A atualidade da reforma agrária - de Canudos aos Sem-Terra: a utopia pela terra

(Fonte: Revista "Olho da História" - UFBa)

* Antônio Câmara

Pretende-se, neste texto, analisar a atualidade dos movimentos pela reforma agrária no Brasil. Mais uma vez, tal tema, tão recorrente na literatura científica da América Latina, ganha atualidade com o movimento dos camponeses em Chiapas que coloca em xeque as estruturas políticas tradicionais daquele país e renova as esperanças de transformação social. No Brasil, palco de um ascenso significativo da luta pela reforma agrária, o único movimento que enfrentou com sucesso o novo governo, em 1995, o Movimento dos Sem-Terra, questiona os novos "paradigmas" que não tomam por base a discriminação econômica, mas as diferenças de sexo, cor etc; tais teorias atestam a decadência dos movimentos classistas (como a luta operária) e a debilidade das organizações sindicais; louvam o surgimento de novas formas de sociabilidade ou de individualidade que têm por base a competência dos indivíduos na nova era da informática. Esta perspectiva uniformiza o mundo e decreta o fim das utopias: na nova era "pós-socialista", teríamos chegado ao termo das grandes utopias do século XIX, e, sendo assim, a realidade, agora, exigiria comportamentos mais contidos e direcionados para o aperfeiçoamento da individualidade.

Os movimentos camponeses que retomam o cenário social nas décadas de 1980 e 1990 parecem, no entanto, ressuscitar o sonho de conquistas coletivas, e talvez emprestar, mais uma vez, um sentido ao termo "utopia", desprezado pelos marxistas clássicos que não queriam ser confundidos com a inocência dos primeiros socialistas e retomado pelos revolucionários russos que se permitiam o direito de sonhar, e por Bloch (1), como possibilidade, conquista, perspectiva de transformação social. A utopia, sepultada pelas ditaduras stalinistas burocráticas, cujo sepultamento é hoje, tardiamente, comemorado pelo pensamento pós-moderno — que hipostasia o presente e que não pretende perscrutar a história e suas possibilidades de transformação — parece renascer a cada ocupação de terra.(2)

No caso do Brasil, os Sem-Terra problematizam o futuro do país com seus milhares de marginalizados, ou excluídos, oriundos do campo, vítimas de políticas agrárias e agrícolas que favorecem os latifundiários. Por outro lado, o seu movimento tem um passado cujas origens encontram-se no alvorecer do Brasil contemporâneo: nas lutas de Canudos, Contestado e, mais recentemente, nas Ligas Camponesas. Motivo pelo qual, ao tentar refletir sobre os Sem-Terra, sua origem e possibilidades históricas, envereda-se, neste texto, pela revisão desses movimentos. Tentar-se-á retraçar esta luta contemporânea pela terra, considerando-se, sobretudo, a perspectiva utópica de democratização da posse e uso da terra, tomando-se por fio condutor as esperanças formuladas por esses movimentos e pelos Sem-Terra para a efetivação da reforma agrária.

De Canudos às Ligas Camponesas: a luta pela terra

O movimento de Canudos tem sido exaustivamente examinado por diversos estudiosos, tanto no âmbito da História como no da Sociologia. A preocupação com seus aspectos ideológicos, religiosos, ou mesmo militares, por vezes, supera a preocupação específica de entender este e outros movimentos messiânicos que o Brasil contemporâneo conheceu como manifestações da luta pela terra e, consciente ou inconscientemente, da luta pela reforma agrária.

Não é o caso, aqui, neste breve artigo, de reconstituir historicamente tais movimentos, tarefa, aliás, já detalhadamente realizada por outros autores. Mas de lançar luz sobre este aspecto específico da disputa pela terra, em um país de dimensões continentais, onde, no entanto, a terra permanece concentrada nas mãos dos latifundiários.

No movimento de Canudos, destaca-se o papel de Antônio Conselheiro que, prevendo o retorno do rei D. Sebastião, organiza os camponeses na perspectiva milenarista, antecipando a inauguração de uma era de fartura para os pobres camponeses.

O discurso ideológico sintetizava a revolta contra as condições de vida da massa camponesa, o pagamento de impostos, a ausência de terra para plantar e a rejeição à República, entendida pelo beato como o demônio que destruía a vida do povo. O discurso messiânico contempla as aspirações de satisfação das necessidades imediatas dos camponeses e a perspectiva milenarista de promessa de um mundo futuro em que todos teriam assegurada a felicidade terrestre e foi capaz de mobilizar uma imensa quantidade de camponeses. Essa população pauperizada seguiu Conselheiro até a localidade de Canudos, onde se construiu uma cidade utópica em que a provisão material, a defesa militar, o culto religioso e a utilização coletiva da terra configuravam uma comunidade "socialista". O governo reagiu com violência a Canudos, organizando fortíssimas expedições militares que foram, na maioria das vezes, derrotadas, só pondo um ponto final à disputa quando conseguiu a destruição total da comunidade.

Como afirmam alguns autores clássicos, pode-se avaliar a impossibilidade efetiva daquele movimento de conseguir, naquele momento, uma vitória definitiva sobre as forças da ordem e, assim, afirmar uma alternativa coletivista de sobrevivência para as massas camponesas. As condições de desenvolvimento do país no fim do século, a afirmação da República enquanto forma de governo e o atraso secular do nordeste do país seriam motivos suficientes para se fundamentar a tese da imaturidade histórica do Brasil no momento em que ocorreu o movimento de Canudos. Tanto Canudos, pela religiosidade, quanto as Ligas Camponesas, pelas táticas de luta e a multiplicação de focos de conflito contra a ordem, assemelham-se ao movimento ocorrido na Alemanha no século XVII sob a liderança de Thomas Munzer. No entanto, não se pode fazer uma comparação linear entre os dois países, pois a estrutura social da Alemanha na transição do feudalismo para o capitalismo — quando se enfrentavam camponeses, burgueses e aristocracia feudal e quando os camponeses foram ferozmente combatidos pelo feudalismo — diferenciava-se bastante da estrutura social do Brasil na transição da Colônia para a República(3). Aqui, foram segmentos da própria burguesia nascente que estimularam o combate aos movimentos camponeses, vistos como um empecilho à produção rural baseada nos latifúndios. A luta de Canudos trazia, no seu bojo, uma utopia que se repetiria em outro movimento sebastianista do início do século: a Guerra de Contestado (1912-6).(4)

Além dos movimentos messiânicos, registra-se também o banditismo social no Nordeste, com o Cangaço (5), não obedecendo à lógica dos movimentos sociais camponeses, uma vez que se apresenta como um conglomerado de ações isoladas de grupos que lutaram de modo contraditório, ora aproximando-se da massa camponesa, ora aliando-se aos coronéis.

Registram-se vários movimentos camponeses, a partir de 1940, dentre os quais a luta dos posseiros de Governador Valadares (1955-64), a Revolta de Trombas e Formoso (1946-64) e a Revolta de Porecatu (1955-61), que apresentam um grau de politização superior aos vistos anteriormente. Nestes, a luta pela terra ganha nítidos contornos de luta pela reforma agrária e somam-se ao principal movimento do período que são as Ligas Camponesas.(6)

As primeiras Ligas, fundadas inicialmente em 1945, em Pernambuco, sob a chancela do Partido Comunista, têm existência legal entre 1945 e 1947 (7). Com pouca penetração no seio dos camponeses, estas Ligas foram extintas em 1947. As Ligas mais conhecidas datam de 1955 e originaram-se da criação da SAPP (Sociedade de Plantadores de Pernambuco) (8). Tal Sociedade, criada inicialmente com fins assistencialistas, rapidamente adquire um caráter político ao resistir ao proprietário do Engenho que, após a sua fundação, exige a sua extinção imediata. Contando com apoios na cidade do Recife e com a adesão entusiasta do deputado Francisco Julião, seu principal intelectual e dirigente a partir desta data, as Ligas tornam-se o movimento político camponês mais expressivo que o Brasil presenciou até aquela data. A sua expansão por todo o Nordeste, fruto da luta em Pernambuco contra o foro e pela desapropriação da fazenda Galiléia (onde elas se teriam originado) e os encontros e congressos de caráter regional e nacional conferem às Ligas, a partir de 1959, um caráter de organismo nacional.

Por outro lado, verifica-se uma evolução considerável nas lutas reivindicatórias. Inicialmente, as Ligas lutavam contra o foro (aluguel da terra pago aos proprietários) e o cambão (dias úteis de trabalho cedidos gratuitamente aos proprietários). Gradualmente, as Ligas incorporam a luta por assistência técnica e creditícia aos pequenos produtores rurais, que se amplia com a incorporação da bandeira da reforma agrária. Por fim, a partir de 1961, no I Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, as Ligas assumem abertamente a luta pela reforma agrária radical, o que implicava na utilização de métodos pacíficos e violentos, se necessário fosse, para conseguir do governo a partilha da terra. As disputas com o Partido Comunista, a partir de 1961, devido à radicalização das Ligas, implicou no descolamento das direções das Ligas das suas bases e no fortalecimento de uma outra alternativa sindical, centrada sobre os sindicalistas identificados com a Igreja Católica e o Partido Comunista, que desembocou na criação da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas), em 1964, que direcionou o movimento no campo para a sua institucionalização e que prevaleceu durante o período compreendido entre 1964 e 1980, até o surgimento do Movimento dos Sem-Terra.

Assim, as Ligas, que surgiram como um movimento assistencialista, em curto espaço de tempo, tomaram um rumo absolutamente novo, redirecionando o sindicalismo no país e não se submetendo à estrutura sindical oficial, ao não se registrarem no Ministério do Trabalho (para se criar uma Liga bastava o registro civil em cartório).

Livre das amarras do sindicalismo oficial do país, as Ligas impulsionaram a luta pela reforma agrária, através de práticas efetivas de ocupação e defesa das fazendas ocupadas por parte dos camponeses.

Do ponto de vista ideológico, as Ligas recuperam a utopia dos movimentos messiânicos, elaborando uma ideologia que era, ao mesmo tempo, mística e secular. Os vários escritos de Julião abordam essa nova fusão: de um lado, a crença no cristianismo primitivo, em que a justiça divina está presente; de outro, o Código Civil, decorrente da crença dos camponeses no cumprimento da lei e a ação revolucionária, baseada na interpretação que os seus intelectuais faziam do marxismo. A crença no Código Civil perde um pouco a sua confiabilidade e é substituída unicamente pela crença na luta direta dos camponeses: na pressão sobre o Congresso para aprovar uma lei de reforma agrária e no uso da violência como instrumento legítimo de promover a partilha da terra, formulada como "reforma agrária na lei ou na marra".

Vários autores, inclusive o autor deste texto, vêem, na radicalização das lideranças das Ligas combinada com a burocratização das suas instâncias decisórias, o motivo principal do seu enfraquecimento. No entanto, não se deve esquecer que a violência se abateu sobre o campo em conseqüência do golpe militar, o principal responsável pelo fim das Ligas Camponesas.

A semelhança entre as Ligas Camponesas e os movimentos milenaristas encontra-se não apenas na fé religiosa comum e na crença de conquistar a justiça na terra, mas também na materialização desta crença, através da ocupação de fazendas e, quiçá, da imposição da sua desapropriação (caso das Ligas) por parte dos camponeses. Talvez, por este motivo, violência de magnitude similar àquela que se abateu sobre Canudos e Contestado abateu-se sobre as Ligas, com lideranças camponesas torturadas, assassinadas ou banidas do país. Políticos golpistas alegaram, em discursos no Congresso Nacional, às vésperas do golpe militar, que as Ligas Camponesas e as tímidas medidas reformistas, tomadas pelo então presidente João Goulart, seriam o estopim da "revolução". (9)

Os motivos do golpe de Estado, já exaustivamente analisados pela literatura histórica e sociológica, não são objeto desta análise. Pretende-se apenas, neste contexto, assinalar o nível de exposão que a mobilização atingiu, a ponto de ser vista como perigosa para a ordem capitalista no país, compondo, ao lado das mobilizações operárias, o cenário "revolucionário" a que o golpe de Estado objetivou pôr um fim.

O período que se segue às Ligas Camponesas é marcado pela institucionalização do movimento sindical rural, com a criação da CONTAG e a sua subordinação ao aparelho de Estado, não sem registrar contradições e lutas internas (10). A luta pela reforma agrária só é retomada pela CONTAG em 1979, porém se explicita de modo mais agressivo no início da década de 1980.

A luta camponesa não subordinada ao Estado se desenvolve na década de 1970, sob os auspícios da Igreja Católica, através das Comissões Pastorais da Terra (CPT) (11), sobretudo na região Centro-Oeste. O movimento no campo mantém-se, neste período, com base nesta colaboração fundamental da Igreja, enquanto os sindicatos rurais são utilizados pelo governo como agências paraestatais.

Diversos escritos de Martins dão conta das formulações da Igreja acerca da terra, cujo registro fundamental são os conceitos de "terra de trabalho" e de "terra de exploração", que tratam da disparidade que a utilização da terra apresenta na realidade: a "terra de trabalho" pertence ao trabalhador do campo, o camponês, o parceiro, o posseiro, que a utilizam para dela extrair o seu sustento e o de sua família; a "terra de exploração", pertence ao latifundiário que dela se utiliza como reserva de valor, como terra de pasto etc., preocupado com o lucro e não com a sobrevivência dos que nela habitam. (12)

Via CPT, o fio que tece a luta pela reforma agrária é mantido. Segmentos da Igreja Católica, inspirados na teologia da libertação, unificam Marx e Cristo: a justiça divina, mediatizada pelo cristianismo, aproxima-se do marxismo que informa as formas de exploração sob o capitalismo. Esta mística marxista-cristã permite aos religiosos comprometidos com a reforma agrária pronunciarem-se em favor desta e interferirem na organização do movimento camponês, fomentando-o onde parecia extinto. O mesmo sonho de justiça, aqui na terra, que unificou os camponeses de então, em torno de Conselheiro, e que permitiu sua organização política sob as Ligas Camponesas, reativa a sua luta sob a égide das CPT.

O Movimento dos Sem-Terra : o renascimento da utopia

Na década de 1980, surge o Movimento dos Sem-Terra, com o apoio das CPT, do Partido dos Trabalhadores e da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Com o Plano Nacional de Reforma Agrária, em 1984, este movimento ganha projeção nacional, impulsionando a ocupação de terras previstas para serem desapropriadas, conseguindo forçar o governo a agilizar o assentamento de famílias acampadas. O Movimento dos Sem-Terra, a partir desta data, organiza-se em nível nacional, apresentando a seguinte estrutura:

coordenação nacional: composta por 65 membros, oriundos de 21 estados; direção nacional: coletivo composto de quinze membros; coordenações estaduais: 22 coordenações com até trinta integrantes; direções estaduais: coletivos com sete a dezesseis membros; direções regionais: compostas por dez membros; coordenações de acampamentos: formadas por até sete pessoas que organizam a ocupação. (13)

 

O movimento estima que possui atualmente cinco mil e duzentos militantes, que ocupariam 700 Km2. Porém, segundo a Folha de São Paulo, os assentamentos regulares perfariam apenas 72,5 Km2.

João Pedro Stedili, tido pela imprensa como o ideólogo do Movimento dos Sem-Terra, em artigo publicado pela revista Teoria e Debate (14), informa que o surgimento do MST, a nível nacional, deu-se em janeiro de 1984, com a realização de um primeiro congresso em Cascavel, no Paraná. No artigo citado, o líder situa:

    • os antecedentes históricos do MST, referindo-se às lutas de "Canudos, Contestado, Porecatu", às Ligas Camponesas e às experiências concretas de ocupação entre 1978 e 1984;
    • os militantes presentes naquele encontro, como sindicalistas, agentes da pastoral da terra e militantes do campo em geral;
    • os objetivos principais do Movimento, firmados no Encontro: "lutar pela terra, por uma reforma agrária ampla e por mudanças sociais. Em relação às lutas, o elemento principal que diferenciava de outras correntes reformistas que atuavam no campo era a compreensão de que apenas a ação de massas poderia trazer avanços e a conquista de nossos objetivos";(15)
    • as formas de luta, que deveriam compreender: "passeatas de protesto, ocupações de órgãos públicos, assembléias massivas, concentrações e, sobretudo, entendíamos que a ocupação dos latifúndios se revelava como a forma mais eficaz de pressionar os latifundiários, o governo e o aparato do Estado em geral". (16)

 

É o próprio Stedili que, ao avaliar o grau de mobilização do MST, afirma ter este atingido o seu auge durante o governo Sarney, quando várias desapropriações foram realizadas sob pressão do Movimento e este sofria com a perseguição ferrenha da UDR (União Democrática Ruralista), cujo braço armado assassinou muitos trabalhadores rurais (17). No período seguinte, com a posse de Collor, os Sem-Terra foram obrigados a recuar. Sendo a política de Collor nitidamente contrária à reforma agrária, não se registrou nenhuma desapropriação em seu governo. Durante o governo Itamar, o Movimento dos Sem-Terra retorna à cena social e, de modo moderado, novas desapropriações são realizadas. O encontro nacional, de dezembro de 1993, em Salvador, marca o retorno à radicalização.

A caracterização ideológica do MST só ocorrerá em 1989:

No 5° Encontro Nacional, realizado em 1989, o MST se autocaracterizou como um movimento de massas, com base social camponesa, mas não apenas de camponeses. Havia um caráter sindical, pois em certos aspectos a luta pela terra é corporativa e, portanto, sindical. E também um caráter popular, pois em nossas lutas envolvem-se todas as pessoas e não apenas uma categoria. Tínhamos objetivos e reivindicações típicas de um movimento popular, um caráter político, na medida em que lutávamos contra a classe dominante como um todo (latifúndios, banqueiros, burgueses em geral, proprietários de terra) e contra o Estado, por mudanças sociais. (18)

 

No trecho citado transparece a maturidade do movimento, utilizando-se da experiência das Ligas Camponesas que tentaram unificar trabalhadores do campo e da cidade contra o latifúndio; o MST se autodefine enquanto um movimento camponês que não pretende ser exclusivamente camponês, por isso amplia sua base social ao incorporar outros segmentos de trabalhadores. Para o MST, seriam Sem-Terra: assalariados que desejam mais do que os benefícios trabalhistas; parceiros, meeiros e arrendatários; bóia-frias; proprietários rurais com até 5 ha., e filhos de proprietários cujas famílias tenham até 30 ha. Por outro lado, o MST reconhece o seu aspecto sindical, na luta por uma reivindicação específica, "corporativa", mas nega-se a ser um sindicato; por fim, propõe-se a ser quase como uma frente antiburguesa na luta pela reforma agrária. Ao menos teoricamente, esta foi a pretensão das Ligas na sua fase de radicalização: ampliar suas bases e promover a mais ampla aliança com os demais trabalhadores. As Ligas fracassaram, não conseguiram atingir tal objetivo. O MST tenta reeditar esta tática e retirar o movimento camponês do isolamento ao qual está submetido, decorrente de uma certa omissão do sindicalismo urbano em relação aos trabalhadores rurais.

Na Folha de São Paulo, Stedili vai mais longe quanto aos objetivos do MST, verificando que o movimento avançou quanto à sua formulação:

No início, víamos a reforma agrária só como a conquista da terra. Hoje, achamos que é um caminho para criarmos um modelo de desenvolvimento que traga para o mercado consumidor amplas camadas marginalizadas. Só terra não adianta. Queremos educação no campo e a agroindústria. No início, tínhamos orgulho de dizer "nosso líder tem só o primário". Hoje temos vergonha de dizer isso e já colhemos frutos. Temos professores e até advogados assentados. (19)

 

A nova perspectiva do MST implica, dentre outras coisas, lutar pela reintegração ao campo da população marginalizada nas cidades, migrante forçada pela miséria e pela perda da terra. Aqui, novamente, a experiência das Ligas Camponesas é de fundamental importância, pois foram elas que defenderam a reforma agrária como um projeto de desenvolvimento. Naquela época, envolvidas pelo discurso modernizante, visavam integrar a massa camponesa ao mercado de consumo e viam na mesma o potencial para a ampliação do mercado interno e, conseqüentemente, a possibilidade de desenvolvimento nacional não-dependente dos países "imperialistas". O MST também propõe a integração, porém, supera os limites das Ligas Camponesas, não levando em consideração apenas as massas camponesas, mas vendo no campo a saída para a imensa massa de marginalizados, considerada como excluída pela literatura sociológica contemporânea. Pode-se mesmo arriscar a conclusão de que, na atual conjuntura do país, é apenas o MST o único a propor um rompimento radical com as metas propostas pela ideologia neoliberal, pois vê no campo a saída para a miséria crescente nas cidades, para os movimentos migratórios descontrolados, para a favelização da população de origem camponesa e mesmo aquela de origem urbana.

Do ponto de vista político, tais proposições atraem para si a adesão não apenas dos camponeses ou filhos destes, como também de parcela da população que não tem tradição rural. A Folha de São Paulo, noticiou, em 18 de março de 1996 (20), que um dos Sem-Terra, que continua preso em São Paulo, anteriormente era balconista, tendo sido capturado na sua primeira ocupação. O mesmo veículo informa que os filhos de assentados no Rio Grande do Sul são novos ocupantes, pois as terras conseguidas pelos pais são insuficientes para resolver os problemas de toda a família. Estas duas situações mostram a capacidade dos Sem-Terra de multiplicar ações pela reforma agrária e abrem novas perspectivas para a população marginalizada que habita as grandes cidades.

Stedili, no artigo citado, referindo-se ao Congresso dos Sem-Terra, em 1993, acrescenta aos objetivos anteriores: a formação de quadros, visando fomentar a mobilização das "massas"; a massificação das lutas, ou seja, o retorno às grandes mobilizações do MST no passado, no sentido de transformar a questão da terra numa questão política assumida por todos os trabalhadores; e, por fim, organizar a produção nos assentamentos já conquistados. Com relação a estes, Stedili assim se expressa:

temos uma linha política clara. Propostas pontuais para o desenvolvimento da produção e do meio rural. Queremos estimular todas as formas de cooperação agrícola. Queremos desenvolver tecnologias adequadas à nossa realidade, que representam um aumento da produtividade do trabalho e da riqueza gerada nos assentamentos. Queremos implantar agroindústrias, cooperativas que permitam maior valor agregado e, no geral, representem maior renda. (21)

 

Talvez aí resida uma das principais contradições do MST, pois, ao mesmo tempo em que se propõe a fazer o movimento, o que implicaria em envolver as massas em luta, em ações políticas de risco, pretende ser o gestor dos resultados desta luta. Pode-se afirmar que, em alguma medida, o MST pretende, em certo sentido, configurar-se enquanto um microgoverno, que após a vitória busca organizar os assentamentos e dar-lhes condições econômicas para que possam competir com as grandes unidades produtivas, e, assim, comprovar a possibilidade de realização das suas teses. Para o movimento, isto significa a necessidade de implantar departamentos burocráticos, envolvendo técnicos, agrônomos, assessores etc.; de estabelecer relações com o mercado financeiro, na busca de financiamentos para seus projetos, enfim, de enredar-se numa teia de relações que o aprisionará à ordem contestada.

A combinação da ação política visando ampliar as áreas de reforma agrária com a utilização de mecanismos que assegurem a produtividade dos camponeses já assentados configura-se no lema "Ocupar, resistir, produzir. A Reforma agrária é uma luta de todos". Para negociar novos assentamentos com o governo, o MST pressiona-o utilizando-se da tática: ocupação/negociação/desocupação, evitando o enfrentamento com a polícia ou os fazendeiros. Segundo Alonso, jornalista da Folha de São Paulo:

embora tenha uma crônica passada de ações radicais, procura atualmente conciliar suas posições de esquerda com o quadro institucional do país. Tende a evitar situações de confrontos armados e usa a tática do ocupa-desocupa: famílias tomam uma fazenda, a polícia chega, o grupo se retira. Em seguida a área é reocupada. (22)

 

Esta tática tem encontrado resistências nos movimentos dissidentes que surgiram em várias partes do país. Na Bahia, organizou-se o MLT (Movimento de Luta pela Terra), que atua no sul do Estado e conta, entre seus dirigentes, com membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). No Triângulo Mineiro, surgiu o MDST (Movimento Democrático dos Sem-Terra). Além destes dois movimentos, surgiram outros: alguns compostos por ex-membros do MST, como o de Corumbiara, e movimentos espontâneos e autônomos de ocupação que ocorrem em várias regiões do país. Os movimentos organizados fora do MST adotaram o lema "ocupar, resistir, defender", sugerindo, portanto, o enfrentamento com as forças da ordem, para manter a ocupação. A diferenciação do MST em relação aos demais movimentos poderia, segundo a Folha de São Paulo, trazer vantagens para os primeiros, pois

A entidade, na realidade, vê com bons olhos o fato de ser classificada, pelo jargão dos dissidentes como "um grupo que endireitou e faz o jogo com governo". Dirigentes acreditam que essa situação tende a consolidar o MST como o interlocutor privilegiado nas disputas de terra. (23)

 

No entanto, a multiplicidade de ocupações no país, em 1995, mostrou para o MST, que este não possui o monopólio destas e que a sua tática precisava ser revista. Segundo suas próprias estimativas, existiriam no país, em setembro de 1995, 198 acampamentos, sendo que, sob sua responsabilidade, estariam apenas 89, totalizando 31,4 mil famílias; outras 10,9 mil não estariam na sua órbita de influência.

A tática do MST sofre mudanças significativas em julho de 1995, quando, em reunião nacional, resolveu-se retomar o ritmo das ocupações para fazer frente aos grupos dissidentes. O Pontal de Paranapanema, em São Paulo, tornou-se o principal palco desta nova situação, como se verá em seguida.

O ascenso do movimento: o Pontal de Paranapanema (São Paulo)

Abaixo, no quadro sinóptico baseado em dados da Folha de São Paulo, registra-se a progressão das ocupações de terra na região do Pontal de Paranapanema, em que se pode ver a freqüência com que se dá a ocupação de várias fazendas da região e o seu auge, atingido no mês de outubro de 1995.

Tabela I - Ocupações no Pontal de Paranapanema

1° abril

Ocupação das fazendas Haroldina, Arco Iris e Rancho 4 (Mirante de Paranapanema);

18 de abril

Os Sem-Terra deixam Arco Íris, retornam no dia 26;

21 de julho

Grupo dissidente do MST ocupa área da Fepasa (Mirante de Paranapanema);

26 de agosto

Três mil Sem-Terra ocupam três fazendas em Mirante Santa Cruz, Washington Luiz e Flor Rosa e desocupam-nas por ordem judicial no dia 30 (Mirante do Paranapanema);

2 de outubro

Os Sem-Terra voltam a ocupar Washington Luís;

7 de outubro

Quinhentos Sem-Terra invadem fazenda São Domingos (fora do Mirante do Paranapanema);

28 de outubro

Os Sem-Terra voltam a invadir São Domingos e, ao mesmo tempo, invadem a usina Taquaraçu;

11 de novembro

Rodeio, em Martinópolis (fora do Mirante do Paranapanema).

Fonte: Folha de São Paulo, 02 nov. 1995, p.1-9 e 11 nov. 1995, p. 1-14.

A área em que incidem as ocupações, no Pontal de Paranapanema, foi escolhida por ser área devoluta, de propriedade do Estado desde 1850. A partir daquele ano, até 1958, todas as operações de compra e venda são consideradas ilegais. Porém, durante todo este período, verificaram-se transações de compra e venda de terras nesta área, e, só a partir de 1958, o Estado resolve apurar a validade dos títulos de propriedade. Na situação atual, estariam em litígio novecentos mil ha, e destes, 315 mil ainda precisariam entrar em discussão na justiça, 180 mil, o governo já entrou com ações para determinar se são públicas ou não e 150 mil já tiveram títulos legitimados por outros governos. No entanto, a justiça decidira considerar como área pública apenas 66 mil ha. E o governo de Mário Covas, com sua decisão de considerar como legítimo apenas áreas de menos de 100 ha, teria conduzido os proprietários a parcelar muitas de suas fazendas em lotes de menos de 100 ha.

A retomada das ocupações na área do Pontal de Paranapanema teve como resultado imediato:

  1. ampliação da notoriedade do movimento, chamando a atenção da imprensa para alguns de seus líderes, como é o caso de José Rainha. Considerado como o principal responsável pelo incentivo às ocupações, este líder já teve prisão preventiva decretada por juizes do interior, em duas oportunidades, sem no entanto ter sido aprisionado, mantendo-se na clandestinidade;
  2. a emergência de novas lideranças, como é o caso de Diolinda Alves de Souza, mulher de José Rainha, aprisionada duas vezes (em outubro de 1995 e em janeiro de 1996), e de mais dois outros Sem-Terra. A justiça do interior de São Paulo, ao aprisionar Diolinda, tinha como objetivo prender o próprio José Rainha, forçando a sua apresentação à justiça, o que não se concretizou. Em contrapartida, Diolinda tornou-se uma líder conhecida nacionalmente, que conta com o apoio dos movimentos de defesa dos direitos humanos, a nível nacional e internacional que denunciaram as prisões, considerando-as políticas;
  3. o estabelecimento de negociações entre o MST e o governo de São Paulo, visando a regularização da situação das famílias acampadas. Temendo a repercussão das ocupações, o governo prometeu assentar pelo menos 2.100 famílias até 1996;
  4. a reorganização dos latifundiários na região, que prometem defender com armas as suas terras; pois para estes proprietários o litígio das terras seria absolutamente ultrapassado, localizado no século XIX, não havendo mais motivo para o questionamento da legalidade das propriedades. O líder dos fazendeiros chegou a declarar que "já que o velocípede do Estado não anda, é preciso defender as propriedades. Você imagina um ônibus cheio de gente armada? É claro que vai aumentar a tensão". (24)

 

Em função das tensões acima descritas, o governo de São Paulo consegue negociar com latifundiários da região a promessa de reintegrar ao patrimônio do Estado pelo menos 30% das terras em litígio, enquanto negocia com os Sem-Terra o assentamento de 2.100 famílias acampadas. No dia 31 de dezembro de 1995, por meio de liminar judicial, o governo se apossou de cinco mil ha. de terra, perfazendo 30% do total de terras de dez fazendas na região e noticiou que havia assentado 1.050 famílias, dado questionado até pela grande imprensa que aponta irregularidade na distribuição das famílias na área. Além disso, as condições precárias dos assentamentos e a disposição dos latifundiários em recorrer à justiça para reaver as terras perdidas mantêm a área sob tensão.

As promessas não cumpridas integralmente pelo governo de São Paulo; as reviravoltas da política fundiária do governo federal, que trocou de superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) por duas vezes em 1995 e as tensões permanentes entre os Sem-Terra e o ministro da Agricultura, grande proprietário rural, contribuíram para o Movimento dos Sem-Terra manter as ocupações, que só foram arrefecidas pelas prisões citadas anteriormente.

Em sua última reunião nacional, os Sem-Terra decidiram que a tática de ocupação seria mantida, para forçar o governo a apressar as desapropriações. Acresce-se a isto o fato de que grupos radicais que exigem a realização imediata da reforma agrária parecem obrigar o Movimento dos Sem-Terra a ultrapassar os limites da sua organização. Logo, permanece a contradição entre a organização burocrática do movimento e a necessidade de manter a tática de ocupação, inclusive para não perder a liderança dos trabalhadores rurais.

A multiplicação das ações, por parte do Movimento, e a sua radicalização aproxima-o das Ligas Camponesas na sua última fase. Porém, na mobilização atual, a radicalização aparece como a posição que aproxima, de fato, as lideranças das suas bases, inclusive forçando o Movimento a renovar-se.

Para responder aos novos desafios, o MST propõe-se a ampliar suas alianças, estando previstas marchas sobre as cidades, que contarão com a participação de várias categorias de trabalhadores e seus respectivos sindicatos.

O massacre de Corumbiara

A expulsão, por ordem da justiça, de seiscentas famílias acampadas na fazenda Santa Elina, em Rondônia, resultou no que a imprensa chamou "o massacre de Corumbiara". A fazenda Santa Elina, situada no município de Corumbiara, a 800 Km de Porto Velho, encontra-se em uma área passível de desapropriação pela justiça, pois, aí, concentram-se propriedades improdutivas. Na região na qual estão situadas, as propriedades foram adquiridas nas décadas de 1970 e 1980, a preço simbólico, por conta do plano de colonização do governo federal, encontrando-se parcialmente abandonadas pelos seus proprietários. A ocupação desta fazenda, em julho de 1995, levou o seu proprietário a entrar na justiça, exigindo a reintegração de posse, o que conseguiu. Após tentar expulsar as famílias por meio de intimidações e agressões policiais, sem o conseguir, na madrugada do dia 9 de agosto, um regimento com 187 policiais (25), fortemente armados, atacou o acampamento, matando, segundo informações oficiais, dez posseiros. Diante do desencontro entre as informações da grande imprensa, pode-se presumir que o número de mortos deva ser superior ao divulgado oficialmente, ainda mais que os Sem-Terra denunciaram a existência de mais trinta desaparecidos. (26)

A violência da ação policial é descrita pelo líder Claudemir Ramos:

Nós estávamos dormindo. Eles atacaram com um monte de gases. Eu estava dormindo; quando acordei os tiros vinham do lado deles. ... muitos Sem-Terra foram assassinados de curta distância. Teve até uma menina de 9 anos que eles mataram e pelo que a gente viu depois eu e outros companheiros, eles fizeram ela se ajoelhar e depois mataram. (27)

 

A grande imprensa noticiou fartamente a fuga dos Sem-Terra para a mata em torno do acampamento, a perseguição dos policiais e, sobretudo, a violência com que trataram os camponeses, mesmo depois de rendê-los (fato confirmado por Claudemir Ramos).

A execução dos Sem-Terra, denunciada por lideranças que conseguiram sobreviver ao massacre e confirmada pelas entidades defensoras dos direitos humanos que visitaram o estado de Rondônia, reativou o debate sobre a violência no campo e sobre a responsabilidade de entidades, como o MST, na promoção de ocupações no país. A grande imprensa noticiou que, desde o momento em que ocorreu a ocupação da fazenda Santa Elina, o MST teria divulgado posição contrária a esta ação:

Não apoiaremos porque estaremos ferindo as linhas políticas do Movimento e porque não é uma organização de classe que assume a ação e sim pessoas que não temos clareza de seus objetivos. (28)

 

Ao que tudo indica, a ausência de apoio explícito das direções regional e nacional do MST à ocupação, teria deixado os Sem-Terra à sua própria sorte, permitindo que a polícia agisse de modo violento ao cumprir mandato judicial. O massacre dos camponeses põe em questão a direção do MST, a direção do Partido dos Trabalhadores (que tem apoiado publicamente os Sem-Terra, porém participava do governo do Partido do Movimento Democrático Brasileiro local), o caráter das alianças estabelecidas pelo MST com diferentes grupos da sociedade civil (alianças que não foram agilizadas para defender a vida dos posseiros); e o inter-relacionamento dos diversos grupos que hoje lutam pela reforma agrária, mas que não foram capazes de superar divergências quanto aos métodos de luta para unificar-se em torno da defesa da vida dos acampados).

Esta luta atual pela reforma agrária ressente-se da ausência de uma forte aliança de segmentos rurais e urbanos que possa erguer um dique contra a violência dos patrões (grandes proprietários de terra) e do aparelho de Estado. Acrescenta-se a esta fragilidade, em termos de alianças consolidadas no âmbito da sociedade civil, o rumo oscilante do MST, que se tem enredado, recentemente, em um processo de institucionalização ou, como prefere a imprensa, de "urbanização".

Observações finais

A esperança utópica pela reforma agrária renova-se no Brasil com o atual Movimento dos Sem-Terra que, a exemplo das Ligas Camponesas e mesmo dos movimentos messiânicas que o precederam, enquanto organismo que contesta as estruturas envelhecidas do sindicalismo rural representadas, sobretudo, pela CONTAG, mantém-se autônomo e independente, rejeitando vínculos partidários (mesmo com o Partido dos Trabalhadores), ou religiosos (apesar da origem religiosa de vários dos seus dirigentes, forjados nas Comissões Pastorais da Terra). A autonomia do MST torna-o um movimento representativo da imensa massa de excluídos do campo e até mesmo das favelas urbanas, que desejam terra para trabalhar. Passados dez anos da sua formação, enquanto movimento nacional, o MST enfrenta problemas quanto à tática a ser mantida: privilegiar a ocupação e o enfrentamento para forçar a negociação ou ocupar mas não enfrentar, para facilitar a mediação com o governo? Por outro lado, a opção pela gestão dos assentamentos auxiliando o governo na manutenção destes tem criado insatisfação e áreas de atrito, ao mesmo tempo que traz para dentro do MST uma grande tensão, em conseqüência da tentativa de conciliar a luta pela ocupação com a burocratização das ações quotidianas que visam dar sustentação aos assentamentos. O surgimento de vários MST, na base do movimento, divergentes da direção nacional, põe a questão da renovação do grupo original e até mesmo da revisão das suas táticas de luta adotadas para fazer outros grupos. O atual ascenso da luta pela reforma agrária depende da emergência destes novos grupos, da convivência dos mesmos com a estrutura anterior do MST e da ampliação das alianças deste movimento com os trabalhadores urbanos.

Notas

1. Cf. Furter, P. Dialética da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

2. A descrença no pensamento utópico, na verdade, não é tão recente como aparece nas obras que criticam o socialismo após 1989. Ao contrário, Furter mostra que o pensamento utópico foi desacreditado no período entre as duas guerras mundiais, particularmente pelo neofascismo e pela ideologia do American way of life. Cf. Idem, ibid.

3. Na Alemanha, a transição para a sociedade capitalista contou com uma burguesia tímida e uma aristocracia decadente, o que suscitou uma aliança entre interesses díspares. Teoricamente, o movimento camponês poderia acelerar o desenvolvimento capitalista; no entanto, a hegemonia política da aristocracia e a fragilidade política da burguesia impediam esta última de apoiar a revolta camponesa e, sobretudo, a sua radicalização. Cf.: Engels, F. As guerras camponesas na Alemanha. São Paulo: Grijalbo, 1977.

4. Cf. Vinhas de Queiroz, M. Messianismo e conflito social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

5. É comum, tanto ao cangaço como aos movimentos camponeses, a origem camponesa dos seus integrantes e a privação da terra. A história individual de vários líderes do cangaço, inclusive a de Lampião, registra na origem da adesão a este tipo de banditismo social a perda de familiares e da terra, o mesmo se observando na história de vida de Conselheiro e de outros líderes messiânicos. Logo, a privação da terra é um elemento comum aos camponeses rebelados que se batem, consciente ou inconscientemente, contra a estrutura social e se organizam de modo místico ou secular. Veja-se Facó, R. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

6. Sobre as Ligas Camponesas, veja-se CÂMARA, A. Hegemonia e crise social no nordeste do Brasil (1955-1964). Brasília, 1978. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de Brasília. Encontramos estudos muito significativos sobre as Ligas, tais como: Camargo, A. Brésil-Nord Est: mouvement paysan et crise populiste. Paris, 1973. Tese (Doutorado); Azevedo, F. A. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; Bastos, É. R. As Ligas Camponesas. São Paulo: Vozes, 1984; Aued, B. W. A vitória dos vencidos: Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Ligas Camponesas (1955-64). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1986.

7. Cf. Moraes, C. S. Las Ligas Campesinas de Brasil. (Mimeogr.).

8. Cf. Julião, F. Que são as Ligas Camponesas? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.

9. Mesmo uma liderança expressiva, como Francisco Julião, entendia o golpe de Estado enquanto uma contra-revolução que se erguia, principalmente contra a mobilização camponesa. Cf. Discursos de Francisco Julião, 31 mar. 1964. Diário do Congresso, Brasília, 1° abr. 1964.

10. Entre 1965 e 1968, a CONTAG foi dirigida por integrantes da ala conservadora da Igreja e por interventores. Somente em 1968, José Francisco da Silva consegue se eleger e modificar, parcialmente, a relação entre a Confederação e o Estado.

11. As Comissões Pastorais da Terra (CPT) — surgidas na década de 1970, por iniciativa de setores progressistas da Igreja Católica, no Centro Oeste e no Norte — marcam uma mudança radical na posição da Igreja Católica quanto à luta pela reforma agrária; pois, todo um segmento da Igreja passa a defender e apoiar as lutas dos posseiros no país. O atual Movimento dos Sem-Terra deve, em muito, às CPT a sua origem.

12. Cf. Martins, J. S. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec, 1982.

13. Cf. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1995. p.1-12.

14. Stedili, J. P. O MST e a luta pela terra. Teoria e Debate, n.24, p.51-3, 1994.

15. Idem, ibid.

16. Idem, ibid.

17. Com o resultado das eleições de 1989, Ronaldo Caiado desmoraliza-se e a UDR (União Democrática Ruralista) entra em decadência. Atualmente, é uma entidade extinta.

18. STEDILI, op. cit., p.51-3.

19. Cf. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 nov. 1995. p.1-6.

20. Cf. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 mar. 1996. p.1-12.

21. STEDILI, op. cit., p.55.

22. Alonso, G. Sem-Terra fogem a controle de entidade ligada ao PT e radicalizam as invasões. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1995. p.1-12.

23. Idem, ibid.

24. Cf. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 out. 1995. p.1-13.

25. Cf. Causa Operária, São Paulo, 28 ago. 1995. p.11-2.

26. Veja, 6 set. 1996. p.38-41. A revista, após pesquisa de dez dias, concluiu que teriam dez mortos, 125 feridos, 355 presos, 120 interrogados e 74 indiciados por desobediência à ordem. Já a Folha de São Paulo relaciona onze mortos, considerando dois como membros da própria polícia; mas em várias outras matérias dá conta de pelo menos 25 desaparecidos. Cf. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 ago. 1996. p.1-11.

27. Cf. Causa Operária, São Paulo, 28 ago. 1995. p.11.

28. Cf. Causa Operária, São Paulo, 17 ago. 1995. p.7.

* Antônio Câmara é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia.