Texto publicado originalmente na revista Play número 3, abril de 2002

Eletrônica a tiracolo

Os portáteis dos anos 80 revolucionaram o comportamento e cultura pop

Alexandre Matias

A moda dos anos 60, em seu revivalismo do começo do século 20, ressuscitou
apetrechos que haviam sido esquecidos pelo utilitarismo pós-guerra. Entre as
franjas, colares, chapéus, brincos, pulseiras, bandanas e bolsas, voltava a
tendência que pedia apetrechos e penduricalhos para a roupa; mostrando que o
vestuário poderia ser extendido para além do corpo.

Esta vertente continuou exagerada nos anos 70 - foi por onde a calça de
boca-de-sino, os óculos gigantescos, os penteados enormes e outros
hiperbólicos entraram no imaginário da cultura pop -, mas chegou aos 80 em
crise de identidade. Utilitarista, a década perguntava para que serviam
aquelas coisas penduradas nas pessoas. Quando a resposta veio apelando para
a estética, a década passou a dar motivo para aqueles apêndices existirem.
Eles poderiam continuar ali, mas tinham de ter alguma função.

Começa a febre dos portáteis. Vislumbrados há tempos pela cultura pop (como
os comunicadores de Dick Tracy e Star Trek), eles não haviam saído do papel
por falta de criatividade, mas por limitações tecnológicas. Esta barreira
foi ultrapassada na década de 80, graças à lógica eletrônica. Mas o ovo de
Colombo dos portáteis nada tinha de eletrônico.

O primeiro da lista é o Walkman, o toca-fitas portátil lançado pela Sony em
1979. O estrondoso sucesso do aparelho - foram vendidos um milhão em menos
de dois anos (marca superada apenas pelo Game Boy em 1989) - abriu os olhos
do mercado. A mudança proposta pelo Walkman não foi apenas tecnológica, mas
comportamental: a música passou a ser consumida de outra forma, mais ágil,
prática e funcional. O entretenimento podia ser consumido individualmente.

Pouco depois viriam os Game & Watch, que lançou a antiga fábrica de baralhos
Nintendo no mundo dos jogos eletrônicos. Um videogame portátil, com tela em
cristal líquido, o Game & Watch tinha recursos limitados enquanto jogo, mas
a possibilidade de jogá-lo em qualquer lugar tornou-o febre entre as
crianças. Tanto que a grife persistiu (em formatos e tamanhos diferentes:
Panorama, Versus, tela dupla) durante toda a década, até que a própria
Nintendo aperfeiçoou sua fórmula no final, quando lançou o Game Boy em 1989.

Apesar de conhecido apenas como GameWatch, o portátil tinha este nome pois
unia dois aparelhos: o videogame e o relógio digital (saudosistas de plantão
exibem seus GW enquanto contam que usam o alarme até hoje). Mas o cruzamento
do relógio digital com outras possibilidades que o microchip permitia foi
muito além da simples diversão. Com a Casio na dianteira, uma série de
grifes de relógios de pulso foi lançada no mercado, determinando dois
padrões diferentes: o DataBank (que estocava dados e servia como uma agenda
eletrônica) e o G-Shock (que aliava à alta resistência do modelo a
dispositivos eletrônicos úteis para atletas) na dianteira. Estas duas linhas
são a base para os atuais PDAs e linhas de eletrônicos esportivos,
respectivamente.

O telefone celular também fez sua estréia nos anos 80, embora já existisse
na teoria desde 1947, mas só começou a ser desenvolvido após 1968. Foi nesta
data que o FCC (o Ministério das Comunicações americano) permitiu o aumento
da quantidade de freqüências disponíveis para a transmissão de dados. Assim,
as empresas de telefonia apressaram o desenvolvimento de um sistema de
transmissão sem fio, que só começou a funcionar, em fase de testes, em 1977
(numa parceira da AT&T com a Bell). Mas o primeiro sistema bem-sucedido de
telefonia móvel apareceu em Tóquio, em 1979, quando os japoneses pararam
para prestar atenção no que os americanos estavam fazendo.

Gigantescos e carinhosamente apelidados de "tijolo", os primeiros celulares
do Ocidente começaram a circular em 1981, usando um sistema desenvolvido em
parceria pela American Radio e a Motorola, que só foi regulamentado dois
anos depois, quando o primeiro serviço analógico de telefonia celular dos
EUA (o Advanced Mobile Phone Service) foi apresentado ao público. A
aceitação foi imediata e em 1987, um milhão de norte-americanos usavam o
telefone móvel.

Os anos 80 ainda veria o nascimento dos computadores portáteis. O TRS-80, o
avô dos laptops, surgiu na primeira febre de hardware, que aconteceu no
final dos anos 70, após o lançamento do pré-histórico Altair. Como vários
pioneiros da microcomputação, a empresa Radio Shack vislumbrou um produto
revolucionário, um computador que traria processador, teclado, monitor,
memória e linguagem de programação. O lançamento do computador (apelidado,
com o tempo, de trash-80s) não teve repercussão na mídia, mas foi um sucesso
de vendas. Seu primeiro modelo - o 100 (com impressionantes 4K de memória
RAM!) - foi atualizado gradualmente à medida que a década passava.

Até os anos 80, o máximo de portabilidade permitida pela eletrônica havia
sido a calculadora de bolso. Mas depois daquela década, o mundo das
comunicações e o comportamento do ser humano havia mudado drasticamente. O
sucesso dos portáteis de hoje - celulares de terceira geração, PDAs, GameBoy
Advanced, notebooks, Discman, entre muitos outros - é apenas decorrente da
febre que eles iniciaram nos anos 80.

    Source: geocities.com/trabalhosujo/txt

               ( geocities.com/trabalhosujo)