MEUS CAROS AMIGOS HOME Fico pensando às vezes nos calendários como verdadeiros totens representantes de uma entidade maior, de um deus todo poderoso que regula o nosso tempo. Ficamos, então, presos aos relógios e aos calendários mensais acreditando que aqueles números são verdades absolutas, que os meses e anos são verdades, são marcos que ultrapassamos à cada virada, algo além da nossa compreensão e aos quais somos submissos. Uma hora é composta de sessenta minutos assim como um ano é composto de trezentos e sessenta e cinco dias. Podemos ter trinta, cinqüenta ou setenta anos. Enfim, tudo é regido pelo tóten-calendário a que nos rendemos, a quem prestamos homenagens, festejamos e, principalmente, tememos. Esse pensamento me vem por conta da proximidade do réveillon que se aproxima e com ele toda a expectativa que criamos de um ano melhor, uma vida melhor, mais saúde, paz dinheiro, fraternidade, igualdade e tudo o mais que se possa desejar de uma vida perfeita. Como se a virada do calendário proporcionasse, naquele milionésimo de segundo toda a possibilidade de mudanças tão radicais, como se o novo ano fosse capaz de dar credibilidade, certeza de fazermos o que não fizemos nos cinqüenta ou setenta que já passaram. Como disse, a possibilidade da vida perfeita ou ideal. Como índios, soltamos fogos, bebemos, usamos roupagens especiais, grupos religiosos encarnam seus ancestrais e tudo o que é possível num rito de passagem, numa mega oferenda. Fico então eu me perscrutando por não sentir absolutamente nada disso. A passagem do dia 31 de dezembro para o dia primeiro de janeiro, para mim, é igual a qualquer passagem de dia. Onde estou errado? Que pensamento pessimista me assola? Eu entendo que as crianças festejem por sua própria condição de crianças onde tudo é motivo para festa e quanto mais melhor. Mas eu? E esse bando de gente desgarrada de suas vidinhas numa noite à la Cinderela? E continuo buscando dentro de mim uma explicação razoável. Não encontro por um motivo simples: a meu ver, o grande milagre, o verdadeiro show da vida ocorre no momento do nosso nascimento, na hora em que saímos do útero e temos contato com essa mega experiência, inexplicável, fantástica que é a vida. Ali é o verdadeiro rito de passagem, a verdadeira entrada no mundo, na vida onde existem trilhões de possibilidades para todos, sem exceção, onde todos, de uma forma ou de outra, terão a chance de ver o espetáculo do viver. E depois, cada hora, cada dia, cada ano, cada segundo deveria ser interiormente festejado, deveria ser apreciado como um eterno reveillon constante, contagiante (mesmo nos momentos menos afortunados) pelo simples fato de que estamos aqui, respiramos, nossos corações batem, o sol nasce e morre, a noite e as marés vêm e vão. Esse é o milagre, esse é o verdadeiro espetáculo. Não é o alto falante da avenida atlântica no dia 31 de dezembro. A festa é nossa, é o viver, é estarmos aqui, com possibilidades sempre, infinitamente à nossa frente. O show da vida é, portanto, diário, meus caros amigos. |