Alexandre Matias
"Entre a lei de Murphy e a teoria do caos", berra o rapper BNegão pela
metade de A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (Sony), o novo disco do Planet Hemp. O
espectro é amplo demais e o grupo não cobre a área da sentença que abre o texto. O
buraco é mais embaixo e eles sabem disso. De nada adianta os clichês de dominação
mundial que o grupo entoa subliminarmente em seu terceiro álbum, mas a idéia não é
exatamente essa.
O que o Planet Hemp quer quando transforma sua volta em uma brigada de rebelião contra
o mundo careta é apenas irritar os caretas. E fazem do jeito certo - falam como o morro
fala, das coisas que a periferia fala, mas com uma especial e pouco sutil ironia forte o
suficiente para fazer seus inimigos morderem-se de raiva e fazer quem tem um pingo de
respeito pela vida ficar do lado deles. Por baixo de seu feroz ataque rap (outro um passo
à frente do segundo disco), o grupo dá nome aos bois e mira na instituição policial
("Servir pra quem? Proteger de quê?") e todas as autoridades que podem dispor
desta ferramenta.
Mas onde a "ex-quadrilha da fumaça" acerta é ao abrasileirar do melhor
jeito o tema. O encarte de Marcello Graú acompanha um camelô que procura plástico para
colocar em sua barraca - uma história sem história, mas rica de imagens que descrevem
uma estética de comportamento que só existe no Brasil. O grupo descreve um país
paralelo, informal, que teima pra sobreviver como se houvesse um prêmio no final - sua
lógica, seu discurso, seu sistema de valores, sua moral. Só que a clareza de pensamento
dada pelo hip hop e a raiva verbal ensinada pelo hardcore fazem com que o Planet Hemp
torne-se arauto, teórico da revolução e assessor de imprensa de uma maioria que ainda
não se reconheceu, um poder coletivo que a ditadura fez questão dizimar com doses
cavalares de televisão emburrecedora e colonialismo chinfrim. "Andar na linha, pra
mim, é o inverso do que é pra você" - finalmente chegamos a alguma conclusão.
Musicalmente, o grupo está tinindo. Dividem seu hip hop em duas frações - uma mais
agressiva, marrenta, mal-encarada, como 12 com Dezoito (com metais de seriado dos anos 70
e vocoder), Test Drive de Freio de Camburão e Ex-Quadrilha da Fumaça; outra mais
sossegada, consciente, groove macio, como na apaixonada declaração de fé ao hip hop em
É Isso Que Eu Tenho no Sangue, a regravação de Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga, o
suíngue santânico de Quem Tem Seda? (fazendo o encontro de Manu Chao com o Cypress Hill)
e Stab. Pelo decorrer do disco, o costumeiro ecletismo: trombamos com hardcore (HC3 e a
nova-iorquina Procedência C.D.), surf music (Gorilla Grip), malabarismo DJ (Dz Cutz),
jazz funk (a excelente Quarta de Cinzas) e até um reggae roots (a faixa título). Mas o
momento central é Contexto, que é o De La Soul fazendo samba de breque, "conexão
entre o morro e o asfalto", que resume a alma da invasão.
O grupo só peca por deixar o som distante da realidade daqueles que defendem. Não que
não haja identificação, mas falta construir uma pequena ponte para alcançar a
linguagem popular também no som. Se "underground e mainstream/ Tudo é igual pra
mim/ Caminhos diferentes que levam pro mesmo fim", que mostrassem a terceira via. Mas
calma. Como diz a sabedoria das ruas, uma coisa de cada vez. Por enquanto, um disco de
primeira. Missão cumprida.