Texto publicado originalmente na revista Play número 3, abril de 2002

Abutre - Gil Scot-Heron

Distantes do estrago feito pela Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos
passaram à frente da Europa e assumiram as rédeas do planeta (dividindo-as
com a Rússia) logo depois do mega conflito no meio do século passado. Foi o
suficiente para empoderar uma nova classe média. Tecnófila, hipócrita e
conservadora, esta facção emergente não tardou em se achar o centro pensante
do planeta - e a indústria, aproveitando a arrogância desta, elegeu-a como
público-alvo. Seguiram-se os anos 50 e 60, que mudaram os conceitos
ocidentais de família, consumo, cultura e cidadania. Aos poucos, estas
mudanças virariam a cidade do avesso.

Logo, a classe média saía do centro da cidade e iria para os subúrbios -
aquelas casas com amplo jardim (e porta principal com três janelinhas
paralelas) que estamos carecas de assistir em seriados norte-americanos. No
centro, sobravam apenas pobres, negros e criminosos, habitando galpões
abandonados de indústrias que faliam pouco a pouco. O bairro central das
principais cidades norte-americanas foram transformados nisto que conhecemos
hoje como "gueto".

É este gueto que Gil Scott-Heron retrata em Abutre (Conrad Livros). Um dos
pais do rap (foi ele o primeiro a pregar sobre o ritmo, em clássicos como
"The Revolution Will Not Be Televised" e "Whitey on the Moon"), Heron
começou como escritor, fazendo exatamente o que retratava em suas músicas:
descrevia o gueto e explicava o que fazia-o corroer por dentro.

Histórias de sexo, drogas, violência, camaradagem e traição, religião e
política, crimes e castigos se misturam ao redor do cadáver do gordo John
Lee, que surge morto nas primeiras linhas do romance. Centrado em quatro
protagonistas, O livro acompanha a decadência do gueto norte-americano (que
se tornaria ainda mais perigoso, graças ao crack e as armas das décadas
seguintes) e detecta os problemas sociais que poderiam (como fizeram)
implodí-lo. Abutre espreita as rachaduras na parede e teme pelo pior, como
toda boa literatura policial.

    Source: geocities.com/trabalhosujo/txt

               ( geocities.com/trabalhosujo)