O CADERNO PERDIDO DO ABORTO ELÉTRICO
AS 11 LETRAS INÉDITAS
Renato Russo queria de volta o caderno do Aborto Elétrico, que estava com Fê Lemos, provavelmente por causa dessas músicas nunca gravadas. Mas Renato morreu sem rever esse caderno.
Todas as letras são de Renato Russo.
Benzina : "Não quero cocaína, não quero benzedrina, não quero heroína, vou cheirar benzina." Em Brasília, Renato Russo cheirou benzina alguma vezes, mas ainda não tinha experimentado cocaína nem heroína quando escreveu essa letra.
O Despertar dos Mortos : Segundo Fê, uma frase da letra, "menos guerra, mais pão, vocês de direita, vocês de esquerda são todos babacas, velhos demais, vivendo intrigas de tempos atrás", foi tirada de uma música do The Clash. Renato estava sempre pescando influências nos grupos que admirava.
Admirável Mundo Novo : A música foi composta por André Pretorius e Renato fez a letra inconformista com "vocês tentaram e continua tudo dando errado, a sua tal experiência é coisa do passado."
Helicópteros No Céu : Estilo B-52's, uma das bandas cultuadas pelo Aborto Elétrico. Era sempre tocada nos shows. Um dos clássicos perdidos do grupo.
Heroína : Foi escrita com a colaboração de um junkie muito especial : Ércole Fortuna, um primo carioca de Renato Russo. O título informal dessa música era "Quero Ser Um Vegetal". O tema é pesadíssimo.
O Que Eu Quero : Bem punk, bem rápida. Só sete frases, sempre na linha do "não estou mais a fim de estudar, nem vou fazer nenhum vestibular".
Hey Menina : Não chegou a ser tocada em shows do Aborto Elétrico porque fugia da batida veloz do punk, mas foi bastante ensaiada pelo grupo.
Anúncio de Refrigerantes : É um retrato da repressão policial em Brasília no fim da ditadura, muito tocada pelo Aborto Elétrico. "A gente tinha uma paranóia muito grande da polícia", lembra Fê Lemos.
Love Song One : Dizem que a letra foi feita para Flavio Lemos, de quem Renato Russo gostou muito. A música é de Flavio e Fê Lemos.
Metrópole : Renato Russo mudou completamente a letra para gravar essa música com a Legião Urbana. A versão que aparece no caderno é mórbida e violenta. "Ela tinha uns riffs pancadas que você não ouve mais hoje em dia", relembra Fê Lemos
Azul : Renato nunca musicou essa letra romântica, em que utilizou um tema sempre presente na sua obra : a necessidade de encontrar alguém, conversar com alguém : "e aí, você por aqui? parece que a gente vive se encontrando". Essa música mais tarde foi publicada na sua íntegra na revista ShowBizz (Janeiro de 2000, edição 174)
OS SETE GRANDES CLÁSSICOS
Geração Coca-Cola : Era um dos clássicos do repertório do Aborto Elétrico e no caderno aparece sem a segunda parte. Renato fez partes novas quando foi gravar o primeiro diso da Legião e usou um violão que diminuiu a velocidade porque a versão original era muito agressiva.
Que País é Este : Composta em 1978, era o hit do Aborto Elétrico bem antes de se transformar no hit da Legião. Com essa música eles levantavam a galera. Todo mundo sabia cantar e acompanhava o refrão. A versão era bem pesada, parecida com a da Legião.
Faroeste Caboclo : O Aborto Elétrico nunca tocou essa música, que foi virar hit quando Renato tornou-se "O Trovador Solitário", logo após o fim do Aborto.
Boomerang Blues : O Aborto Elétrico chegou a ensaiar essa música, nunca a tocou em shows. Depois o Barão Vermelho gravou uma versão.
Ficção Científica : A linha de baixo, intrincada, foi composta por Flavio Lemos. Era uma das músicas do repertório oficial do Aborto Elétrico.
Tédio (com um T bem grande pra você) : Foi escrita por Renato Russo em 1979 e gravada no terceiro disco da Legião.
Veraneio Vascaína : Gravada pelo Capital Inicial. Renato fez a letra em cima de uma linha de baixo criada por Flavio Lemos. Ele a compôs depois de mais um encontro desagradável com a polícia de Brasília.
1977 : A letra é muito parecida com Tempo Perdido
Não estou
mais a fim de estudar
Não vou
fazer mais vestibular
Não estou
mais a fim de me escravizar!
Não vou, não
vou, não vou trabalhar!
O que eu
quero mesmo é agitar!
O que eu
quero mesmo é agitar!
Sentado
embaixo do bloco sem ter o que fazer
Olhando as meninas que passam
Matando tempo procurando uma briga
sem ter dinheiro nem pro guaraná
Não vou de
tarde pro Conjunto Nacional
contar os pobres e os cegos e os ladrões
Com muita coisa na cabeça mas no bolso nada
Sempre com medo dos PMs
E chega o
fim de semana e todos se agitam
sempre à procura de uma festa
Os carros rodam enquanto se tem gasolina
e ninguém nunca agita nada
Sujeira quando a sua turma é menor de idade
não podem ir pro mesmo lado que você
E a vida que a gente leva não é nada igual
aos anúncios de refrigerantes
Você me
faz pensar demais
Sempre
quando quero tentar
Ser só
mais um que quer você
Ah! Não
quero entender porquê eu quero você.
Não
consigo saber.
Faça um
favor a si mesmo : cometa suicídio.
Se jogue do
andar mais alto de um dos seus edifícios.
Assalto à
mão armada, eu quero a sua vida
eu quero
ver você no chão.
Pisar nas
flores, destruir/construir um
estacionamento.
As crianças
vão ter que brincar num labirinto
de cimento.
Eu quero
acidentes, eu quero confusão: ferros e freios na contramão.
Metrópole
fez cinza o meu sangue.
E aí, você
por aqui?
Parece que
a gente vive se encontrando
Uma
conversa de bar é tão natural
Quando se
vive a mesma de bar em bar
Que mais
existe aí pra ver
Queria
conversar com você
Tentar não
é tão fácil assim
Será que
você pensa como eu
Que tudo é
sempre igual
Como tudo
quase sempre é
Como voltar
pra casa
Se você não
encontra nada lá
Ou em
qualquer outro lugar
Eu acho que
sei como você se sente
Ficar aqui
fora sem saber continuar
Que mais,
que mais você vai fazer
E se você
se sente assim
Você sabe
que não adianta
Dizer que não
sabe o que se passa com você
Então
tenta voltar pra algum lugar
Yeah, yeah, yeah, yeah...
Às vezes
fica cinza quando a chuva cai
Sempre em
volta de você
Mas será
que não é tempo de saber o que se quer
E que seria
bom se alguém dissesse
Que não
adianta contar estrelas por aí
Tudo o que
você faz
um dia volta pra você
Tudo o que você faz
um dia volta pra você
E se você fizer o mal
com o mal mais tarde você vai ter de viver
Não me
entregue o seu ódio
sua crise existencial
Preliminares não me atingem
o que interessa é o final
E não me venha com problemas
sinta sozinho o seu mal
Por que
tentar sentir demais?
E você só me usou
Eu tentava ajudar
e você só me queimou
Mas é errando que se aprende
minha boa vontade se esgotou
Os aborígenes
na Austrália
com o boomerang vão caçar
O boomerang vai e volta e só fica quando consegue acertar
E eu sou como um boomerang
quando eu acerto é pra matar
Como um
boomerang tudo vai voltar
e a ferida que você me fez é em você que vai sangrar
Eu tenho cicatrizes
mas eu não me importo não
Melhor que a sua ferida aberta
e o sangue ruim do seu coração
Eu só não
entendo como fui cair
dentro da sua teia e não tentei fugir
Me sinto mal lembrando o que aconteceu
Você tentou roubar
mas o boomerang agora é meu
Cuidado
pessoal, aí vem vindo a veraneio
toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado
dentro, dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio Vascaína vem dobrando a esquina
Porque
pobre quando nasce com instinto assassino
já sabe o que vai ser quando crescer desde menino
Ou ladrão pra matar, marginal pra roubar
Papai eu quero ser policial quando eu crescer
Cuidado
pessoal, aí vem vindo a veraneio
toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado
dentro, dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio Vascaína vem dobrando a esquina
Se eles vem,
como ensino
É melhor sair da frente
Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente
Com uma arma na mão
boto fogo no país
Não vai ter problema, eu sei
Vou estar do lado da lei
Cuidado
pessoal, aí vem vindo a veraneio
toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado
dentro, dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio Vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio Vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio Vascaína vem dobrando a esquina
Todos os dias quando
acordo de manhã
Não tenho mais o tempo do dia que passou
Mas tenho muito tempo para acabar com essa indecisão
Espero sinceridade e perigo
Todos os dias tento
chegar em algum lugar
Só pra depois dizer que não quero fical lá
Não é coincidência
essa minha indiferença
É que está me faltando motivo
Responsabilidade me deixa sem saber
qual é a interferência
ou como deve ser
Todos os dias quando
eu deito pra dormir
Fico pensando em todas as coisas que eu não fiz
Só não pense no futuro
sempre com uma leve preocupação
se não lembrar qual foi o aviso
Todos os dias quando
eu tento esquecer
Todas as coisas que eu não quero mais fazer
É só inconseqüência
O tempo continua com a oscilação
e eu não consigo ficar indeciso
Pontos de referência
Perdi meu referencial
E quase como sempre não foi proposital
1977
Começaram a brincar com eletricidade
1977
Quero ficar na cidade ou não