"As políticas de financiamento geradas pelos organismos internacionais para a educação na América Latina" (25/04/2002)
(mesa redonda)
Objetivo
: Debater a concepção, a implementação e a avaliação das políticas emanadas pelos organismos internacionais como FMI, Banco Mundial, OMC e BID, com a conivência dos Estados nacionais. Avaliar suas conseqüências na realidade educacional desses países.
Participantes: Pablo Gentili (UERJ), Roberto Leher (presidente da ANDES), Marília Fonseca (UnB), Fernando Rodal (Confederação dos Educadores Americanos)
SÍNTESE
(elaborada por Laerte M. Santos)
- INTERVENÇÃO DE ROBERTO LEHER (presidente da ANDES):
Por que o Banco Mundial conduz a política educacional dos países do terceiro mundo, por que ele se transformou no ministério mundial da educação e não a UNESCO (órgão da ONU)?
Para entender precisamos da história:
- O Banco Mundial nasce após a 2ª guerra mundial juntamente com o FMI
- Ambas as organizações surgiram em Breton Woods. Primeiro o FMI e depois o Banco Mundial
- O FMI nasceu com três orientações:
1ª) reconstruir sobretudo a Europa. Era o momento da guerra fria. Neste contexto a União Soviética saiu fortalecida. O medo do comunismo impulsionou este esforço.
2ª) Assegura o livre mercado: possibilidade de hegemonia do capitalismo
3ª) Assegurar mercado para a economia norte americana. Isto possibilitou a expansão da economia norte americana. O dinheiro foi para a Europa mas com o compromisso de comprar produtos dos EUA.
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Observação : Este fato já nos revela que organismos internacionais como o FMI não estão acima dos Estados. Estão vinculados aos interesses de países do 1º mundo mas principalmente dos Estados Unidos.
Se nos órgãos da ONU cada representante significa um voto, em organizações como o FMI e o Banco Mundial a forma de votação é diferente: há um acordo entre os países controladores destas organizações para garantir um presidente norte americano para o Banco Mundial e um presidente do FMI indicado pela União Européia.
A vinculação destas organizações com os Estados do 1º mundo, principalmente com os EUA, fica evidenciada no caso da crise argentina. O socorro ou não a Argentina através do FMI é discutido no Departamento de Estado Norte-americano.
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- Sendo necessária uma reconstrução da Europa de forma mais rápida entra o Plano Marshall que alocou 30% da capacidade econômica dos EUA.
- A partir dos anos 50 o Banco Mundial começa a se voltar para os países periféricos. Por quê?
- Novamente a explicação está no contexto da guerra fria. Neste contexto acontece a emancipação, a descolonização de muitos países periféricos (na Ásia, África, etc..). As organizações internacionais como o FMI e o BM, com receio da influência comunista, tentam atrair estes países para o chamado "mundo livre", ou seja, o mundo do mercado livre. Atuam então de maneira mais sistemática.
- A partir da década de 60: quem paga os funcionários da UNESCO, seus projetos e pesquisas é o Banco Mundial. Se é ele que paga logo vai interferir na natureza dos projetos e pesquisas.
- Se era o BM que financiava não tinha porque aceitar a influência que países periféricos tinham na UNESCO desde meados da década de 50. Nesta década muitos países periféricos incluindo também países socialistas como a União Soviética começaram a participar deste órgão da ONU. Isto não agradava ao Departamento de Estado Norte americano que avaliava a ação da UNESCO como esquerdista, socializante. Mas na verdade não era. Expressava apenas outras alternativas para a educação tendo como objetivo a solidariedade, a emancipação. Ou seja objetivos influenciados por todo este contexto de descolonização e emancipação de países periféricos principalmente da Ásia e África.
- Final dos anos 70: o Banco Mundial financia a criação de escolas técnicas em vários países periféricos. A educação se vincula à profissionalização. Mas a sua atuação estava ainda bastante vinculada à UNESCO. Interferia sim mas não tinha ainda a supremacia.
- Anos 90: supremacia do Banco Mundial a partir da chegada da direita ao poder: nos EUA com Ronald Reagan e na Inglaterra com Margareth Tatcher.. Começa a pressão sobre a UNESCO. Ou ela mudava ou os EUA e seus apoiadores como a Inglaterra se retirariam. O desfecho é a saída dos Estados Unidos e da Inglaterra Com esta saída a UNESCO perde 40% dos seus recursos. Perde poder político, se transforma em um "morto-vivo".
O Banco Mundial vai ter então uma hegemonia de forma consolidada sobre a condução da política Educacional dos países periféricos a partir da década de 90 mas já se inicia a partir da década de 80.
O QUE O BANCO MUNDIAL PROPÕE A PARTIR DAS DÉCADAS DE 80 E 90 QUANDO SE TRANSFORMA EFETIVAMENTE EM MINISTÉRIO MUNDIAL DA EDUCAÇÃO?
- O Banco Mundial avalia que o período de desenvolvimento tecnológico autônomo dos países periféricos tinha passado. Terminou o sonho da autonomia. Não há mais possibilidade de desenvolvimento autônomo pois isto requer desenvolvimento do mercado interno. O mundo é outro. A economia está globalizada. É o mercado mundial que impera. A título de exemplo: em países da África o peso de produtos industrializados durante a política de substituição de importações correspondia a 16% do PIB. Hoje, com a política do Banco Mundial, não chega a 0,5%.
- Ou seja, iniciou-se o que podemos chamar de "recolonização dos países periféricos." Produtos com maior agregação de conhecimento seriam agora controlados pelos países do 1º mundo. Hoje das 3 milhões de patentes somente 1% são de países periféricos. Das 400 mil patentes estratégicas 0% estão nos países periféricos, ou seja, nenhuma.
- Então não há mais sentido no desenvolvimento do conhecimento para o qual as disciplinas de formação geral são importantes. Exemplo: pelos acordos do governo brasileiro com o Banco Mundial todas as disciplinas de formação geral foram retiradas dos cursos técnicos do CEFET Paraná. Temos hoje uma situação em que muitos professores estão sem aula. São professores de disciplinas de formação geral: matemática, física, etc...
- A política do Banco Mundial está vinculada à renegociação da dívida externa. O socorro do FMI só vem com o seu aval. Ou seja, o projeto privatista do Banco no campo da educação se consolida por conta disto. A implementação da ALCA traria no seu bojo a vinda de grandes empresas privadas atuantes no campo da Educação. Já antes da ALCA vemos faculdades privadas brasileiras se associarem a grandes empresas estrangeiras com negócios vinculados ao setor educacional.
COMO DEVE SER A NOSSA LUTA, RESISTÊNCIA? A nossa luta contra a política do Banco Mundial deve ter um caráter internacional. Neste momento devemos travar uma luta contra a implantação da ALCA que é uma ameaça à nossa emancipação e uma ameaça à educação.
B) INTERVENÇÃO DE PABLO GENTILI:
A educação a partir da década de 90 piorou. Este diagnóstico é reconhecido pelo Banco Mundial mas este não reconhece que a situação se agravou por causa justamente de sua política. E continuará a se agravar já que os remédios propostos levam a uma maior destruição do sistema educacional dos países periféricos.
Quais são os problemas da educação na América Latina segundo o Banco Mundial?
- Problemas de rendimento e produtividade
+ A questão educacional para o Banco tem um caráter técnico. A solução é maior rendimento e produtividade. Como realizar isto se o financiamento às propostas de educação do Banco Mundial está vinculado à renegociação da dívida externa?
- Hoje o Brasil usa 1/4 dos seus gastos para o pagamento dos encargos financeiros da dívida externa.
- Já na saúde: somente 6%, menos de 1/3 do que FHC paga de juros.
- Gastos com as Universidades: corresponde apenas a 2% dos gastos da União. 13 vezes menos do que se gasta com os pagamentos dos juros da dívida externa.
- Política Agrária: 0.3% dos gastos do governo.
- Desigualdade Educacional
- O Banco Mundial diagnostica corretamente uma desigualdade educacional nos países periféricos. Mas como garantir maior igualdade em meio a uma pobreza que aumenta por causa de políticas econômicas implementadas com o aval do Banco Mundial?
- Hoje há 220 milhões de pobres no mundo com 80 milhões de pessoas vivendo com apenas 1 dólar por dia. A desigualdade é mais acentuada na América Latina. No Brasil 25% da população vivem com menos de 80 reais por mês. No caso do Maranhão esta percentagem é de 63%.
- Se o sistema social é dividido, se ele segrega, o sistema educacional também é dividido, é segregador. Se a desigualdade social se acentua, a desigualdade educacional também. Os que se saem melhor nos vestibulares são aqueles que têm condições econômicas melhores.
- As políticas econômicas avalizadas pelo Banco Mundial acentuam a desigualdade social e por conseqüência a desigualdade educacional.
- Desconexão com as demandas do mercado de trabalho:
- Esta avaliação não corresponde à realidade. O ritmo de ajuste, de mudanças no mercado é mais rápido do que na educação. O desemprego está aumentando entre aqueles de maior escolaridade. Isto também por conta das políticas avalizadas pelo Banco Mundial como flexibilização das leis trabalhistas, etc...
- Segundo o Dieese em São Paulo 20% da população economicamente ativa está desempregada.
- Necessidade de política de incentivos mais eficazes para incentivar a concorrência.
- Isto significa jogar mais gasolina na fogueira. Isto significa maior incentivo para os mais produtivos, ou seja, os que estão em melhor situação econômica. Então, mais dinheiro para os "gênios" (observação: referência aos alunos que conquistam os primeiros lugares em vestibulares. Todos eles com boas condições econômicas e sociais) e menos para os pobres.
- A rede privada de ensino é a mais favorecida com este sistema segregador. Mais do que nunca a educação se tornou uma mercadoria. Por exemplo a rede de Educação Pitágoras consegue movimentar perto de 4 bilhões de reais por ano.
O QUE FAZER:
- Devemos radicalizar o discurso. Devemos fortalecer nossos compromissos com a igualdade, com a política emancipatória.
C) INTERVENÇÃO DE MARILIA FONSECA (UnB):
- o Banco Mundial não é apenas uma agência educacional mas principalmente sujeito de uma nova ordem internacional marcada pela globalização e neoliberalismo. Hoje é o grande interlocutor no mundo globalizado. Tem um grande poder.
- POR QUE? Porque é um aglutinador de informações sobre a situação econômica, social e política das nações periféricas. A política anterior de financiamento a estrutura econômica como saúde, energia, etc.... facilitou no acúmulo de informações. Até intelectuais de esquerda recorrem às suas informações. O Site do Banco Mundial é o maior site do mundo em informação virtual.
- Tem a preocupação de conter o avanço acelerado da pobreza dos países periféricos pois isto traria conseqüências prejudiciais aos países do 1º mundo. Isto explica os seus projetos mais caracterizados por preocupação econômica do que educacional.
- O mito do financiamento: O Banco Mundial empresta muito pouco para a educação propriamente dita. Além disto tal empréstimo colabora para aumentar a dívida externa.
- Um tema caro ao BM que é a equidade fica mais em nível de retórica. A sua política real significa mais discriminação e pouca inclusão.
- As políticas do BM ficam esclarecidas através dos documentos sigilosos que passam pela burocracia governamental dos países periféricos e cuja reprodução é proibida. Há cores para cada tipo de documento. Para o alto escalão da burocracia o documento é de capa branca. Neste nível ele é reelaborado e enviado para os escalões inferiores onde passa a ter outra cor (amarela - "yellow cover", cinza, etc...) e mantendo o sigilo. Até chegar ao domínio público. Neste nível não há mais referências ao Banco Mundial. Fica a impressão para os desavisados que se trata de políticas exclusivamente nacionais.
- Porque as negociações do governo de países periféricos como o Brasil se realizam tão facilmente? Prestígio para a burocracia, dinheiro adicional em meio a uma carência e pobreza enormes.
- Políticas educacionais do Banco Mundial para o Brasil:
- Anos 80: ênfase educacional no ensino fundamental
- Final dos anos 90:
- diminui a ênfase no ensino fundamental depois de 15 anos.
- Dá importância a meios não formais como ensino a distância. O professor no contexto da política do Banco Mundial é um insumo e um dos menos importantes)
- A educação deve estar voltada para o mercado. Mas dentro da realidade de um mercado segmentado: o Banco avalia que o setor moderno do mercado de trabalho está decrescendo ao contrário do tradicional (informal, sem proteção trabalhista) que está em crescimento. A maioria ficará no mercado tradicional. E deve ser assim segundo o Banco. Não há lugar para todos. A educação deve privilegiar o mercado tradicional. (observação: só sabemos desta intenção através dos documentos sigilosos acima citados)
- Por isso se o mercado é segmentado a política educacional também deve ser. Um nível de ensino não deve preparar para o outro.
- Modelo gerencial de gestão: a intenção é suprimir mais ainda a autonomia das escolas. Qual o modelo de diretor eficiente: aquele que é capaz de conseguir mais recursos dentro das diretrizes impostas pelo banco.
- Julga as leis brasileiras para a criação de escolas rígidas demais. É necessário mais campo para a escola privada.
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4º CONED (4º Congressso Nacional de Educação) - 23 a 26 de abril de 2002
EDUCAÇÃO, DEMOCRACIA E QUALIDADE SOCIAL
"Garantir direitos, verbas públicas e vida digna: uma outra educação é possível"
Organização: Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (*várias entidades)