O que haveria de positivo no neoliberalismo?
Por Antônio Inácio Andrioli
(Jornal Correio da cidadania – ano 1999 ed. 168) (http://www.correiocidadania.com.br/ed168/economia2.htm)
O neoliberalismo tem sido o centro de vários debates na atualidade. Como já é possível ao povo brasileiro discutir idéias sem ser preso e torturado por isso, diferente de anos atrás, muitas pessoas tiveram acesso a discussões sobre esse tema e puderam tirar daí suas conclusões. Em conseqüência disso, e não do senso comum, a sociedade brasileira construiu uma forte rejeição a essa postura teórica que comanda as práticas políticas de FHC e seus aliados. Cientes da ojeriza que o termo provocou, os liberais reagiram e afirmam que "não são neoliberais, que são liberais clássicos" e que "neoliberalismo é invenção da esquerda para acabar com eles". Mesmo que fosse invenção, eles reconhecem que teria funcionado, pois, assim como nos países capitalistas centrais, a ideologia neoliberal vem perdendo espaço também nos países pobres como o Brasil.
Além do ataque contra a esquerda, como que responsabilizando os outros pelo seu próprio fracasso, alguns liberais têm se manifestado através de artigos na imprensa, afirmando que as pessoas "de forma pobre e maniqueísta culpam o neoliberalismo e o FMI pela miséria brasileira". Ora, será que a culpa seria do PT, da CUT, do MST, da intelectualidade e do povo brasileiro? Em quem colocar a culpa de algo que foi construído unilateralmente por uns que agora não assumem a responsabilidade pelo que fizeram e, ainda, tentam descaracterizar o debate que já não podem mais impedir, como no período da ditadura militar?
O neoliberalismo não constitui um corpo teórico à parte da tradição liberal, mas tende a radicalizar alguns aspectos do liberalismo que os liberais anteriores mantinham com um pouco de receio. Ou seja, podemos afirmar que o neoliberalismo é o retrocesso ou a "ala direita" do liberalismo, sendo concretizado em orientações de governo e a disseminação de valores em torno do mito do "Estado-mínimo". A partir da década de 70 e da crise do Estado Social (Welfare State), o capitalismo sofreu um enorme desgaste e, com a incorporação de tecnologia aumentando a crise de superprodução, houve uma gradativa redução na taxa de lucros e no crescimento econômico. Como solução ao problema, foram trazidas idéias de economistas como Friedrich Hayek e Milton Friedmann, reforçando o ideal da competitividade no livre mercado e a retirada da influência do Estado sobre a economia.
No entanto, o que verificamos é que, com o acento no livre mercado, houve uma diminuição do crescimento econômico (de 4% na década de 60 para uma estagnação em 1% na década de 90), a desigualdade entre países ricos e pobres cresceu 110 vezes (desde a 2ª. Guerra Mundial até a década de 90), o desemprego aumentou no mundo inteiro e a miserabilidade da população é crescente, principalmente nos países pobres. Nos países do chamado "1º. Mundo", ocorreu o abandono das políticas neoliberais iniciadas por Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher na Inglaterra e lá já houve até uma revisão do famoso Consenso de Washington. Além disso, o Estado diminuiu somente no que se refere às políticas sociais, já que em termos de aparato coercitivo (a exemplo da OTAN) e incentivo às corporações com dinheiro (a exemplo do caso da Ford no Brasil) ele só tem aumentado. Os próprios liberais falam de um aumento do Estado nas últimas décadas e podemos acrescentar que ele está sendo máximo para o capital e mínimo para os trabalhadores. O próprio Milton Friedmann tem afirmado que "a mão invisível do mercado só funciona tendo um punho visível", o que evidencia como a crítica liberal ao Estado é apenas parcial, havendo o reconhecimento de que o mercado não se regula a si mesmo e que, para esse funcionar, há a necessidade do aparato de coerção e legitimação estatal (manutenção da função original do Estado burguês).
Mas, se nem a crítica ao Estado, rotulado como ineficiente e paternalista pelos liberais, permanece, o que poderia restar ainda em defesa do neoliberalismo? O que se percebe é uma vangloriação em torno de algumas conquistas históricas do liberalismo do período da Revolução Francesa, como a "valorização da iniciativa pessoal" e os "direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à prosperidade". Podemos admitir que o reconhecimento da liberdade do indivíduo (conforme John Locke) e a utilização da razão como meio de conhecimento e conduta, ao invés da fé, foram importantes para a superação da Idade Média, o feudalismo e a opressão exercida pela Igreja sobre os indivíduos. Mas, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, revolucionários para a época, foram utilizados para a legitimação da propriedade privada, do mercado e da acumulação capitalista no decorrer da história, não servindo mais como possibilidade de emancipação humana.
É evidente que a situação social não é simplesmente decorrente do neoliberalismo, mas é inerente ao capitalismo. O liberalismo só vem a legitimar o "modo de dominação" capitalista e o neoliberalismo é sua versão mais exagerada. Afinal, se o problema central da economia capitalista é a concentração, e se a solução dada como valorização da iniciativa pessoal (ou "meritocracia") só tende a aumentar a concentração, será que o neoliberalismo está isento da culpa de ter agravado o capitalismo?