CURSO DE FILOSOFIA PARA NÃO FILÓSOFOS
Aula 6
Paulo Ghiraldelli Jr
(Fonte: http://www.ghiraldelli.pro.br/aula_6.htm)
A ética e a cidade em Aristóteles e Platão
Aristóteles foi discípulo de Platão, e este de Sócrates. Mas Aristóteles, diferentemente de seus mestres, foi um escritor enciclopédico e sistematizador, com uma produção em forma de tratados, revelando dominar um vastíssimo saber em campos os mais variados. Portanto, não lhe passaria desapercebido, que Platão havia escrito a República não só com intenções metafísicas, mas com intenções, como o nome do livro já diz, de falar sobre a política e, consequentemente, sobre ética, ou seja, a discussão sobre a conduta coletiva e individual dos homens. E se neste contexto há uma possibilidade de se pensar que a noção de Deus se aproxima da noção de Bem, em Platão, em Aristóteles ela foi definida a partir da teoria das causas: Deus seria o "motor primeiro", o motor que causa tudo mas que é incausado.
Mas que não se confunda tal noção de Deus com a noção moderna de Deus, a noção judaico-cristã. Deus não é aquele que cria tudo a partir dele, ele é, sim, em Aristóteles, um tipo de causa final que visa um resultado. Ele é o único elemento que não pode ser posto no quadro dos elementos que estão em potência e ato real. Ele não tem potencialidade porque ele é ato contínuo, tudo nele se realiza, de modo que isso é sua perfeição e, portanto, sua imutabilidade. Ele é atividade pura. A atividade do pensamento puro, que é o pensamento da perfeição. Ele não tem mediações com as coisas para conhecê-las, ele é movimento contínuo e conhecimento contínuo e imediato de tudo.
No entanto, há uma característica do Deus aristotélico que se perpetuou em certa interpretação moderna do mundo e de Deus, que é a idéia de teleologia, que, aliás, está em toda a metafísica de Aristóteles. Para Aristóteles, cada coisa tinha em si mesma um telos, um objetivo, e o motor primeiro também teria um objetivo: a perfeição. No mundo humano o mesmo ocorreria, haveria um certo acordo verbal de modo que o comportamento humano teria como finalidade a felicidade, o bem-estar (eudaimonia).
Coerente com seu esquema de buscar causas e efeitos nos objetos, nas coisas, Aristóteles fez o mesmo com o ser humano, e concluiu que era a felicidade, como o objetivo do comportamento humano, que deveria estar conduzindo a pergunta sobre qual a função do próprio ser humano. Aristóteles definiu que a função do ser humano era a de colocar sua alma em concordância com a virtude (areté) e com a razão. Todavia, a definição de Aristóteles de virtude não escapa de seu raciocínio que preza a funcionalidade, pois a palavra grega areté carrega esta significação, ou seja, a de otimização da função, da funcionalidade.
Em grego areté é a qualidade de qualquer objeto ou comportamento ou esforço capaz de ser tomado como funcionalmente ótimo. As virtudes humanas seriam duas, a virtude intelectual e a moral. A virtude intelectual estava associada à aquisição da sabedoria dentro do esquema de desinteresse contemplativo e científico do mundo em geral - o sábio é virtuoso na medida de sua vida contemplativa, monástica, e é feliz assim. A felicidade, para Aristóteles, estava ligada, primeiramente, à virtude intelectual. Mas também dever-se-ia, já então no que diz respeito à virtude moral, agir com moderação, com prudência. Assim fazendo, o sábio estaria conduzindo sua vida filosoficamente.
Aristóteles, ao dizer isto, estava afirmando que os homens seriam obrigados, para serem virtuosos, a serem filósofos; mas ele sabia, é claro, que a atividade contemplativa, guiada pela razão, não era a única atividade dos homens. Estes eram animais sociais, obrigados pela vida social da cidade, ou seja, já pela vida na polis - a vida política - , a concordar ou discordar de atitudes e regras, tomando decisões de caráter prático ou, se se quiser, prático-moral.
Neste caso, da mesma forma que Platão se preocupou com a vida política do homem, como alguém que está propenso a desenvolver-se como animal social, e com isso se preocupou em definir o Estado ideal, Aristóteles caminhou neste sentido, uma vez que a felicidade completa (eudaimonia) dependeria não só da realização da virtude intelectual, mas também da virtude moral, ou seja, de se conseguir ser feliz. Mas o Estado ideal de Platão não foi visto por Aristóteles como o melhor lugar para ser feliz. O Estado ideal de Platão era o Estado em forma de república, segundo uma divisão que estaria mais para a divisão em castas do que para a divisão em classes, enquanto que o Estado, na formulação de Aristóteles, era o Estado democrático, abrigando uma divisão específica entre os homens.
A república de Platão e a democracia de Aristóteles
Platão falou de uma república que espelharia as diferenças entre os homens como diferenças entre a preponderância de características da alma humana. Os homens, para Platão, tinham três tipos de alma (ou três partes da alma), uma alma racional, uma espiritual, e uma alma que seria guiada pelos apetites. Conforme uma delas fosse preponderante no homem, se revelando no processo educacional, esses homens seria encaminhados para suas respectivas classes.
Se preponderasse a alma racional durante o processo educacional, então este indivíduo compartilharia entre seus pares da virtude da sabedoria, e deveria ser encaminhado, no campo da formação estatal (no campo da vida política), para o grupo dos governantes. Se preponderasse o espírito, de modo que a educação revelasse a virtude da coragem, este indivíduo seria encaminhado para compartilhar tal virtude com seus pares, ficando, no âmbito da vida política, na categoria de soldados. Se preponderasse os apetites, de modo que a educação revelasse a virtude da moderação, este indivíduo seria encaminhado para compartilhar tal virtude com seus pares, no âmbito da vida política, na categoria dos trabalhadores.
Um complicado sistema de casamentos e de regulamentos estatais, montados por Platão, garantiram ao seu Estado ideal, que este pudesse seguir sempre com sua divisão em segmentos estanques. Muitos historiadores insistem na idéia de que a República de Platão foi escrita como uma condenação à democracia que, uma vez vigente em Atenas, não foi capaz de preservar a vida de seu melhor cidadão, Sócrates.
Sempre pensando em classificar e expor o saber, Aristóteles, diferentemente de Platão, não construiu uma utopia, mas analisou, na sua teoria do Estado, as formas de governo. É claro que tais formas de governo estavam mais sujeitas à idéia geral platônica dos homens como tendo pendores naturais. Se os sofistas, por exemplo, falaram que há coisas que são de ordem natural e coisas que são de ordem convencional, sendo que as leis humanas cairiam no segundo grupo, Aristóteles entendeu os seres humanos como naturalmente sociais, e a disposição para se organizarem politicamente como uma propensão inata.
Todavia, a organização política variava. Aristóteles, sempre no seu estilo sistematizador e classificador, falou em três formas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia constitucional. A elas acrescentou três formas de perversão: a monarquia pervertida é a tirania, a oligarquia pervertida é a oligarquia, a democracia constitucional pervertida é a democracia.
A democracia aristotélica, como ele a explicitou, seria uma forma de governo dos cidadãos, mas de não muitos cidadãos, uma vez que ele admitia a escravidão. Aliás, a distribuição de funções na democracia aristotélica não lhe trazia vantagens em relação à rígida divisão da república platônica, quando ambos modelos são vistos através do que nós, modernos, entendemos como democracia pluralista e com igualdade de direitos, ascensão social etc.
Platão expulsou os poetas (e de um modo geral "os artistas") de sua república. Não encontrou lugar para eles, uma vez que o artista, segundo Platão, apenas fazia a cópia do mundo. Ora, o mundo existente, para Platão, não era o mundo real. O mundo real, para Platão, era o mundo ideal, de maneira que os artistas, ao copiarem o mundo sensível estariam fazendo a cópia da cópia, uma forma deteriorada de representação e, enfim, uma apologia da não-verdade.
Aristóteles, por sua vez, ainda que tenha dito, como Platão, que a arte tinha a ver com a cópia, com a mera imitação (mimesis), ele não aceitou o rebaixamento da arte. Ao contrário, vendo-a como uma descrição não do que se passou, mas não raro do que poderia ter acontecido, do que seria provavel, a arte estaria em um plano não tão distante do da filosofia. Além disso, se Platão condenou a arte por ela incitar paixões, Aristóteles a elogiou justamente por isso. Para Aristóteles o teatro, por exemplo, poderia incitar paixões e levar o público para uma situação saudável de catarse (catharsis), ou seja, de ampliação da capacidade de absorção de problemas coletivos e individuais, como guerras, tragédias etc.
Exercício 1 - Leia alguns trabalhos de Platão e de Aristóteles (Platão, leia a República, de Aristóteles, leia Ética à Nicômaco - use também a Coleção "Os Pensadores", da Abril Cultural), e, então, divirta-se lendo um genial comic book, o de Alex Fajardo: http://www.platosrepublic.com/
Exercício 2 - Veja o desenho de Caverna de Platão e, baseado em Aristóteles, escreva uma crítica a tal alegoria.
Plato's Cave
Exercício 3 - Veja Fajardo usando um tema platônico, para seu personagem "Plato" (que é um "pato"!), e tente criar a sua tira usando um tema aristotélico. Crie um personagem "Aristotle".