Texto publicado originalmente na revista Play número 1, dezembro de 2001
Matrix 2.0
DVD turbinado dá a largada para a contagem regressiva da continuação de um
dos melhores filmes de todos os tempos
Alexandre Matias
Uma base aero-naval abandonada na região da baía de São Francisco, nos
Estados Unidos, um galpão gigantesco no município de Alameda. Lá dentro,
guindastes, gruas, fios, câmeras rodopiando, centenas de pessoas trabalhando
por trás das lentes. A cena filmada é uma festa de proporções gigantescas:
há pelo menos 1000 pessoas sendo treinadas pelo coreógrafo popstar Charles
Moulton. A dança é robótica, com sete ou oito padrões de dança sendo
executados por grupos separados através da platéia. De perto, a dança parece
apenas quadrada, mas vista por cima ela ganha forma, como um imenso fractal
humano, que responde a um padrão preciso e matemático, mas que causa o
efeito de ordem no caos almejado por qualquer abstracionista.
No centro da cena, Keanu Reeves dança com a frieza de um lutador de kung-fu,
gestos lembrando golpes e o corpo esticando-se como um atleta. Moulton
elogia os movimentos e compara toda a produção da cena com Os Dez
Mandamentos, de Cecil B. DeMille, pela grandiosidade dos estúdios. Os
dançarinos usam roupas esfarrapadas e de aparência suja, estão tatuados,
pertencem a vários grupos étnicos diferentes e cada um parece ter um tipo de
corte de cabelo. Como esta rave geométrica, uma das cenas mais comentadas na
internet sobre a aguardada seqüência do maior hit dos cinemas em 1999, se
encaixa no roteiro do filme, só eles sabem.
Fala-se na possibilidade de uma festa em Zion, a última cidade humana, em
algum lugar do subterrâneo do planeta. A metrópole (ou povoado? Ninguém
sabe) underground é um dos vários pontos que unem os Agentes Smith, a
polícia de elite da ilusão fabricada por computadores que chamamos de
realidade, e a Resistência, tropa de humanos "desplugados" que tenta
desligar a tomada da realidade virtual. Os Agentes querem o acesso às senhas
que abrem as portas para a cidade, e é a Resistência que os detém. Outro
ponto em comum é o hacker Neo, que, descoberto pelo líder Morpheus, chegou à
condição de Escolhido e conseguiu entortar a realidade falsa gerada
A Matrix está em todo lugar, à nossa volta, até aqui, onde você está. Você
pode vê-la na janela, você pode vê-la na televisão. Você a sente quando está
trabalhando, ou na igreja, ou quando paga os impostos. É o mundo que foi
colocado em frente aos seus olhos para esconder a verdade.
Que verdade?
Que você é um escravo. Que você, como qualquer outro, nasceu preso,
trancafiado num cárcere sem poder respirar, sentir gosto ou tocar. Uma
prisão mental. Que todos nascemos em casulos em forma de úteros e vivemos em
um estado de letargia inconsciente e totalmente abstraídos numa realidade
falsa. Dentro destes casulos, cada ser humano é plugado ao sistema,
recebendo, com diversões cabos umbilicais espalhados pelo corpo, informações
sensoriais que criam a ilusão de estarmos vivendo em 1999, no auge da
civilização humana.
Mas o ano é 2199 e as máquinas venceram a guerra, transformando a energia
vital humana em combustível. Aprisionaram os homens em máquinas de coma e
absorvem sua vitalidade inventando uma realidade de mentira, que apenas
serve para manter todos os homens em seus lugares, quietos e vegetais.
Gerações inteiras de pessoas foram sacrificadas como safras agrícolas. Mas
alguém craqueou o sistema.
Foi essa história que vimos no estarrecedor Matrix, de 1999. Uma civilização
a serviço das máquinas, fornecendo energia para máquinas que a usa sem que
esta saiba e a história de um grupo que busca libertar o povo escravizado. E
para facilitar contar esta história, os irmãos Larry e Andy Wachowski,
diretores e roteiristas do filme, entupiram o filme de filosofia oriental e
ocidental, fetichismo em armas, cenas de destruição massivas, lutas mano a
mano históricas, couro, óculos escuros, carrões, ficção-científica, terror e
ação. Mas todo o aparato tecnológico, o matiz científico, as alusões
religiosas, o ar hacker vão para o segundo plano na primeira das seqüências.
Vem aí a ação - The Matrix Reloaded.
O produtor do filme, Joel Silver, responsável também por bem-sucedidas
grifes de ação como Duro de Matar e Máquina Mortífera, disse em entrevista à
revista TV Guide: "Eles escreveram Matrix como uma história longa. Mas eles
queriam era contar uma história de super-herói, então eles criaram esse
mundo onde alguém pode mesmo ser um super-herói e que as pessoas pudessem
acreditar... As seqüências são as histórias que eles queriam contar".
As especulações sobre o filme falam em uma perseguição de carros perfeita,
com os sentinelas pulando de um carro para o outro. Há a cena em que Neo
(Keanu Reeves) luta contra milhares cópias de si mesmo e mais uma em que ele
é encurralado por centenas de Agentes Smith. O filme conta com a nova
geração do "bullet-time", o efeito especial que segurou o fôlego de quem viu
o primeiro filme, deu um novo significado à noção de "câmera lenta" e
transformou-se em ícone pop por excelência: de Bart Simpson ao Golden
Shower, passando por comédias americanóides (como Gigolô por Acaso, Scary
Movie, essas coisas), animações toscas em flash, As Panteras e trocentas
outras referências,
E, sim, claro, a cena do vôo. O pacote de ação de Matrix Reloaded não
ficaria completo sem explorar a última possibilidade cogitada pelo primeiro
filme. Por isso espere não apenas Neo rasgando o céu do mundo de mentira,
como - sim - lutas em vôo. Se Tobey McGuire se pendurando no trailer de
Homem-Aranha de Sam Reimi já era de cair o queixo, imagine Neo e o Agente
Smith em combates aéreos. E filmado pelos Wachoski!
Não espere apenas um filmaço de ação, no entanto. Matrix Reloaded não
esquece da batalha underground entre homens e máquinas. E cogita-se uma
possibilidade tão perturbadora quanto a inicial: que o mundo dito real
também é uma invenção da Matrix. Se aquele pesadelo de humanos em coma
cedendo energia para uma megarrede de inteligência artificial também é
falso, imagine o que deve ser a realidade.
Filmado na Austrália e em San Francisco com o nome de trabalho Burly Man
(que pode ser traduzido como "homenzarrão"), tanto Matrix Reloaded quanto o
terceiro filme - The Matrix Revolutions -, estão sendo filmados ao mesmo
tempo, como um longo filme. Seguindo a lógica de trilogias criada por George
Lucas (apresentação, tensão e conclusão), o segundo filme da série termina
em suspense, com o famoso "abismo" no roteiro. A boataria especula que o
final de Reloaded tira a bela Trinity (Carrie-Anne Moss) de cena. E tanto
Reeves quanto Moss desconversaram perguntas sobre o filme afirmando que Neo
e Trinity terão um envolvimento amoroso.
Mas pare de salivar, porque o filme não fica pronto tão cedo. A intenção dos
irmãos diretores era lançar Matrix 2 um pouco antes do verão norte-americano
de 2002. Mas havia um pequeno problema - aliás, dois - no meio do caminho: o
Homem-Aranha de Sam Reimi e o Ataque dos Clones, o Episódio 2 de Guerra nas
Estrelas. A intenção dos Wachowski era lançar o filme logo no começo da
temporada de lançamentos (não coincidentemente na Páscoa, tempo de
"renascer") e ganhar, de cara, o ano - como fizeram em 1999. Mas com Lucas
e Reimi no caminho, Silver e os Wachowski optaram por postergar o filme em
um ano. Com isso, o trio resolveu ampliar a produção, envolver mais gente e
tentar horizontes mais distantes, como a cena da cidade de Zion, descrita no
começo do texto.
A espera pela seqüência, no entanto, já começou. A largada foi dada no
relançamento do DVD do filme. Rebatizado como The Matrix Revisited, o disco
é duplo e o segundo disco traz um cardápio de extras que, além de esvaziar
todos os bastidores do primeiro filme, ainda dão uma amostra do que podemos
esperar.
O principal item é, claro, What is to Come?, que traz as cenas de bastidores
do próximo filme - incluindo a citada luta de Neo e suas cópias - e
novidades sobre o anime baseado no tema do filme. É neste desenho inspirado
na animação japonesa que conhecemos a história da escravização dos humanos
pelas máquinas. O DVD ainda traz entrevistas com fãs do filme, todas as
cenas de luta com os bastidores das coreografias e as aulas de artes
marciais que os atores tiveram com o diretor e coreógrafo Yuen Woo-Ping,
dois estudos de cena completos - Luta do Banheiro e Parede Molhada -,
story-boards, um clipe com cenas que não foram para o primeiro filme e
quatro - sim, quatro - easter-eggs: Chase in the Alley, The Woman in Red,
Gun Training e Juke Box (só em áudio).
Outro aperitivo para o filme é o comentado média-metragem da Square. Apesar
do estúdio de Hironobu Sakaguchi ter pedido falência após o fracasso de
bilheteria que foi Final Fantasy, os irmãos Wachowski encomendaram um
pequeno filme em animação 3-D que pode ser lançado antes do segundo filme ou
entre o segundo e o terceiro.
Enquanto a produção vai à toda, alguns problemas podem atrapalhar - ou
atrasar - o próximo filme. O principal deles é a confusão entre a Warner e a
Manex, a casa de efeitos especiais que ganhou o Oscar de 1999. O estúdio,
que terceiriza a maioria dos efeitos de seus filmes para a Industrial Light
& Magic, quis ter os louros pela inovação tecnológica em Matrix e resolveu
ressuscitar sua própria casa de efeitos, a Warner Digital Studios, fechado
em 1997. Quando o estúdio começou a contratar os funcionários da Manex, os
empregados descontentes fundaram outra casa, a Escape (ESC) Entertainment. O
impasse está armado e a solução, longe do fim.
O elenco também está em aberto. Nomes como Jean Reno (O Profissional),
Michelle Yeoh (O Tigre e o Dragão) e até Jean-Claude Van Damme (quem?) já
foram cotados para participar do filme. Mas o elenco aos poucos vai se
afunilando, fechando com nomes novos como o ator inglês Daniel Bernhardt,
Monica Bellucci, Aaliyah (já falamos dela), Françoise Yip, Harry Lennix (da
série de TV Titus), Jada Pinkett Smith, Clayton Watson e Harry Perrineau Jr.
(da série carcerária Oz). Além, claro, de Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss,
Laurence Fishburne e Hugo Weaving, o Agente Smith, desta vez creditado como
2.0.
Fora a bruxa, correndo solta. A primeira vítima foi a já citada Aaliyah.
Cantora e atriz (estrelou Romeu Tem Que Morrer, produzido por Joel Silver),
ela estava no auge da sua carreira, com o novo disco bem sucedido e a
carreira de atriz decolando graças à inclusão no novo Matrix. Mas o avião
que a trazia de uma turnê promocional espatifou-se numa montanha e babau
Aaliyah. Outra que rodou foi Gloria Foster, a atriz que fazia o misterioso e
caseiro Oráculo. Ambas haviam gravado suas partes no novo filme e deverão
dar as caras, de algum jeito.
Entre os novos personagens, destacam-se a bela Niobe (Pinkett Smith), uma
guerreira da Resistência que, pelas descrições, encaixa-se no tipo de
heroína femme fatale na linha da Rippley da série Alien ou Linda Hamilton em
O Exterminador do Futuro 2. Outro personagem é o anti-Neo, Quintessence, um
hacker que consegue também craquear a Matrix mas trabalha para os Agentes. O
nome cotado para fazer o papel foi o do lutador chinês Jet Li, mas parece
que Li pediu dinheiro demais para entrar numa grife em que não seria um dos
personagens principais.
O mistério continua e a expectativa sö aumenta. Além dos próprios filmes,
uma série de itens de merchandising (brinquedos, livro, quadrinhos, games,
óculos, camisetas e a lista continua) ajudam a crescer a fama do filme, que
caminha para substituir Guerra nas Estrelas no ideário mundial dos próximos
20 anos. Pelo menos.
               (
geocities.com/trabalhosujo)