Em seu primeiro
disco solo, Carteira Nacional de Apaixonado, o gaúcho Frank Jorge prova que
é possível ser romântico sem perder a classe
Alexandre Matias
Culpem Frank Jorge. Ele é o responsável pela atual efervescência do
pop gaúcho neste ano 2000, tornando Porto Alegre uma espécie de Recife dos anos 00.
Lançando seu primeiro disco solo, Carteira Nacional de Apaixonado (Barulhinho,
consiga seu disco pelo telefone 051-286-3475 ou pelo email branco@portoweb.com.br), o
compositor se firma como patriarca de uma geração que canta o amor com cores de Jovem
Guarda, numa espécie de antídoto à ironia nociva dos anos 90. Mais do que isso - Frank
Jorge consegue fazer que um disco romântico com tempero latino (descrição que abrange
de Zezé di Camargo e Luciano a Ricky Martin), um dos melhores discos brasileiros do ano.
Caçula na geração que viu nomes como Replicantes, DeFalla, TNT e
Engenheiros do Hawaii ganharem espaço para o Rio Grande do Sul na mídia rio-paulistana,
Frank Jorge deu seus primeiros passos musicais no hoje lendário Cascavellettes, grupo que
ainda contava com Nei Van Sória e Júpiter Maçã na formação. No cardápio, letras
chulas e rocknroll no talo, criando uma espécie de New York Dolls à gaúcha
cujas demos (hoje CD-Rs trocados clandestinamente) eram bem mais legal que seu resultado
em disco (que deu ao mundo o hit pornô Nega Bombom, da novela Top Model).
Logo depois juntou-se ao pesquisador musical Marcelo Birck dando origem à principal banda
gaúcha dos anos 90, a Graforréia Xilarmônica. Birck saiu para montar o bizarro
Aristóteles de Ananias Jr. e Jorge continuou com a Graforréia, desenvolvendo também
trabalhos em paralelo (com a carreira folk ao lado de Plato Dvorak, da banda psicodélica
Lovecraft, como Frank & Plato, e o trio country Cowboys Espirituais, ao lado de
Marcelo Petracco - ex-TNT - e Júlio Reny, do Expresso Oriente). A banda fechou as portas
oficialmente este ano e Jorge se viu finalmente frente à sua inevitável carreira solo.
Em Carteira Nacional de Apaixonado, o compositor desfila a
influência maior de seu grande ídolo, Roberto Carlos. Como Roberto em tempos áureos,
Frank canta o amor e suas relação com um cotidiano ainda adolescente, perdido entre o
princípio de seriedade madura e o ocaso da felicidade juvenil. Aproveita para flertar com
a música eletrônica e com a música cubana, falando em diferentes línguas a mesma coisa
- não dá pra viver sem amar.
Gi.B.I. abre o disco enigmática, uma vinheta meio trip hop que
Frank deu ao produtor Iuri Freiberger de presente para brincar. Serei Mais Feliz (Vou
Largar a Jovem Guarda) abre o disco com pegada mod e andamento merseybeat, enquanto
Jorge confessa que o sucesso só não veio ainda pois está preso à melancolia do
espírito da Jovem Guarda. Confessa em tom de ironia, fingindo que vai aceitar a realidade
imposta por pitacos alheios. "Vou ouvir mais conselhos sobre enriquecer/ Vou seguir
novas regras, melhor vou viver", finge conformar-se, antes de ironizar um lamento
pela perda de tempo que teve até então. "Vou lançar meu disco e serei mais feliz/
Depois vou ficar tão triste, você vai sorrir". O ápice da ironia em relação ao
tema vem quando ele revela que largará "a Jovem Guarda por todo o País", antes
de afirmar abandonar "a Jovem Guarda, a bossa nova, o rocknroll, o
drumnbass".
Pelo disco ele segue cantando sobre seus verdadeiros ideais de vida,
tão próximos a si mesmo quanto a própria Jovem Guarda. O repertório encerra um
rosário de pérolas que podem funcionar como metas para a vida - simples, objetivas,
sinceras: "Tudo que eu sonhar, espero concretizar com o tempo" (Sensores
Unilaterais), "Uma vida bacana realizável era tudo que eu queria ter" (O
Prendedor), "Saiba que o belo da vida ainda está para nascer" (Nunca
Diga), "Não recebo em dólar o que a vida tem para me dar/ Mas eu pago bastante,
pago pra não me incomodar" (Não Recebo em Dólar), "Não passo de um
amador, em busca da vida perfeita/ Pelo menos estou tão distante da truculência
executiva de um yuppie" (Homem de Neanderthal).
Por todo o disco, ele se rende ao rock à italiana que se infiltrou no
imaginário musical brasileiro com a Jovem Guarda, transformando-se naquilo que conhecemos
por música brega. Carteira Nacional de Apaixonado é um disco brega e romântico,
mas tem uma classe que o distingue dos outros. Seja nos trompetes Burt Bacharach que
surgem no meio de Não Recebo em Dólar, ao calipso quente que invade Bela,
nas camadas sonoras escondidas em Esperando a Saudade, na rumba deliciosa que
descreve didaticamente o sentimento de perda em Saudades de Você. Mesmo as mais
tradicionais (Homem de Neanderthal, Nunca Diga, O Prendedor, Cabelos
Cor de Jambo, Tá na Boa) recebem um tratamento sofisticado, como os Beatles em
Rubber Soul, Elvis na gravações da Sun ou Roberto Carlos no final dos anos 60.
Mas tal aprimoramento sonoro não o torna distante de seu público-alvo - todo o álbum é
radiofônico, de primeira linha.
Frank Jorge canta para os corações solitários, que ainda sofrem por
amor em meio às descobertas científicas e maravilhas tecnológicas. Falando abertamente
sobre sentimentos simples e sem segundas intenções, ele reflete sobre a própria vida,
equiparando dúvidas existenciais comuns a canções de natureza pop. "Porque todos
os soldados que desertaram/ Certamente queriam fazer/ Aquilo que o jovem normalmente faz
com essa idade/ Livre por completo de tantas obrigações", canta o homem que já
cantou "seja em Memphis ou em Liverpool/ Cachoeiro do Itapemirim/ Eu fico olhando pra
esse céu azul/ E perguntando o que será de mim". Canta com gosto e verdade, longe
das gracinhas que caracterizaram os anos 90. Como ele mesmo diz, "um pouco de talento
não faz mal a ninguém". Yeah, yeah, yeah...
Safra de bandas do Rio Grande do
Sul fazem do estado a grande aposta do pop para 2001
O pop gaúcho vive uma ebulição como há muito não se via no
cenário musical brasileiro. Porto Alegre, que começou a década com a fama de rock
esquisito e cheio de gracinhas, aos poucos galvaniza uma reputação baseada no pop rock
perfeito, entre o rock carioca dos anos 80 e a Jovem Guarda. O principal nome desta nova
geração é a trupe do Bidê ou Balde, um misto de Blitz com Rentals cujo disco de
estréia - Se Sexo é o que Interessa, Só o Rock é Sobre Amor - já foi lançado
no Rio Grande do Sul pelo selo Antídoto e deve chegar ao resto do Brasil no primeiro mês
de 2001, pela gravadora Abril.
O selo Antídoto já vem sendo distribuído pela gravadora paulista,
mas ainda sem um grande destaque. Entre os nomes já lançados no mercado nacional estão
os veteranos Maria do Relento (pop brega), Tequila Baby (punk) e Acústicos &
Valvulados (rockabilly). A mesma Abril ainda conta com os ótimos Vídeo Hits, no elenco.
Liderado por Diego Medina (que no começo da década emplacou o hit Epilético nas
rádios porto-alegrenses com o pseudônimo de Doiseu Mimdoisema), o grupo já está com
disco gravado, com participações de Gerson King Combo e Ronnie Von. Os Irmãos Rocha (a
terceira banda a tirar seu nome de um personagem da Corrida Maluca) seguem a linha pop
perfeito sem medo de ser feliz.
O Tom Bloch surge como o nome mais sofisticado da nova safra, fazendo
trip hop com pop deslavado, sem vergonha de fundir Weezer com David Bowie e sotaque de
rock anos 80 - contam ainda com um Veríssimo (Pedro, neto de Luís Fernando) nos vocais.
Os Winstons fazem uma linha mais deprimida, enquanto os Superphones apostam na linha
Radiohead. Correndo por fora, os Walverdes apostam na linha peso e melodia, descendente do
grunge.
Dos veteranos, além de Frank Jorge, Marcelo Birck se lança em
carreira solo com um esquizofrênico disco homônimo, ao mesmo tempo em que engata seu
lado mais pop com a Jovem Guarda dOs Atonais. O funk metal do Ultramen assumiu seu
lado Tim Maia e já está com disco novo gravado, seguido pelo Groove James, que também
aposta no funk. Sem falar nas cenas de rap e punk, prontas para explodir. Ou seja, se o
futuro a Deus pertence, 2001 é dos gaúchos. Se preparem.