Roni
Size colide as duas principais culturas de rua da atualidade num dos discos mais
agressivos da história da música eletrônica, In the Mode
Alexandre Matias
"Vejam, vejam! Eles estão se encontrando!". Impossível
esconder a felicidade quase científica ao detectar a aproximação definitiva do
drumnbass com o rap. Ela acontece no novo disco do papa jungle Roni Size e sua
trupe de DJs, o Reprazent - o excelente In the Mode (Universal). Depois de discos
mix, muitos shows e o trabalho com a cantora Leonie Laws no excelente Breakbeat Era (cujo
disco de estréia foi o melhor álbum de drumnbass de 1999), Size volta a
trabalhar ao lado de sua tropa de assalto - os DJs Krust, Die e Suv, o MC Dynamite, a
cantora Onalee, o baixista Si John e o baterista Rob Merril - disposto a consagrar sua
importância na história da música eletrônica. Se Goldie pirou na megalomania e LTJ
Buken prendeu-se ao underground, restava apenas Roni dos três primeiros grandes nomes do
gênero para colocar o drumnbass definitivamente na ordem da história - em
vez de deixar morrer como um modismo.
In the Mode é mais uma de suas incursões a outros universos
musicais pelo ponto de vista de seu gênero de origem. Seu primeiro álbum, o aclamado New
Forms, vencedor do prêmio Mercury em 1997, visitava pequenos guetos de jazz, usando o
encorpado baixo acústico como instrumento-base. No projeto Breakbeat Era, a intenção
era turbinar as canções pós-punk de Leonie Laws, cujo talento em compor é equivalente
a seus dotes vocais, cheios de presença de espírito e personalidade. O disco do ano
passado deve ter dado um "clique" na cabeça de Roni Size - era isso: vocais.
Fatboy Slim, Moby, Chemical Brothers, Prodigy... Todos faziam sucesso fazendo eletrônica
graças aos vocais empregados em seus hits.
E não precisa ser nenhum gênio para cogitar a possibilidade do
drumnbass encontrar-se com o rap. Afinal, a cena jungle - o nome original, e
pejorativo, do gênero eletrônico - era uma versão britânica da cultura hip hop. Do
mesmo jeito que a cena que começou em Nova York encontrou eco em toda periferia de
grandes cidades do mundo (principalmente as com considerável população negra), em
Londres a cultura enraizou-se desde seus primeiros passos - e o inverso do que aconteceu
com o hip hop americano deu-se com o inglês. Em ambos casos, as principais figuras da
cena eram os DJs. Eram eles que escolhiam os grooves e os graves certos, colocando batidas
e pés alinhados ao som do mesmo compasso. O MC, com o microfone na mão, era apenas o
apresentador do DJ, fazendo a galera agitar-se com empolgação de estar submetida à
vontade das picapes. Mas nos Estados Unidos, o rapper passou a ganhar mais espaço na
mídia e a falação desenfreada era mais exótica que os malabarismos de vinil - daí a
transformação do rap num modismo e sua explosão em termos de popularidade. Na
Inglaterra, isso não aconteceu e o DJ pôde crescer seu próprio caminho, suas qualidades
reverenciadas pelos motivos certos. Esta é a diferença crucial entre as duas culturas de
rua. De resto, os b-boys rodam quase o mesmo break no chão e os grafiteiros desfilam suas
formas tortas pelas paredes com as mesmas cores.
Com seu novo álbum, Roni Size faz com que os dois partes finalmente
façam as pazes e se reconheçam parentes entre si, irmãos do mesmo sangue. Quase todas
as faixas têm vocal e eles mostram para os norte-americanos - o destinatário é claro -
o quanto eles estão atrasados com um material humano precioso em mãos. Para isso, a
tropa reúne alguns dos luminares da cena pop americana ligada ao hip hop - o rapper
Method Man, o mais importante vocalista do Wu-Tang Clan; Zack de La Rocha, vocalista do
grupo de rap metal Rage Against the Machine; e Rahzel, o melhor beat box (bateria feita na
boca) do mundo, do grupo Roots. Além dos próprios Dynamite e Onalee, representantes
vocais do próprio Reprazent. Juntos, fazem o drumnbass soltar a voz, podendo
ser ouvido por quem sequer havia cogitado a possibilidade.
O álbum abre como se nenhuma mudança tivesse ocorrido desde o
primeiro disco - Railing Part 2 repete a mesma base que Railing (a abertura
de New Forms), com novas letras. Mas o gelo só começa a ser quebrado com a
nervosa In + Out, com toques de electro e até percussão brasileira. System
Check é descendente direta de New Forms - é uma espécie de Brown Paper
Bag (o hit do primeiro disco) parte 2. Até aí, tudo dentro dos conformes.
Até que as coisas fogem de controle. Baixa o Dr. Dre em Roni Size e
ele transforma seu inferno jungle num gueto gangsta em altíssima velocidade, como se em
vez de lidar com computadores e vida virtual, o filme Matrix tratasse de briga de
gangues nas ruas de Nova York - é Method Man, com Ghetto Celebrity, ajudando Size
a ligar dois continentes num mesmo tipo de som. Mais à frente, Rahzel entra esmerilhando
percussão e baixo (drumnbass, ora) em sua própria garganta na contagiante In
Tune to the Sound - provavelmente a primeira vez que fazem d&b com a boca (o
desgraçado imita até a voz robótica do vocoder).
Who Told You é o hit do disco e o clima de batida policial não
deixa escapar o principal encontro entre rap e drumnbass do disco. É
certamente a faixa que agradará fãs de ambos gêneros. Pelo resto do disco, ouvimos
Dynamite (Switchblade, Heavy Rotation Dirty Beats) e Onalee (Lucky Pressure,
Balanced Chaos e Staircase), além de Roni Size esmerilhar sobre a
instrumental Mexican, disparando beats a esmo - até chegar em outro ápice: Center of
the Storm, com Zack de La Rocha, tanto Size quando o vocalista muito à vontade ao
lidar com novos territórios musicais. O título e os quase oito minutos da faixa (a
única a chegar a tal duração no disco, quebrando uma tradição de Roni Size) mostram o
quanto ela é importante no disco. Snapshot e Play the Game despedem-se sem
desfazer a cara feia.
Como um disco de d&b, no entanto, In the Mode é o mais
fácil possível. É claro que Size gosta de esmerar seu virtuosismo nas picapes,
entortando o suíngue à medida em que ele parece correr solto. Mas no geral, tirando
poucas incursões mais radicais (algumas delas facilitando a audição para os ouvidos
acostumados ao rap), In the Mode é um dos menos explosivos discos de Size - do
ponto de vista do drumnbass. Mas se olharmos do viés da música pop, aí sim:
o disco cresce e se mostra sólido e onipotente, disposto a traçar um caminho inédito da
história. O alvo de In the Mode, no entanto, não é o público em geral - embora
as faixas com os convidados possam render uma popularidade fora do circuito techno -, mas
para os rappers. É como se Size explicasse que existe um mundo de ritmos além do passo
funk. É só chegar e pegar.