA a 17% mais a sisa. Se esta desaparecer, óptimo. Este sector não esperou pelo fim da chamada isenção do IVA: renunciou a uma isenção, falsa, e por isso desvantajosa. Para quem joga de acordo com as regras. No pólo oposto estão os que têm na fraude fiscal a sua única vantagem concorrencial. As subempreitadas, que também pagam IVA, são feitas sempre sem recibo. Estão por isso isentas. O material de construção é adquirido sem IVA por meio de tortuosos circuitos paralelos, por vezes com origem em Espanha. As autoridades fiscais espanholas não estão muito preocupadas com os impostos não pagos em Portugal. Para o comerciante de materiais de construção, como para qualquer outro inserido num circuito produtivo, o mais cómodo seria vender sempre a sujeitos passivos. O mais cómodo, cobrar o IVA e entregar (em princípio) o imposto cobrado nos cofres do Estado. As tortuosidades da economia paralela têm os seus encantos. Mas têm também os seus custos. Não pagar os impostos não significa estar livre de exacções fiscais: no sentido amplo do termo, incluindo os pagamentos periódicos que explicam em parte as distracções de quem de direito. E à medida que elas se tornam maiores alguns empresários começam a pensar se não será melhor pagar directamente ao Estado. É um cenário que comprova como a mera introdução do IVA, mesmo sem mais controlo e melhor fiscalização, pode levar àquela diminuição da economia paralela que a OCDE considerava necessária em Portugal. Já é uma espécie de milagre (e mostra a astúcia do IVA) que mesmo sem controlo fiscal digno desse nome as empresas mais sofisticadas renunciem à isenção e comecem a pagar IVA. Por não estarem dispostas a criar os circuitos paralelos de mercadorias, do princípio ao fim, da produção ao consumo, que a fraude ao IVA exige para que possa ser rentável. Exigindo um bom saco azul que permita subornos a agentes políticos e fiscais. Nada de papeis. E manutenção do carácter familiar da empresa. O risco aumenta exponencialmente com a dimensão: como dizia um bom conhecedor do sector, uma fraude fiscal realmente eficiente, como boas conduções de segurança, exige que toda a contabilidade da empresa caiba no bolso do construtor. Uma boa parte do sector enfrenta por isso uma séria ameaça. Reembolsos e fiscalização que podem levar ao aumento das despesas com subornos ou - pior ainda - ao pagamento de alguns impostos. Se a ameaça se não dissipar talvez seja melhor que um qualquer representante do sector peça a intervenção, com carácter de urgência, da Comissão de Protecção de Dados Pessoais. Bastará que esta aplique à devassa da escrita dos construtores, a sábia doutrina do caso «Cobrança de Quotizações em Associações e Contactos com os Respectivos Associados». Depois de uma profunda análise desta magna questão, a Comissão concluiu que estas instituições podem ter ficheiros sem controlo da comissão (art. 2º da Autorização de Isenção nº 6/99) em certas categorias de dados. E só estas. Mas se o Benfica quiser ter registos para saber em que parte do mês as quotas são mais facilmente pagas pelos sócios deverá ter a prévia autorização da digna Comissão. E com estes sólidos precedentes, se os construtores anti-IVA o solicitarem, a Comissão produzirá certamente uma decisão à altura das suas tradições. *Jurista E-mail: ssanches@mail.telepac.pt