CURSO DE FILOSOFIA PARA NÃO FILÓSOFOS
Aula 8
Paulo Ghiraldelli Jr
(Fonte: http://www.ghiraldelli.pro.br/aula_8.htm)
Plotino, o neoplatonismo e o cristianismo
Um dos grandes trunfos do estoicismo foi ter tido como um de seus bons filósofos o imperador Marco Aurélio. Mas quando este morreu, o mundo ocidental filosófico já estava caminhando para um cenário de disputa e de confluência entre o crescimento do cristianismo e o neoplatonismo de Plotino (204-270).
A doutrina de Plotino confiava na idéia da duplicidade de mundos. No entanto, se Platão havia propugnado um método para que o homem, ou, pelo menos os que tivessem uma certa propensão, pudessem transitar entre o que contém um mundo e o outro, ainda estando corporeamente no "mundo terreno" (este método, às vezes, pode ser visto como a dialética), Plotino, por sua vez, modificou um pouco a doutrina. Ele colocou o mundo onde estão as verdades de um lado, e o nosso mundo de outro lado, de um modo que não havia uma ponte mais ou menos racional entre eles. Plotino introduziu a visão do UNO, ou de Deus se se quiser: algo que só pode ser (verdadeiramente) sabido por alguém de um modo não-racional.
O que Plotino tinha em mente é que a linguagem comum discrimina coisas, situações etc., e quando se faz uma distinção, está se dizendo que algo que é, não é outra coisa. Se alguém diz que algo é um frango, então este algo não é a mesa, nem o computador etc. Essa situação de discriminação é desfeita no UNO, do qual o homem pode ou não participar. E então, se livrará do problema da linguagem distintiva, determinadora. Poder-se-á conseguir isto de duas maneiras: por fruição de momento místicos ou pela morte. Assim, Plotino defendeu uma espécie de panteísmo, na medida em que o real, o realmente verdadeiro, era Deus, e vice-versa. Estava em tudo, mas só acessível ao homem por uma situação não propriamente filosófica, diferentemente portanto de Platão.
Enquanto este tipo de neoplatonismo se propagou por alguns lugares, o cristianismo avançou, mesmo sofrendo repressões externas e lutas internas pela interpretação dos dogmas cristãos.
O Deus de Santo Agostinho
A noções de severidade do estoicismo e do neoplatonismo se casaram com algumas do cristianismo, formando um ambiente de época. E a idéia de UNO de Plotino veio ao encontro à idéia de Deus dos livros sagrados do Velho e do Novo Testamentos. Santo Agostinho desenvolveu, além de outros trabalhos filosóficos, um aprofundamento metafísico-teológico em função de recuperar o pensamento racional diante da concepção de Deus para a Igreja Católica, então constituída e dando seus primeiros passos seguros para se tornar o ponto unificador da Europa durante a Idade Média.
A noção de Deus dos Evangelhos trouxe um problema que, para os gregos, não poderia ter se apresentado desta nova forma, ou seja, o da liberdade e responsabilidade dos homens diante de um ser como o Deus judaico-cristão. Deus, como aparece na religião judaico-cristã, é onisciente, de modo que Ele conhece o futuro, e este deve ser como é o seu conhecimento, caso contrário não se poderia dizer que Ele conhece o futuro. Então, se o futuro deve se manifestar como Deus o conhece, o futuro é necessário, não-aberto, não-livre.
Se o futuro está predeterminado, a responsabilidade dos homens, tão afirmada pelo cristianismo, que era e é uma doutrina da individualidade (ao contrário da doutrina grega que atrelava o homem à polis), caía por terra, e Agostinho sabia bem disso. Se Deus é onisciente então o futuro está determinado e Ele perdoa o pecador no futuro de qualquer maneira, e, assim, ele não aplica moral alguma, mas se Deus é benevolente e perdoa o pecador no futuro, então ele é ignorante. Como se livrar desse problema?
Santo Agostinho tentou solucionar esse dilema assumindo que para Deus não haveria o tempo, não existiria o passado e o futuro, mas sim um momento único e eterno. Deus estaria para além do tempo, o que quer dizer que Deus é eterno (a noção de eternidade, difícil de ser assimilada, não era estranha aos Evangelhos).
Santo Agostinho entendia que o conhecimento que Deus tinha a respeito de tudo implicaria a necessidade, todavia, ele argumentou que quem quer é o ser humano, e o humano pode querer ou não querer, e isto não é incompatível com a necessidade. A necessidade se situa em um plano, o querer o e não-querer continuam funcionando no plano da finitude, o plano de cada ser individual, humano. Deus seria presciente das decisões dos humanos, mas ele não seria a causa de tais decisões.