Campinas, Sábado 13 de Janeiro de 2001
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termometro.jpg (11688 bytes)
01.jpg (41791 bytes)O tempo parou

Alexandre Matias

"Nunca havia percebido como o tempo passa rápido/ As pessoas vêm, as estações vão/ Mas temos algo que nunca envelhecerá", a voz ao mesmo tempo frágil e vigorosa de Neil Young canta na faixa-título de seu novo álbum, Silver and Gold (Reprise, importado), "eu não me importo se o sol não brilhar/ E se a chuva continuar a me molhar/ Pois nosso amor nunca envelhece", volta a enfatizar a referência na idade cronológica, "é melhor do que ouro e prata".

Assim é o próprio Neil Young. Se recusa a envelhecer porque nunca se ateve a parâmetros cronológicos. Quando apareceu, nos anos 60, no Buffalo Springfield e mais tarde no supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young, ajudou a música acústica e sem acompanhamento se estabelecer em plena era dos grupos de rock. Nos anos 70, dividiu-se entre o folk tradicional e o country rock, descobrindo aos poucos a eficácia da guitarra elétrica e principalmente do volume alto, trilhando um caminho elétrico impensável para a música folk, aclamando o punk quando este estava em seu auge e servindo de base para parte da música alternativa dos anos 80 e 90, sendo emulado por bandas como Flaming Lips, Built to Spill, Mercury Rev, Sebadoh e toda a onda grunge (o Pearl Jam veio gravar mais tarde um disco inteiro ao lado do mestre).

Mas Silver and Gold é daqueles discos que não têm idade. Várias vezes durante a carreira, o velho canadense parou e observou as pessoas comuns, apenas tocando seu violãozinho e gemendo suas melodias sobre o amor, a estrada, a morte e o tempo. Em discos como Harvest, Comes a Time, Everybody Knows This is Nowhere, Unplugged e Harvest Moon, Young perambulava tranqüilo por canções acústicas de natureza primitiva e popular. Acompanhado discretamente pela guitarra pedal steel de Ben Keith, o baixo de Donald "Duck" Dunn, o teclado de Spooner Oldham e as baterias de Jim Keltner e Oscar Butterworth, Young olha para o tempo como se tentasse desvendar o sol, apertando os olhos e a voz para apenas descrever o que vê.

"Eu não me importo se o sol não brilhar" - canta em Silver and Gold. Mas o sol brilha por todo o disco, seja na tarde ensolarada em Buffalo Springfield Again, seja se pondo em Red Sun, seja iluminando a ponto de poeira a que compara o amor em Horseshoe Man. É ele quem determina os dias e as noites, as estações e a vida agrária, o frio da noite e o calor do meio-dia. Mas não age, apenas observa. Como faz Neil Young.

"Eu sou a mala no corredor/ O batente da porta/ Estou te observando aí embaixo/ Me sinto como se soubesse para que vivo", conta na abertura do disco, a bela e aconchegante Good to See You Again, "estive numa estrada sem fim/ (...) Agora volto pra você/ E me sinto como se fizesse as pazes para recuperar o tempo perdido". A estrada é outro tema recorrente no disco (e na carreira de Neil), mas Silver and Gold canta o retorno ao lar: "Ganhei a vida como uma pedra que rola (rolling stone)/ Na estrada, não há lugar como a sua casa", chora em Razor Love. "Espero por um sinal/ De pé na estrada/ Minha mente estica-se pra ti", conforma-se em Without Rings.

A volta para a casa não é só física. Observando o tempo, Neil saúda os velhos companheiros de sua primeira banda em Buffalo Springfield Again: "Tocava em uma banda de rock'n'roll/ Que acabou/ Éramos jovens e selvagens/ E ela nos comeu/ Eu não estou dizendo quem estava certo ou errado/ Num grande e verde campo/ Garotos e garotas brincam no sol da tarde/ A vida é uma alegria/ Eu ouço uma velha canção no rádio/ Queria ver aqueles caras de novo/ E dar mais uma chance/ Talvez agora poderíamos mostrar ao mundo o que tínhamos/ Mas eu só queria tocar pela diversão que era".

Em Distant Camera, ele se pega observando um álbum de fotografias: "O flash de uma câmera distante/ Reunindo pensamentos e ações/ Fragmentos de nossos sonhos perdidos/ Pedaços daqui e dali/ Encaixam-se e desaparecem entre eu e você", cantarola, "A vida muda onde quer que vamos/ Coisas novas e velhas desaparecem/ Como se a vida fosse uma fotografia/ Sumindo no espelho". Pára de pensar no passado e explica-se ao explicar que "tudo que quero é uma canção de amor/ Para cantar pra ti".

E o amor, aos poucos, torna-se um dos principais pontos do disco. A delicada Horseshoe Man canta o sentimento de forma simples e tocante. "Dois amantes há tempos/ Fizeram uma promessa (...)/ Abraçaram a chance, mas como saberiam sobre o amor?". Mais à frente, assume: "Amor/ Eu não sei sobre o amor" e tenta entender, "o amor não se importa se você está certo ou errado/ O amor não se importa se você é branco ou negro/ O amor não procura perfeição/ O amor é a pergunta, o amor é a resposta". Canta-o de forma dura em Razor Love ("Eu acreditei em ti/ Amor-lâmina que corta limpo) e amarga em Without Rings ("Eu sei que você pode voar/ Pois estou aqui no chão sem você"). E o encontra nos momentos mais simples, como em Daddy Went Walking. "Meu velho pai saiu dia desses/ Tirando mato do caminho/ (...) Calça de veludo e velha camisa xadrez/ O pai saiu pra sentir a terra/ Se sujou um pouco, mas tudo bem/ (...) Botas de couro marrom e o velho chapéu de palha/ Cortando madeira no velho galpão/ Se sujou um pouco, mas tudo bem (...)/ A mãe esperava no alto do monte/ Os dois riam das histórias que contavam/ Quando ele a tomar nos braços de novo/ Serão amantes com o tempo em suas mãos"

Novamente, o tempo. Como Time Out of Mind, o último grande disco de Bob Dylan, Young volta-se para o tempo desprovendo-o de cronologia, tirando a mágica que faz com que achamos que ele passa por nós. Na verdade, o tempo não existe, é só uma ilusão que nos prendemos para verificar que a experiência que acumulamos na vida. Neil Young não - pra ele, faz tempo que o tempo parou.