Cinema e interatividade: uma fronteira em expansão

Última atualização em 06/07/1998 / Volta para home page

"O Crime" é o título provisório para um vídeo interativo que está sendo desenvolvido na cadeira de Linguagem de Vídeo do curso de pós-graduação da PUCRS.

 

Acompanhe na home page relatos do processo dia a dia da produção deste projeto.

por Roberto Tietzmann

 

Explorar possibilidades de interação ao se contar uma história é uma fronteira que vem se expandindo nos últimos anos. Com a popularização de videogames a partir dos anos 70 e de computadores a partir dos 80, o público começou a aceitar melhor a idéia de interagir com máquinas, e não apenas com outros seres humanos. Da segunda metade dos anos 90 em diante, com a ampliação do poder de processamento dos computadores domésticos e de uma disseminação de drives de CD-ROM, torna-se possível começar a reproduzir vídeo na maioria dos computadores domésticos.

A partir daí surgem uma série de produtos e experiências que visam fundir os potenciais de sedução do cinema com as possibilidades de interferência sobre a trama oferecidas pelo suporte digital. Uma destas experiências, intitulada "O Crime", foi desenvolvida no primeiro semestre de 1998 por alunos dos cursos de pós-graduação em cinema e publicidade da PUCRS, explorando uma trama simples que se desdobra em diferentes finais.

A premissa básica a ser experimentada em "O Crime" era resolver as reviravoltas da trama de uma maneira que a história nunca parasse e perguntasse para o espectador "Você quer a opção A ou a opção B?". Ou seja, a trama continuaria andando mesmo que você não participasse dela. Os chamados pontos de interação, momentos onde o espectador pode alterar o rumo da trama, acontecem ao longo do tempo, são definidos pelo enquadramento do plano e estão inseridos no contexto de cada cena.

Desta maneira, "O Crime" oferece um diferencial fundamental em relação ao "Você Decide" da Rede Globo. No programa de TV os telefonemas podem levar a trama para qualquer um de três finais oferecidos por um apresentador. A escolha é feita sobre os epílogos da trama, que são contados desde as chamadas para o episódio da semana. Em "O Crime" os pontos de interação desviam a trama para os finais ao longo de seu desenvolvimento, e o espectador somente sabe qual é a conclusão quando chega até ela. Tudo se resume às diferenças de formato entre os produtos. Como "O Crime" pressupõe uma audiência individual atenta ao que está se passando com a trama, é viável experimentar um formato de interação diferenciado daquele amplamente difundido.

Outra fronteira de interação explorada foi a criação de uma home page na Internet sobre "O Crime" ( no endereço http://www.oocities.org/TelevisionCity/Set/3445 ) convidando os internautas a opinarem sobre o vídeo desde o seu início. Com grata surpresa recebemos vários emails com críticas e sugestões válidas sobre o roteiro e seus desdobramentos, muitas delas adotadas.

Uma das primeiras preocupações de fazer uma narrativa interativa é criar uma história que se preste a tal formato, mantendo o interesse do espectador. A primeira idéia cogitada para este projeto foi a de um crime, sua investigação e conclusão, bem nos moldes de Agatha Christie. Mas, uma vez que se usa tal modelo, todo o desenvolvimento da trama é definido pelo contexto policial. Se houve um crime, será investigado e punido. Ao buscar a interatividade de uma forma mais radical, ou seja, mais liberta para (inclusive mudar de gênero ao longo do desenvolvimento da trama), decidiu-se jogar fora o segundo e terceiro atos (a investigação e a resolução do crime) restando apenas ao primeiro: o crime em si.

Quem já escreveu um roteiro conhece o intenso processo de descarte que acontece durante a redação. Inventam-se trinta soluções, sobram umas seis e apenas uma é filmada. Em "O Crime", chegamos a cinco finais criados a partir de um storyline simples, "um homem invade uma casa, mata uma mulher e foge".

Das perguntas "Mas e se ela o matar?", "E se eles se apaixonarem?", "E se acompanharmos o vizinho, que só sabe do crime na manhã seguinte?" ou ainda "E se o futuro assassino for atropelado no caminho?", nasceu a história de Luís e Cláudia. Eles são um jovem casal que já viveu uma relação apaixonada, mas se separou e guarda rancores mal resolvidos um pelo outro a ponto que as coisas podem acabar "bem" (com a reconciliação), muito mal (com os assassinatos) ou ainda de uma maneira acidental (com o atropelamento de Luís).

Mesmo deixando a imaginação criar outros finais, restringir-se a apenas cinco foi também uma medida para viabilizar o projeto. Afinal de contas, quando se começa a criar diferentes caminhos por onde a trama pode seguir, aumenta também a quantidade de planos, o tempo necessário para captá-los e os custos envolvidos.

Ao contrário do que o formato final do projeto possa sugerir (em Internet, CD-ROM e vídeo), a captação das imagens ocorreu de acordo com os preceitos da "ortodoxia Griffithiana". Uma cuidadosa pré-produção, seguida de decupagem de planos, ensaios com atores, maquiagem, iluminação, várias tomadas por plano, etc. A veiculação alternativa não alterou em nada as etapas de pré-produção e captação a partir daquelas de um vídeo "normal".

Os filhos deste cruzamento entre a linguagem visual nascida no cinema e a interatividade recém dão seus primeiros passos para além das experiências. A própria tecnologia disponível para oferecer o conteúdo interativo para os espectadores está longe do ideal, apesar dos avanços. Mas, se há alguma coisa a aprender com a história do cinema, é que mais vale ter algo a contar do que se intimidar com as limitações. Caso contrário, o que você vai dizer quando tiver a oportunidade?



Desenvolvido por Roberto Tietzmann (rtietz@cesup.ufrgs.br)