CURSO DE FILOSOFIA PARA NÃO FILÓSOFOS
Aula 4
Paulo Ghiraldelli Jr
(Fonte: http://www.ghiraldelli.pro.br/aula_4.htm)
Platão e a "teoria da linha divisória"
A República contém a "alegoria da caverna", e também nela está a teoria na qual Platão, de modo não alegórico, expõe sua filosofia como um sistema completo. O sistema pode ser visualizado através da figura abaixo, que abarca todos os campos que tradicionalmente viemos a atribuir como sendo próprios da filosofia: a epistemologia (teoria do conhecimento), a ontologia (teoria do ser), a ética (teoria moral) e a estética (teoria do belo). O conjunto é a filosofia ou a metafísica de Platão ¾ sua concepção filosófica geral.
Conhecimento |
Razão Pura |
Formas Puras |
Mundo Inteligível |
O BEM |
|
Entendimento |
Conceitos Científicos |
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Opinião |
Crença |
Objetos Particulares |
Mundo Visível |
O SOL |
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Conjectura |
Imagens |
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Epistemologia |
Ontologia |
O quadro acima pode ser lido da seguinte maneira. As colunas com tonalidades cinza estão em relação, ou seja, para cada elemento do âmbito do ser (campo da ontologia), há o seu correspondente no âmbito do saber que o recebe (a epistemologia). E em ambas colunas, há uma hierarquia. Caminha-se do elemento do campo do ser que são as imagens (eikones) para os objetos particulares (eikasia); as imagens fornecem, no plano do saber, a conjectura (hypothemenoi), e os objetos particulares, a crença (dianoia). Horizontalmente, no campo azul, se está no âmbito do mundo visível, onde a luz vem do sol, e tal saber, o da conjectuta e da crença, a respeito das imagens e de objetos particulares, é o que emitimos como opinião.
Dá-se um salto qualitativo quando o saber já é conhecimento, através do entendimento (eide) de conceitos científicos (ta horomeva), e finalmente, um salto elevadíssimo quando a razão pura (noesis) pode se defrontar com a formas puras (pistis). Isto é o que está, respectivamente, no campo epistemológico e ontológico, nas colunas verticais em cinza claro. Neste caso, saímos do mundo visível ou sensível, iluminado pelo Sol, e estamos no mundo puramento inteligível, iluminado pela forma de todas as formas, que é o Bem.
O Bem não se define, ele é o superlativo de todo conhecimento conceitual e do conhecimento metaconceitual.
Há uma ética nisso tudo? Sim! A forma das formas, na qual todas as formas estão e dependem dela, não é da ordem do puro entendimento, mas da pura razão, e defini-se no campo ético ¾ o Bem ¾ e, ao mesmo tempo, no campo epistemológico. Assim, no limite, ética e epistemologia se entrelaçam na ponta, no topo, no mundo da formas. Para Platão, um homem que conhece, verdadeiramente, se defrontou com o Bem, portanto não pode haver conhecimento sem virtude. É automático que o sábio seja virtuoso.
Outra fato importante no quadro é que o campo do mundo visível, que chamamos de real, para Platão é o mundo existente para os sentidos, mas não ganha status de "real". É o campo do mundo inteligível que Platão entende que é o mundo real, e que, de fato, é o mundo ideal; ele o chama de mundo verdadeiramente real. Eis aí porque pode-se dizer que Platão é idealista (para alguns, que aceitam a inversão, ele é realista). Assim, há de se perceber que, no plano ontológico, no plano do ser, o que ocorre é que o mundo visível, sensível, é apenas uma cópia do mundo inteligível.
Para cada estado de ser, há um estado de saber, ou de consciência. Das sombras, que são iluminadas pelo Sol, pode-se ir à verdadeira luz que não produz sombra, o Bem, o que significa sair do campo físico e conseguir chegar ao campo meta-físico. O campo metafísico, estando mais acima, é o que enlaça e assegura todo os campos apenas físicos, de modo que no âmbito da consciência, do saber, há fundamentos epistemológicos no plano mais alto, correspondente ao plano mais alto do campo ontológico.
Aqui, todo cuidado é pouco. Nem sempre estamos acostumados ao pensamento idealista. Então, definitivamente, há de se entender que teorias e definições não são generalizações que vieram de casos particulares. Não houve abstração do particular para o geral. Inversamente, a metafísica de Platão diz que as coisas que são cópias, e que tomamos como o existente, e que existem mesmo, são derivadas de coisas que também existem, mas que tem um elemento a mais do que a simples existência ¾ tem realidade.
Se olhamos para o quadro, temos de perceber que as sombras são imagens de coisas particulares, e as teorias e conceitos fazem o papel de sombras das formas puras.
As formas são as verdades eternas que são a fonte do real. Então, para Platão, o Bem é a fonte do ser, do conhecimento e da verdade, e é ao mesmo tempo o que é mais belo. Na metafísica de Platão, Bem, Belo e Saber se fundem no Bem, e deslizam nele, na forma das formas.
Platão, a teoria da alma e a política
A teoria a verdade de Platão está associada à teoria da alma, em um certo sentido. A alma, indestrutível enquanto forma, conviveu no mundo das formas, mas decaiu quando do nascimento do homem empírico. Com perguntas inteligentes, pode-se fazer a alma lembrar da verdade porque ela pode rememorar o momento em que ela esteve junto das formas puras.
Quando do nascimento, há uma queda, para Platão, que considera a incorporação da alma um verdadeiro trauma. Assim, para que se tenha conhecimento, o que se faz é desanuviar o momento do trauma e dar oportunidade para que a alma do homem empírico reconheça o que viveu, lembre que viveu na verdade, e que pode então expressá-la neste mundo visível.
Ao Platão fazer essa exposição da alma, ele constrói uma tipologia humana e, assim, uma discriminação de setores sociais, o que o leva a poder montar um utopia política ¾ que está no livro a República.
A alma, o a psiquê, possui três divisões: ela tem uma parte racional, uma parte espiritual e uma parte referente aos apetites. Todos os homens possuem esta mesma estrutura, mas nem todos as tem em igual possibilidade de desenvolvimento. Se um indivíduo, através de uma vida de virtudes compartilhadas, puder desenvolver sua parte racional e ter a sabedoria, ele será um governante ¾ um rei-filósofo. Se ele desenvolver mais a parte espiritual, por conta da virtude da coragem ter sido o que ele melhor compartilhou, ele vai ser um soldado.
Se um indivíduo, mais que a parte racional e espiritual, desenvolver os apetites, mas souber lidar com eles pela virtude compartilhada da moderação, ele será um trabalhador. No campo social, isso significa uma estratégia para se montar uma sociedade perfeita, harmônica, forte, o que significa, no plano individual, a ter indivíduos que possuem saúde.
Exercício 1 - Tente esboçar, a partir do quadro acima, um segundo quadro, que relacione a teoria da alma do indivíduo na República dividida em castas. Você pode ter um idéia a partir de uma gravura de Paul Stanley.
Socrates' Image of the Soul
Republic 588c-e: . . Let's make an image of the soul . . . model the form of a many-headed monster, having a ring of heads of all manner of beasts, tame and wild, which he is able to generate and change at will . . . now make a second form as of a lion, and a third of a man, making the the first the largest, and the third the smallest . . . now join them, and let the three grow into one . . . next fashion the outside of them into a single image . . . so that he who is not able to look within, and sees only the outer shape, may believe the whole to be a single human being.
Rational part = the little person within.
Spirited, honor-loving part = the lion
Appetites = animal heads
Tame heads = necessary appetites
Wild heads = unnecessary, dangerous appetites