Campinas, Sábado 13 de Janeiro de 2001
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termometro.jpg (11688 bytes)
01.jpg (41791 bytes)Missão cumprida

Alexandre Matias

"Entre a lei de Murphy e a teoria do caos", berra o rapper BNegão pela metade de A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (Sony), o novo disco do Planet Hemp. O espectro é amplo demais e o grupo não cobre a área da sentença que abre o texto. O buraco é mais embaixo e eles sabem disso. De nada adianta os clichês de dominação mundial que o grupo entoa subliminarmente em seu terceiro álbum, mas a idéia não é exatamente essa.

O que o Planet Hemp quer quando transforma sua volta em uma brigada de rebelião contra o mundo careta é apenas irritar os caretas. E fazem do jeito certo - falam como o morro fala, das coisas que a periferia fala, mas com uma especial e pouco sutil ironia forte o suficiente para fazer seus inimigos morderem-se de raiva e fazer quem tem um pingo de respeito pela vida ficar do lado deles. Por baixo de seu feroz ataque rap (outro um passo à frente do segundo disco), o grupo dá nome aos bois e mira na instituição policial ("Servir pra quem? Proteger de quê?") e todas as autoridades que podem dispor desta ferramenta.

Mas onde a "ex-quadrilha da fumaça" acerta é ao abrasileirar do melhor jeito o tema. O encarte de Marcello Graú acompanha um camelô que procura plástico para colocar em sua barraca - uma história sem história, mas rica de imagens que descrevem uma estética de comportamento que só existe no Brasil. O grupo descreve um país paralelo, informal, que teima pra sobreviver como se houvesse um prêmio no final - sua lógica, seu discurso, seu sistema de valores, sua moral. Só que a clareza de pensamento dada pelo hip hop e a raiva verbal ensinada pelo hardcore fazem com que o Planet Hemp torne-se arauto, teórico da revolução e assessor de imprensa de uma maioria que ainda não se reconheceu, um poder coletivo que a ditadura fez questão dizimar com doses cavalares de televisão emburrecedora e colonialismo chinfrim. "Andar na linha, pra mim, é o inverso do que é pra você" - finalmente chegamos a alguma conclusão.

Musicalmente, o grupo está tinindo. Dividem seu hip hop em duas frações - uma mais agressiva, marrenta, mal-encarada, como 12 com Dezoito (com metais de seriado dos anos 70 e vocoder), Test Drive de Freio de Camburão e Ex-Quadrilha da Fumaça; outra mais sossegada, consciente, groove macio, como na apaixonada declaração de fé ao hip hop em É Isso Que Eu Tenho no Sangue, a regravação de Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga, o suíngue santânico de Quem Tem Seda? (fazendo o encontro de Manu Chao com o Cypress Hill) e Stab. Pelo decorrer do disco, o costumeiro ecletismo: trombamos com hardcore (HC3 e a nova-iorquina Procedência C.D.), surf music (Gorilla Grip), malabarismo DJ (Dz Cutz), jazz funk (a excelente Quarta de Cinzas) e até um reggae roots (a faixa título). Mas o momento central é Contexto, que é o De La Soul fazendo samba de breque, "conexão entre o morro e o asfalto", que resume a alma da invasão.

O grupo só peca por deixar o som distante da realidade daqueles que defendem. Não que não haja identificação, mas falta construir uma pequena ponte para alcançar a linguagem popular também no som. Se "underground e mainstream/ Tudo é igual pra mim/ Caminhos diferentes que levam pro mesmo fim", que mostrassem a terceira via. Mas calma. Como diz a sabedoria das ruas, uma coisa de cada vez. Por enquanto, um disco de primeira. Missão cumprida.