CURSO DE FILOSOFIA PARA NÃO FILÓSOFOS
Aula 1
Paulo Ghiraldelli Jr
(Fonte: http://www.ghiraldelli.pro.br/aula_1.htm)
Filosofia e mito
A filosofia ocidental teve seu início na Grécia antiga. A palavra "filosofia" - philosophia - é uma palavra de origem grega. Philo vem de philia, que tem a ver com companheirismo, amor fraterno, amizade. Sophia vem de sophos, que quer dizer sábio. Assim, em geral, quando se parte da etimologia da palavra, temos que "filosofia" é o amor ao saber, a amizade profunda à sabedoria; e o filósofo, então, é aquele que tem um apreço especial pela sabedoria.
A filosofia, nesta perspectiva grega, é um atividade que visa levar ao saber. E sua história, para a maioria dos manuais, tem como primeiro adversário o mito, que, aos olhos do filósofo, não estaria preocupado em levar ao saber, ao conhecimento, tomando aqui a palavra conhecimento como saber verdadeiro, não contraditório, que não busca causas em relações sobrenaturais, mas em relações naturais. A palavra mito também tem uma origem grega, ela vem de mythos. Há dois verbos que confluem para mythos: mytheo, que tem a ver com a conversação e a designação, e mytheyo, que tem a ver com a narração, com o contar algo para outro.
O mito narra algo que é inquestionável para quem está inserido fielmente na atividade de ouvi-lo. Ele tem a função de dizer algo que tal pessoa acredita sem que venha pensar muito de modo a colocá-lo em dúvida. Seu papel é de informar e dar sentido à existência de quem crê nele, mas, principalmente, o de socializar as pessoas e criar uma comunidade a comunidade que forma o "nós", os que se organizam socialmente da mesma forma, exatamente porque, entre o que possuem de comum, o mito é não só alguma coisa forte, mas é exatamente a narrativa (única) que diz o que é comum para este "nós".
Cosmogonia e cosmologia
As cosmogonias são, de certa forma, narrativas sobre as origens do mundo. Em geral elas estão presentes nos mitos, isto quando não são a sua essência. Falam de união sexual entre deuses, que geram o mundo, ou união sexual entre deuses e humanos, que em geral criam situações complexas e dão o enredo a uma história que explica divisões, guerras, ciúmes, paixões, disputas sobre a justiça, etc.
As cosmologias já estão mais para o campo do pensamento filosófico do que para o pensamento mitológico. Para vários autores da história da filosofia, elas são a origem do pensamento filosófico, e outros, mais propensos a verem continuidade do que rupturas na história do pensamento, tendem a ver as cosmologias como o início do pensamento científico.
As cosmologias são teorias a respeito da natureza do mundo. As cosmogonias são genealogias, diferentemente, as cosmologias são conhecimento a respeito de elementos primordiais, mas naturais. O pensamento cosmológico remete à phýsis, a palavra grega que tem a ver com o que é eterno e de onde tudo surge, nasce, brota. Trata-se de um elemento imperecível, que gera todos os outros elementos naturais, que são perecíveis.
Os pensadores chamados "pré-socráticos"
Os pensadores pré-socráticos viveram no "mundo grego", mas nem todos antes de Sócrates. Alguns sim, outros não. Eles viveram entre o século sete e o meio do século quarto A.C. Sócrates nasceu em 469 e morreu em 399 A.C. (todas as datas, antes de Cristo, são, na sua maioria, estimativas).
Uma boa parte desses pensadores foram, antes de tudo, cosmólogos. E vários deles trabalharam em um sentido reducionista, isto é, tentaram encontrar uma substância única, ou força exclusiva, ou princípio básico capaz de ser apresentado como o elemento efetivamente real e primordial do cosmos. Thales de Mileto (580 A.C.) disse que tudo era composto de água, Anaximandro (610-546 A.C.) escolheu o que ele chamou de o ilimitado e o inespecífico (em grego, apeirón), Anaxímenes voltou a falar em um elemento específico, o ar. Esses três filósofos ficaram conhecidos na história da filosofia como pertencentes à Escola de Mileto, uma escola que primou pelo naturalismo, ou seja, pela busca de explicações baseadas em nexos causais entre fenômenos naturais, e pelo monismo, isto é, a idéia de que entre as mudanças naturais há de se encontrar nessas transformações algo de elementar.
Diferentemente da Escola de Mileto, os discípulos de Pitágoras de Samos (572-500 A.C.) não procuraram por um elemento natural, físico, mas evocaram a idéia de que a essência de tudo é numérica, a realidade é descrita por fórmulas matemáticas, ou relações entre números.
Eráclito de Éfeso, por sua vez, evocou o fogo como sendo o elemento primordial. Todavia, neste caso, tratou-se não do fogo como elemento natural, em um sentido literal do termo, mas o chama como símbolo de algo em mudança contínua, que se absorve e se transforma. Heráclito foi o autor da famosa frase "não é possível banhar-se no mesmo rio duas vezes". Todavia, não se deve deduzir dessa afirmação que Heráclito defendeu uma teoria da mudança contínua desregrada. Ao contrário, ele entendia que havia uma lógica - o logos - governando tal mudança contínua.
Sucedendo Heráclito, mas em oposição a ele, Parmênides de Eléia (515-440 A.C.) defendeu a idéia da imutabilidade, mas em um plano lógico e lingüístico. Ele afirmou o que se põe como uma auto-evidência: "o que é, é, o que não é, não é". Sua teoria era a de que não se poderia afirmar que "o que é, não é", pois o não-ser, por definição, "não é".
Dessa forma, Parmênides afirmou que só o "ser" existia, e que ele só poderia ter as seguintes características: sempre existente, indestrutível, eterno e indivisível. Zenão de Eléia (490 _ ? A.C.) elaborou alguns paradoxos para mostrar que o que Parmênides defendia podia parecer estranho, mas era verdadeiro. Todos eles se basearam em uma idéia fácil de entender, que visava nos mostrar a impossibilidade do movimento e, portanto, a impossíbilidade de algo que "é" passar a "vir-a-ser", pois se fosse admissível que algo que "é" viesse a "vir-a-ser", isto significaria que antes tal coisa "não era", o que seria uma contradição.
Assim, Zenão, entre outros paradoxos, levantou a questão de como que uma flecha nunca atinge o alvo: se ela percorre um arco AB, e tal arco, logicamente pode sempre ser dividido infinitamente, sempre faltará um determinado segmento de AB para que a flecha possa chegar ao alvo. O que Zenão criou foi, enfim, a idéia de que o movimento é algo do mundo sensível, mas que, diante do pensamento lógico-linguístico ele não se sustenta. Assim, o mundo sensível, onde a flecha atinge o alvo, não se coadunaria com o mundo inteligível, onde, se nos atermos à lógica, ela nunca poderia ter realmente atingido o alvo.
A tese de Parmênides e os paradoxos de Zenão tiveram um forte impacto no mundo Grego. Entre outras teorias que apareceram para tentar se livrar de tais paradoxos, três delas tornaram-se representativas do período dito "pré-socrático": a de Empédocles (? - 440 A.C.), a de Anaxágoras (500 – 428 A.C.) e a de Leucipo (460 - ? a.C.) e Demócrito (460 – 370 A.C.). Tais pensadores diferiram dos anteriores especialmente por abandonarem o monismo em favor de algum tipo de pluralismo, ou seja, por abandonarem a idéia de buscar como o mais real e profundo um elemento único, exclusivo.
Para explicar o movimento e a mudança, que Zenão negava, Empédocles de Agrigento disse que deveríamos olhar para as forças antagônicas da "disputa" e do "amor". A segunda, como ele dizia, tinha a função de promover a unidade, enquanto que a primeira é que trazia a dispersão e a destruição.
Anaxágoras de Clazômena, por sua vez, mencionou a existência de "sementes", quase que como uma espécie de elementos que hoje chamaríamos de elementos químicos, subjacentes ao mundo físico visível, e associou-as a uma força, de características mentais, organizadora do mundo, o "Nous", uma força racional, uma alma, mente, que para além das formas visíveis estaria colocando o mundo em movimento, funcionando internamente nos seres orgânicos e externamente nos seres inorgânicos.
Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera preferiram falar em algo material, e não espiritual, no campo invisível de comando do mundo. O mundo, para eles, era composto de "átomos". Átomo vem do grego atomon, que significa indivisível. Os átomos seriam partículas pequenas, não criadas, indestrutíveis, eternas, e que se moveriam continuamente em um plano não perceptível por nós segundo leis e caminhos imutáveis. Ao contrário de Parmênides, e mais próximo a Heráclito, Demócrito defendeu a idéia de que a inércia é que é aparente, pois o que subjaz é o movimento, em um campo não lógico, mas material, ainda que racional, organizado, seguindo leis determinadas.
Exercício da aula 1
Localizar nos mapas as escolas, os pensadores e, fichar, nos mapas, a compreensão de cada escola filosófica.
Grécia antiga
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