Campinas, Sábado 13 de Janeiro de 2001
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termometro.jpg (11688 bytes)
01.jpg (41791 bytes)Tá na boa

Em seu primeiro disco solo, ‘Carteira Nacional de Apaixonado’, o gaúcho Frank Jorge prova que é possível ser romântico sem perder a classe

Alexandre Matias

Culpem Frank Jorge. Ele é o responsável pela atual efervescência do pop gaúcho neste ano 2000, tornando Porto Alegre uma espécie de Recife dos anos 00. Lançando seu primeiro disco solo, Carteira Nacional de Apaixonado (Barulhinho, consiga seu disco pelo telefone 051-286-3475 ou pelo email branco@portoweb.com.br), o compositor se firma como patriarca de uma geração que canta o amor com cores de Jovem Guarda, numa espécie de antídoto à ironia nociva dos anos 90. Mais do que isso - Frank Jorge consegue fazer que um disco romântico com tempero latino (descrição que abrange de Zezé di Camargo e Luciano a Ricky Martin), um dos melhores discos brasileiros do ano.

Caçula na geração que viu nomes como Replicantes, DeFalla, TNT e Engenheiros do Hawaii ganharem espaço para o Rio Grande do Sul na mídia rio-paulistana, Frank Jorge deu seus primeiros passos musicais no hoje lendário Cascavellettes, grupo que ainda contava com Nei Van Sória e Júpiter Maçã na formação. No cardápio, letras chulas e rock’n’roll no talo, criando uma espécie de New York Dolls à gaúcha cujas demos (hoje CD-Rs trocados clandestinamente) eram bem mais legal que seu resultado em disco (que deu ao mundo o hit pornô Nega Bombom, da novela Top Model). Logo depois juntou-se ao pesquisador musical Marcelo Birck dando origem à principal banda gaúcha dos anos 90, a Graforréia Xilarmônica. Birck saiu para montar o bizarro Aristóteles de Ananias Jr. e Jorge continuou com a Graforréia, desenvolvendo também trabalhos em paralelo (com a carreira folk ao lado de Plato Dvorak, da banda psicodélica Lovecraft, como Frank & Plato, e o trio country Cowboys Espirituais, ao lado de Marcelo Petracco - ex-TNT - e Júlio Reny, do Expresso Oriente). A banda fechou as portas oficialmente este ano e Jorge se viu finalmente frente à sua inevitável carreira solo.

Em Carteira Nacional de Apaixonado, o compositor desfila a influência maior de seu grande ídolo, Roberto Carlos. Como Roberto em tempos áureos, Frank canta o amor e suas relação com um cotidiano ainda adolescente, perdido entre o princípio de seriedade madura e o ocaso da felicidade juvenil. Aproveita para flertar com a música eletrônica e com a música cubana, falando em diferentes línguas a mesma coisa - não dá pra viver sem amar.

Gi.B.I. abre o disco enigmática, uma vinheta meio trip hop que Frank deu ao produtor Iuri Freiberger de presente para brincar. Serei Mais Feliz (Vou Largar a Jovem Guarda) abre o disco com pegada mod e andamento merseybeat, enquanto Jorge confessa que o sucesso só não veio ainda pois está preso à melancolia do espírito da Jovem Guarda. Confessa em tom de ironia, fingindo que vai aceitar a realidade imposta por pitacos alheios. "Vou ouvir mais conselhos sobre enriquecer/ Vou seguir novas regras, melhor vou viver", finge conformar-se, antes de ironizar um lamento pela perda de tempo que teve até então. "Vou lançar meu disco e serei mais feliz/ Depois vou ficar tão triste, você vai sorrir". O ápice da ironia em relação ao tema vem quando ele revela que largará "a Jovem Guarda por todo o País", antes de afirmar abandonar "a Jovem Guarda, a bossa nova, o rock’n’roll, o drum’n’bass".

Pelo disco ele segue cantando sobre seus verdadeiros ideais de vida, tão próximos a si mesmo quanto a própria Jovem Guarda. O repertório encerra um rosário de pérolas que podem funcionar como metas para a vida - simples, objetivas, sinceras: "Tudo que eu sonhar, espero concretizar com o tempo" (Sensores Unilaterais), "Uma vida bacana realizável era tudo que eu queria ter" (O Prendedor), "Saiba que o belo da vida ainda está para nascer" (Nunca Diga), "Não recebo em dólar o que a vida tem para me dar/ Mas eu pago bastante, pago pra não me incomodar" (Não Recebo em Dólar), "Não passo de um amador, em busca da vida perfeita/ Pelo menos estou tão distante da truculência executiva de um yuppie" (Homem de Neanderthal).

Por todo o disco, ele se rende ao rock à italiana que se infiltrou no imaginário musical brasileiro com a Jovem Guarda, transformando-se naquilo que conhecemos por música brega. Carteira Nacional de Apaixonado é um disco brega e romântico, mas tem uma classe que o distingue dos outros. Seja nos trompetes Burt Bacharach que surgem no meio de Não Recebo em Dólar, ao calipso quente que invade Bela, nas camadas sonoras escondidas em Esperando a Saudade, na rumba deliciosa que descreve didaticamente o sentimento de perda em Saudades de Você. Mesmo as mais tradicionais (Homem de Neanderthal, Nunca Diga, O Prendedor, Cabelos Cor de Jambo, Tá na Boa) recebem um tratamento sofisticado, como os Beatles em Rubber Soul, Elvis na gravações da Sun ou Roberto Carlos no final dos anos 60. Mas tal aprimoramento sonoro não o torna distante de seu público-alvo - todo o álbum é radiofônico, de primeira linha.

Frank Jorge canta para os corações solitários, que ainda sofrem por amor em meio às descobertas científicas e maravilhas tecnológicas. Falando abertamente sobre sentimentos simples e sem segundas intenções, ele reflete sobre a própria vida, equiparando dúvidas existenciais comuns a canções de natureza pop. "Porque todos os soldados que desertaram/ Certamente queriam fazer/ Aquilo que o jovem normalmente faz com essa idade/ Livre por completo de tantas obrigações", canta o homem que já cantou "seja em Memphis ou em Liverpool/ Cachoeiro do Itapemirim/ Eu fico olhando pra esse céu azul/ E perguntando o que será de mim". Canta com gosto e verdade, longe das gracinhas que caracterizaram os anos 90. Como ele mesmo diz, "um pouco de talento não faz mal a ninguém". Yeah, yeah, yeah...

Os gaúchos estão vindo!

Safra de bandas do Rio Grande do Sul fazem do estado a grande aposta do pop para 2001

O pop gaúcho vive uma ebulição como há muito não se via no cenário musical brasileiro. Porto Alegre, que começou a década com a fama de rock esquisito e cheio de gracinhas, aos poucos galvaniza uma reputação baseada no pop rock perfeito, entre o rock carioca dos anos 80 e a Jovem Guarda. O principal nome desta nova geração é a trupe do Bidê ou Balde, um misto de Blitz com Rentals cujo disco de estréia - Se Sexo é o que Interessa, Só o Rock é Sobre Amor - já foi lançado no Rio Grande do Sul pelo selo Antídoto e deve chegar ao resto do Brasil no primeiro mês de 2001, pela gravadora Abril.

O selo Antídoto já vem sendo distribuído pela gravadora paulista, mas ainda sem um grande destaque. Entre os nomes já lançados no mercado nacional estão os veteranos Maria do Relento (pop brega), Tequila Baby (punk) e Acústicos & Valvulados (rockabilly). A mesma Abril ainda conta com os ótimos Vídeo Hits, no elenco. Liderado por Diego Medina (que no começo da década emplacou o hit Epilético nas rádios porto-alegrenses com o pseudônimo de Doiseu Mimdoisema), o grupo já está com disco gravado, com participações de Gerson King Combo e Ronnie Von. Os Irmãos Rocha (a terceira banda a tirar seu nome de um personagem da Corrida Maluca) seguem a linha pop perfeito sem medo de ser feliz.

O Tom Bloch surge como o nome mais sofisticado da nova safra, fazendo trip hop com pop deslavado, sem vergonha de fundir Weezer com David Bowie e sotaque de rock anos 80 - contam ainda com um Veríssimo (Pedro, neto de Luís Fernando) nos vocais. Os Winstons fazem uma linha mais deprimida, enquanto os Superphones apostam na linha Radiohead. Correndo por fora, os Walverdes apostam na linha peso e melodia, descendente do grunge.

Dos veteranos, além de Frank Jorge, Marcelo Birck se lança em carreira solo com um esquizofrênico disco homônimo, ao mesmo tempo em que engata seu lado mais pop com a Jovem Guarda d’Os Atonais. O funk metal do Ultramen assumiu seu lado Tim Maia e já está com disco novo gravado, seguido pelo Groove James, que também aposta no funk. Sem falar nas cenas de rap e punk, prontas para explodir. Ou seja, se o futuro a Deus pertence, 2001 é dos gaúchos. Se preparem.