Alexandre Matias
Do meio para o final dos anos 80, uma onda de dance music varreu a
Inglaterra ao lado de dois fortes aliados - o rock clássico e o funk da década anterior.
Com a cidade de Manchester como capital desta nova era - batizada com epítetos diferentes
como indie dance, acid house e o segundo verão do amor -, nascia uma nova tradição
musical inglesa, a mais importante desde o punk. Fez com que toda uma geração mundial de
roqueiros crescesse atenta à música eletrônica e sem nenhum pudor quanto a dançar
dance music em público. A festa começou pelos idos de 88, mas só foi sacramentada com o
terceiro álbum do grupo escocês Primal Scream, Screamadelica, de 1991, que não apenas
registrou as melhores facetas desta cena em disco como antecipou o alto astral paranóico
que dominaria o década que começava.
Era o início da era rave e aos poucos aquele novo conceito de festa -
uma área verde ao ar livre com várias tendas de diferentes estilos musicais onde DJs
revezam-se nas carrapetas e as únicas palavras de ordem da noite são tolerância e
diversão - se difundia pelo mundo. A primeira metade da década viu a consolidação do
novo comportamento acontecer em toda a Europa, o que fez com que vários DJs atingissem o
status de popstar sem ter nunca composto uma canção. A partir destes surgiram os
primeiros grupos de techno que formaram a geração de 1996, quando o conceito de música
eletrônica foi vendido ao mercado norte-americano (como electronica). Veio o
referido ano e toda aquela geração que nasceu na era da acid house passava a mandar no
mundo pop.
Norman Cook era um deles. Ex-baixista do grupo Housemartins (que
emplacou um semi-hit - Built - nos anos 80), ele logo se bandeou para a pista de dança,
primeiro flertando com o nome de Beats International e depois com seu novo alter ego -
Fatboy Slim. Com este nomezinho esquisito (traduzindo mal e porcamente é algo como
"Gordo Magro") e uma inegável habilidade para transformar qualquer música num
monstro feito para dançar, ele foi aos poucos construindo uma senhora reputação.
Primeiro reciclou The Who, citou Michael Jackson e saudou a bateria eletrônica 303 com um
dos melhores discos solo de música eletrônica da década passada, Better Living Through
Chemistry. Com seu segundo álbum - Youve Come a Long Way, Baby -, ganhou status de
DJ internacional, vivendo la vida loca do jet-set no showbusiness.
Camisa havaiana e sorriso estampado no rosto, Cook resolveu curtir a
maior festa de sua vida - e logo era homenageado como o primeiro DJ superstar em escala
mundial. Não estava nem aí para superexposição e queria mais era trabalhar e ganhar
dinheiro. Transformou seu apelido numa grife de renome e lançou discos mixes,
compilações, remixou artistas bregas e colou pelo menos dois megahits no imaginário
mundial - The Rockafella Skank (você sabe - "Right about now/ The funk soul brother/
Check it out now/ The funk soul brother") e Praise You. A fórmula era simples:
pedaços de música repetidos insistentemente com aquele balanço black recriado em
seqüenciadores e samplers e - mais importante, em seu trabalho - com um vocal, que
normalmente canta a frase-refrão de seus hits.
Ao lado dos DJs Paul Oakenfold, Grooverider, Carl Cox e de Noel
Gallagher, do Oasis, Norman Cook foi um dos poucos artistas procedentes daquela geração
do final dos anos 80 que ainda estava na ativa quando os melhores frutos daquele plantio
haviam sido colhidos. Com o detalhe que, ao contrário de Oakie, Cox e Grooverider, Fatboy
Slim é um nome de respeito "e" pop, reconhecido em qualquer lugar que vá. E
diferente de Noel Gallagher, que era roadie dos indie dance Inspiral Carpets, não
precisou largar a música eletrônica para garantir seu lugar ao sol.
Mas os anos estão passando e aquela festa está chegando ao fim. As
regras estão mudando, o mercado está oscilando entre o oco e o improvável, o gosto do
público aos poucos vem saturando. Consciente dos tempos, Cook faz de seu terceiro álbum
- Halfway Between the Gutter and the Stars (Sony) - o adeus para esta geração. O ritmo
da festa está bem mais leve, embora igualmente malemolente. Mas o clima é melancólico
(vide o vocal ressurrecto de Jim Morrison, usado em Bird of Prey) e mesmo nas excelentes
participações de Macy Gray (que rouba a cena nas duas faixas que canta - Love Life e
Demons) é possível observar uma ponta de reticência. Que não chega a estragar a festa
- mas avisa que o final já está chegando. O sol já está nascendo, dá pra ver.