Cap 5
Amar-Sofrer-Reparar
(28-11-1933)
S. Paulo
reivindica para si, como Apóstolo, a missão de pregar Jesus Cristo, mas Jesus
Cristo Crucificado. E isto, não só para que o homem conheça o amor com que foi
amado, mas também para que cada um entenda que, por vocação, tem o dever de O
copiar assim, imolado, como modelo de adorador perfeito do Pai.
É tão fácil
pararmos na contemplação de um Menino posto sobre a palha numa gruta, de um
Mestre genial que entusiasma as multidões com a narração de parábolas enternecedoras,
de um Ser todo bondade e compaixão, que se inclina compreensivo e choroso sobre
as misérias físicas e morais daqueles que encontra no seu caminho; é fácil
ainda pararmos na contemplação de um Amor, que multipicou a sua presença nos
sacrários de todo o mundo, para baixar até àqueles que O desejarem e a eles se
unir, para iluminar todos com a luz verdadeira e condividir os problemas de
cada um; porém, o convite que Ele dirige a todos é sempre: “Quem quer vir após
Mim, tome a sua cruz, todos os dias, e siga-Me”.
Podemos
mergulha-nos em todas as outras considerações, mas com o perigo de não penetrar
profundamente nas única verdade que está na base de todas: o mundo das dores de
Cristo, as quais, e somente elas, completaram a redenção da humanidade, e das
quais, somente, brota a salvação de cada um.
Encorporados com
Jesus Cristo, e estreitados nesta união por meio dos Sacramentos, os homens são
chamados a consumar e completar em si o sacrifício redentor com os próprios
sofrimentos, até à imolação. Do mérito infinito da Cabeça, colherão valor,
momento a momento, todas as mais leves dores dos membros.
A Alexandrina,
ensinada por Jesus, na escola dos sacrários, sobre a identidade que há entre a
Eucaristia e do Calvário, penetrará até ao fundo, estimando-a ao máximo, a
preciosidade do sofrimento como meio de expiação satisfatória pessoal e de
todas as outras almas, consigo e entre si unidas no Corpo Místico.
Entreviu
certamente este consolador e admirável mistério, quando, aos 19 anos, começou a
pedir a Deus e a Nossa Senhora o amor ao sofrimento.
A contemplação
infusa, em que foi introduzida em 1933-34, jorrou sobre a sua alma torrentes de
luz sobre esta mesma verdade, e fez-lhe compreender, até a apaixonar, que, para
ser tornar um Jesus vivo (este é o poder do amor: a semelhança entre dois
seres!), deveria segui_lo no caminho da dor.
Lançava-a a este
heroísmo –que tanto repugn à naturaleza- o desejo ardente de salvar almas, para
consolar Jesus e estender o seu reino sobre a terra.
Unida aos
sacrários, onde Jesus reza incessantemente por nós (1), a Alexandrina recebe
d’Ele o convite de O imitar nesta empresa: “Reza pelos pecadores, são teus
irmãos” (28-11-1934). Mas de Jesus Eucaristico recebe ainda outro convite, o de
unir à oração aquilo que completa a sua própia missão divina, no mistério do
altar como sobre o Calvário, em benefício da humanidade: “Imolar-se”. De facto,
diz à Alexandrina: “No me recuses nenhum sofrimento e sacrifício pelos
pecadores” (29-7-1934). “Oração e dor” eis a pedra miliar da vida da
Alexandrina!
Os própios
colóquios com o seu Dilecto, que por sua natureza deviam inunda-la de doçura,
tornam-se colóquios dolorosos. Serão assim até ao fim da sua vida, mesmo depois
do matrimónio espiritual com o Esposo (2).
Jesus preparou-a
para esta ordem de coisas, escolhida por Ele, e reservada aos seus predilectos.
A Alexandrina contou que um dia sentiu o seu coração encadeado por uma força
misteriosa, até ao ponto de ser obrigada a manter a cabeça inclinada desse
mesmo lado, pelo espaço duma hora,mas numa grande tristeza e num silêncio
profundo. Falou-lhe Jesus e disse-lhe: “Cândido lírio, louquinha de amor,
heroína sempre combatente Eu quero que tu sofras sem consolações na alma... Sentes-te
numa prisão: sou Eu a convidar-te a viver assim... Raramente sentirás
consolações, muito raramente, até ao fim. Quero que o teu coração viva na dor,
na tristeza e na amargura com o sorriso nos lábios... Eu não tive consolações
em toda a minha paixão... Eu amo-te com um amor particular, com um amor
totalmente reservado; por isso te faço semelhante a Mim” (25-9-1938).
Por isso os
sacrários, para a Alexandrina, não são... místicos silêncios portadores de
sonhos, encantadoras portinhas doiradas, que brilham ao cintilar da lâmpada...
e nem sequer brancas partículas, esperando ansiosamente corações quentes e
famintos, mas só escola e forja de dores, que transmitem o perpetuo programa do
verdadeiro Jesus, escondido sob mudas espécies sacramentais: “AMAR, SOFRER,
REPARAR”.
E, 1946, no dia 1
de Março, a Alexandrina ditará para o seu diário: “A dor é que há de mais
sábio: a dor é a escola mais sublime: nada mais do que a dor nos ensina a amar
a Jesus, nos encaminha e guia para Ele”.
A dor lança
raízes na maior profundidade do amor, raízes que unem e ligam a alma a Jesus. Quantos
segredos escondidos na dor! Unindo a alma a Jesus, obtém, dessa forma, que viva
só d’Ele e para Ele. É a base mais segura para o grande edifício da união e do
amor com Jesus. Havia aprendido bem as lições do seu Senhor Eucarístico. Na sua
acção de graças da Comunhão, convida Nossa Senhora a falar, a agradecer, a
pedir por ela favores ao seu Jesus, que guarda no coração. Entre outras coisas,
ao Deus feito seu alimento, ela, por meio de Maria, manifesta esta chama,
traduzida em oração:
“Mãezinha, dizei
a Jesus que O ajudais Vós a crucificar-me, a fim de que nada reste no meu corpo
e na minha alma sem crucificar”.
Jesus, no
Tabernáculo, é vítima imolada.
O cristão, que se
alimenta da Eucaristia, deve ser o pregão incansável e ardente desta vítima
imolada (3), suportando as dores de toda a hora, vivendo os sentimentos de
Cristo no negar-se a si mesmo para sentir as necessidades dos outros e dominar
o egoísmo naturalista, no tornar-se obediente pela humildade e em abater o
orgulho que nos arruinou, no renunciar a si mesmo para aderir a Deus.
Como nota S.
Basilio, é este o sentido da Comunhão. As almas que vivem esta vida em extensão
e profundidade tornam-se as obras-primas do Amor divino. Quem, porém, é chamado
a uma santidade de excepção, para continuar de um modo mais perfeito a missão
do Salvador, deve estar disposto a penetrar ainda mais fundo no mistério
doloroso da Vítima e reproduzi-lo na sua carne mortal.
A alma chamada a
esta tremenda mas sublime missão ver-se-à introduzida num mundo novo: um mundo
de compreensão da culpa, de ânsias, de amor ofendido e de dor reparadora; ao
mesmo tempo tornar-se-à ela própria um mundo capaz de recolheer em si toda a
fealdade e toda a malícia daqueles pelos quais deve descontar, como se fossem
coisas suas.
Que o Senhor
trabalhava a alma da Alexandrina neste sentido, descobrimo-lo num colóquio tido
com ela: “Pensa só em Mim, já que tão generosamente te ofeceres como vítima
pelos pecadores do mundo. Eu colocarei em ti como um canal, por onde passarão
as graças para as almas, por todos os géneros de delitos”.
“Nesta ocasião,
-diz a Alexandrina- não sei o que sentiaa em mim, nem bem me posso explicar. Sentia
um peso tão grande, tão grande, e figurava-se-me que era tão grande,
principalmente o coração, que me dava a impressão que era o mundo”
(11-10-1934).
No dia anterior,
Jesus explicara-lhe: “Vou-te modelando, preparando para coisas mais sublimes”
(11-10-1934). Este trabalho de engrandecimento e de sublimação completá-lo-ão o
amor e a dor, quer do corpo quer da alma. Será o cinzel divino. Issto se deduz
das palavras que Jesus lhe dirige muitas vezes e que soam assim: “Não temas! Se
Me deixares crucificar-te, e aceitares tudo o que Eu te enviar, poder dizer que
Me amas como são os meus desejos” (9-5-1935).
Mas o que dará à
alma a força e a capacidade para esta operação, que fará dela uma criatura de
salvação pelos irmãos, é a Eucaristia e só a Eucaristia. De facto, Jesus
convida Alexandrina a meditar sobra a sua Paixão, de que Ele a quer tornar
participante, e acrescenta: “Mas no meio de toda a minha Paixão, não te
esqueças dos meus sacrários... Terás coragem para tanto: para este sacrifício
que te peço?” (18-4-1935). Alexandrina responde: “Eu sem Vós, nada posso, mas,
com o Vosso auxílio, prometo ser fiel no que me pedis”.
Como já se disse,
a Alexandrina teve de Jesus o primeiro convite à Paixão total, em 6 de Setembro
de 1934, e ela, com grande sacrifício, deu dele notícia ao Director no dia 8,
aniversário da sua querida Mãezinha do Céu.
Desde então,
passo a passo, Jesus instrui-a sobre toda a sua vida dolorosa, com
particularidades que a Alexandrina não havia lido nem lerá nunca en nenhum
livro, excepto o que vem nos manuais de devoção popular sobre a costumada Via
Sacra.
Às instruções
sobre as próprias dores, o Senhor acrescenta frequentes revelações sobre a
perda eterna de tantas almas, fazendo-lhe conhecer crimes de pessoas e de
nações, cegas pelo vício. As enumerações, que Jesus fazia, de pecados à sua
serva, eram acompanhadas por frases, que respigamos aqui e ali:
“Implora
perdão... escreve que se pregue! Sou tão ofendido!... Que horrendos crimes
povoam o inferno! Que dsapareçam os delitos do mundo, de outro modo, dentro em
breve será castigado!... Avisei Sodoma e Gomorra, e não fizeram caso. Infelizes...
sucederá a mesma coisa”. A Alexandrina, desolada, multiplicava as suas ofertas
para evitar estas justas vinganças sobre a humanidade, e quando Jesus, um dia,
lhe apresenta um meio infalível, pelo qual o mundo seria poupado da guerra
fraticida, -a consagração ao Imaculado Coração de Maria- ela oferece-se como
vítima para a conseguir e apressar. Jesus, misericordioso e infinitamente bom,
acolhe a oração da Alexandrina e promete dar-lhe a sua Paixão dolorosa como
sinal da sua vontade, esto é, que a humanidade fosse consagrada a Nossa
Senhora.
Nesta altura,
insere-sa nas lembranças da Alexandrina a descrição, que ela mesma nos faz, de
uma visão sensível. Dir-se-ia a preparação próxima para a sua mística
crucifixão.
Eis a narração
que a Alexandrina faz:
“Uma noite,
apareceu-me Jesus, em tamanho natural, despido, apenas com a faiza à cinta en
nas Suas divinas mãos, pés e lado, estavam abertas profundas chagas. O sangue
escorria até à cintura, atravessando a faixa, indo cair no chão. Jesus
sentou-se no meu leito, ficando com as pernas ao dependuro. Beijei com muito
amor as chagas das mãos e ansiava por beijar as dos pés. Como estava deitada,
não lhes chagava e nada disse a Jesus. Mas Ele, que conhece os meus desejos
como as Suas mãos, tomou um pé, levantou-o e deu-mo a beijar; depois o outro,
deixando-os cair para a mesma posição. Depois contemplei a chaga do lado e todo
o sangue que dela corria. Muito compadecida, atirei-me para os braços de Jesus
e disse-Lhe: -Ó meu Jesus, quanto sofreste por meu amor! Fiquei um poucochinho
encostada ao peito de Jesus, e depois dessapareceu-me Nosso Senhor.
Escusado será
dizer que jamais se apagará da minha mente tudo isto, é recordarei sempre, como
se sempre me estivesse presente. Sinto o meu coração ferido ao recordar este
quadro; só por obediência e amor de Jesus falo nisto. Penso que a apresentação
de Nosso Senhor neste estado seria a prepar-me para o que agora vou descrever. Que
Ele me dê forças e a Sua graça para o poder fazer.”
“Assim como iam
aumentando as graças e favores para comigo, assim cresciam também as dúvidas e
receios de me enganar e enganar o meu Director espiritual, bem com todos os que
conviviam comigo. Crescia o meu martírio, de momento para momento. Tudo me
parecia falso e inventado só por mim. Meu Deus, que dor para o meu coração! As
trevas caíam sobre mim; não havia luz que me mostrasse o caminho. Por mais que
o meu Director me infundisse confiança, nada havia que me conformasse”
(Autobiografia).
Nesta solidão das
trevas, sem amparos humanos, continuavam as revelações de Jesus sobre o estado
de perdição de tantas almas, das nações, do mundo. Eram revelações aterradoras
como esta: “Os pecadores estão merecendo, a todo o instante, que caia sobre a
terra a ira de Deus, mas a ira mais tremenda. Esses infelizes não se convertem!
Pobre mundo, que será dele?!” (9-9-1938). “Penitência, penitência em todo o
mundo! Penitência! Ou o mundo se emenda rápido, ou com a mesma rapidez será
destruído. Ai do mundo! A justiça divina não pode suportá-lo mais!”
A estes avisos
apocalípticos, a Alexandrina respondia: Ó meu Jesus, quero sofrer tudo, tudo,
quero ser despedaçada por Vós. Sou a vossa vítima... mas não castigueis o
mundo... Quero ser o pára-raios!” (11-9-1938).
Entretanto,
sentia a necessidade de fortificar a alma para os novos acontecimentos, que
pressentia no seu espírito como coisa já vizinha. A Providência havia disposto
que, mesmo então, chegasse a notícia de que o seu Director viria pregar-lhe um
breve retiro espiritual, desejado e pedido tantas vezes.
Deixemos a
palavra à Alexandrina: “Já há tempos que sentia grandes agonias na minha alma
e, por vezes, prestes a cair em assustadores abismos. Nestes dias redobraram os
meus sofrimentos. Os abismos eram aterradores. A justiça do Eterno Pai caía
sobre mim e Ele bradava-me repetidas vezes. “Vingança, vingança!... “
Aumentaram os sofrimentos da alma e do corpo.. É impossível descrevê-los, só
sentidos e presenciados. Passava os dias e as noites rolando pela cama, a ouvir
a voz assustadora do Eterno Pai.
Na manhã do dia 2
de Outubro de 1938, disse-me Nosso Senhor que eu iria passar oir tida a Sua
santa Paixão, do Horto ao Calvário, só não chegaria ao “Consummatum est”. Seria
a primeira vez no dia 3 e, depois, ficaria a passar pela Paixão todas as
sexta-feiras, de pouco depois do meio-dia às três horas, mas, na primeira vez,
Ele ficaria até às seis horas a desabafar comigo, fazendo-me os Seus queixumes.
Não disse que
“não” a Nosso Senhor. Preveni o meu Director espiritual de tudo o que Nosso
Senhor me disse. Esperava o dia e a hora com grande aflição, pois nem eu nem o
meu Director fazíamos ideia do que se iria passar.
Na noite de dois
para três de Outubro, se era grande a agonia da alma, também foi grande o
sofrimento do meu corpo, começando a vomitar sangue e a sentir dores horríveis.
Vomitei bastantes dias seguidos e, durante cinco dias, não tomei alimento
algum. Foi neste sofrimento que eu fui para a primeira crucifixão. Que horror
eu sentia em mim! Que medo e, até, pavor!... É indizível a minha aflição”
(Autobiografia).
Aquelas horas
ficaram inesquecíveis na vida da Alexandrina. Sete anos depois, escreverá
ainda: “Tudo me estava presente: a data da minha primeira crucifixão; sete anos
passados, tudo vivi hora a hora, momento a momento. Senti os medios, os pavores
dessas horas amargas. Senti a grande aflição do meu Pai espiritual, nessa
ocasião junto de mim. Senti as lágrimas dos meus, que vi chorar aterrados”
(4-10-1945).
No próprio
aniversário, no ano de 1946, pelas mãos caridosas do médico assistente, sem
premeditação, foi toda ela ligada e posta sobre duras tábuas, pois os seus
ossos pareciam desconjuntar-se. Recorda ainda a sua primeira paixão, o terror
da Deolinda ao ser informada de que aquele tormento se repetiria todas as
sexta-feiras. De quanto tinha sofrido o seu Director, fala nestes termos:
“Experimentei ainda a dor de quando lhe pedi que tomasse alguma coisa e ele,
pelo contrário, de nada se alimentou, explicando-me mais tarde que o alimento
não lhe teria passado pela garganta”. A recordação tão viva e perene do facto
revela qual deve ter sido a atmosfera daquela casa, todas as sexta-feiras,
desde Outubro de 1938.
“Depois do
meio-dia (de 3 de Outubro de 1938), veio Nosso Senhor convidar-me assim: “Olha,
minha filha, o Horto está pronto e o Gólgota também. Aceitas?” Senti que Nosso
Senhor me aocmpanhou por algum tempo no caminho do Calvário. Depois senti-me
sonzinha, vendo-O a Ele lá no alto, em tamanho natural, pregado na cruz. Percorri
todo o caminho do Calvário sem O perder de vista: era junto d’Ele que eu tinha
de ir parar”.
A professora de
Balasar, íntima da família, escreveu aquilo que viu e ouviu neste êxtase
doloroso. Transcrevemos o que nos parece mais importante:
“À hora fixada
por Jesus, o nosso serafim de amor começou a sofrer por nós e por muitos
pecadores que ela quer salvar. Assisti a estes sofrimentos, mas não sei
descrevê-los. Sofreu desde o Horto até à Cruz. Oh, como tudo se reproduziu no
corpo frágil da Alexandrina! Quando Jesus lhe disse que se aproximava a hora
fixada, que tudo estava preparado para a vida dolorosa, passo a passo até ao
Calvário, ela, corajosa, Lhe respondeu: “Sim, Jesus, por Vós, e para salvar os
pecadores, tudo farei”.
Foi então que
sofreu a agonia, os flagelos, a coroação de espinhos, a prisão, o encontro com
a Mãe Bendita do Senhor, que ela fixou dolorosíssima, como os meus olhos não
viram nunca. As quedas forma tão visíveis, que não deixavam dúvidas. Depois de
haver tirado as vestes (4), com um gesto tão expressivo, ofereceu-se para a
cruxifixão. Na minha opinião, os sofrimentos aumentaram quanto apresentou as
suas mãozinhas brancas e depois os seus pés para serem cravados.
Passaram-lhe
também pelos lábios o fel e o vinagre. Depois a cruz foi fixada no chão. Foi
ela que bateu com os pés em terra, a indicar que a cruz era levantada. Que cena
chocante! Que tristeza nos indou a alma!
Seguiu a agonia
na cruz, com gemidos dolorosos e penetrantes. E o olhar! Não sei descrevê-lo. Suspirou,
suspirou muitas vezes e por fim abriu os olhos encovados, nas olheiras roxas,
inclinou a cabeça e morreu. Que cópia fiel da morte de Jesus!” (5).
“Terminada a
Paixão, a Alexandrina ergueu as mão, como para agradecer ou pedir graças,
depois levou-as ao rosto, como sinal de horror e disse: “Não, Jesus; não,
Jesus... Crucificai-me! Jesus, não; Jesus, não... Perdoai, perdoai, perdoai... Têm o mesmo direito que eu tenho, porque morrestes
na cruz por eles, como por mim. Jesus, eu quereria que nenhuma alma fosse para
o inferno: nem da minha paróquia, nem do mundo inteiro... Eu amo-Vos por
eles... Esquecei-Vos dos pecadores, Jesis.de todos os pecadores. Recordai-Vos
de mim, para crucificar-me... É mais horrível o inferno, ó Jesus!
... Oh, o novo
sofrimento que eu sinto! E se Ele (o Papa) não acredita? Eu sei, Jesus, que
será por meio da querida Mãezinha que virá a paz. E se Ele não fizer a
Consagração? Que todo o mundo saiba, meu Deus, que é pela paz que ele é
consagrado... Convém, Jesus, convém! Não quero, não quero morrer antes que o
mundo seja consagrado... Venha, venha esse dia!”
Até aqui, as
palavras da Professora D. Conceição, a íntima e fiel amiga dos Costas, que
durante vários anos foi encarregada de escrever quanto sucedia naquele
quartinho.
Para maior
compreensão do impressionante fenómeno que a professora de Balasar descreve
demasiado sucintamente, reproduzimos textualmente, corrigindo algumas
imprecisões em que cai involuntariamente a testemunha ocular, a descrição
publicada numa revista religiosa popular portuguesa.
Quem escreve, é o
Padre Terças, dos Missionários do Espírito Santo. A descrição dessa testemunha
ocular é de 29 de Agosto de 1941 (6). Assim narra:
“ Compareci lá com mais quatro sacerdotes, à
uma hora exacta da tarde do dia 29 de Agosto de 1941 (7).
Sendo o
primeiro a dirigir-me al leito da
piedosa vidente... ao divisar-lhe nos olhos sinais de profunda tristeza,
perguntei-lhe: -Alexandrina, então, o que é que sente?
-Tenho medio,
-diz ela com voz de amargura- ... Aproxiima-se a hora... (8).
O olhar foi-se
amortecendo, até que à uma e oito minutos da tarde se lhe cerraram as
pálpebras.
Entrara em
êxtase.
Minutos depois,
isto é, às
13.10 –manifesta
sinais da maior inquietação, e, ainda na cama, gesticula levemente, estendendo
a mão esquerda en atitude de afastar um adversário, que se aproxima.
13.12 –Solta
gemidos de aflição.
Volta-se para o
pavimento do quarto e, desprendendo-se da roupa da cama, cai de joelhos, num
movimento rápido (9), ficando debruçada no soalho (10). Encontrando-se em
espírito no Jardim das Oliveiras. A mão esquerda continua estendida e, com a
direita, procura ocultar o rosto
torturado e aflito.”
13.14 -... Apoia
os cotovelos no soalho e, no meio de suspiros de aflição, oculta o rosto com as
mãos.
13.15 – A contas
com inexplicável angústia, rola-se no soalho, ficando na posição em que Santa
Cecília foi encontrada nas catacumbas de Roma, isto é, o rosto sobre as mãos
juntas.
13.16 – Leve
movimento dos braços e suspiros de aflição. Aperta o rosto entre as mãos e
ouvem-se-lhe gemidos agudos. A respiração torna-se compassada e funda.
13.18 – Alonga os
braços em atitude de quem procura repelir um invasor. Ainda voltada sobre o
lado, cruza e aperta os dedos com aflição.
13.20 – Solta
gemidos mais pronunciados de sofrimento, e volta-se duas vezes, no sentido da
cama. Parece redobrar de angústia ao ver os sofrimentos de Jesus no Horto, e,
aflita, rola-se de novo como verme da terra na direcção da parede. Por cinco
vezes são gemidos de aflição acompanhados de convulsões dolorosas.
13.25 – A
Alexandrina ajoelha no soalho do quarto e toma, a seguir, posição de assentada,
apoiando-se nos pés, sempre com tormentosa aflição. Erguendo-se, e voltada para
a entrada do quarto, exclama com voz magoada:
- Não pudestes,
durante uma hora, vigiar comigo? Vigiai e orai, para não cairdes em tentação.”
13.27 – A piedosa
vidente ergue os braços ao céu e recolhe-os em cruz, para de novo cair
desamparada e de joelhos, de encontro ao pavimento do quarto. Fica então de
bruços, os cotovelos levemente distanciados e o rosto entere as mãos.
13.29 – Por duas
vezes, ergue levemente a cabeça e, de novo, cai de bruços com o rosto entre as
mãos (11).
13.31 – Rola-se
aflitivamente para a direita e geme. Ergue a cabeça um pouco, e deixa-a cair
desamparada no soalho, fora do espaço ocupado pela esteira.
13.32 – No meio
de indizíveis sofrimentos, dá duas voltas para a esquerda, ficando de bruços
como até aqui.
13.34 – Assiste à
luta de Jesus com o tentador, e passa as aflições que o Salvador padeceu. Apresenta
o rosto afogueado e, a seguir a duas séries de convulções, de quem treme de
pavor; cai prostrada no soalho, batendo desamparadamente com a fronte no chão,
fora também do espaço ocupado pela esteira.
13.38 – Ajoelha
aflita. Levanta-se vai sentar-se aos pés da cama e repete as palavras que ouve
do Salvador: -Vigiai e orai... A hora é grave.
Ergue as mãos ao
alto e reproduz as palavras de Jesus: -Meu Pai, sacrifica-me, mas salva o
mundo... o mundo que é teu!”.
13.43 –
Erguendo-se, vai ajoelhar um passo à frente, e cai desamparada no soalho,
gemendo aflitivamente. Volta o rosto para a esquerda, como a recear outra
investida do inimigo e, no meio de gemidos, oculta o rosto entre as mãos.
13.50 – Prostrada
por terra, rola-se duas vezes no sentido do porta do quarto e deixa cair,de
aflição, a cabeça, de encontro ao soalho.
13.54 – Continua
a gemer aflitivamente, apoiando-se nos cotovelos, segura a cabeça entre as
mãos. Contempla a agonia de Jesus no Horto.
13.57 – Rola-se
de novo, aflita, no sentido da porta, e, afastados os cotovelos, apoia a cabeça
nas tábuas do soalho. Fica assim algum tempo, em silêncio.
13.59 – Solta
gemidos mais torturantes, e é agitada da cabeça aos pés, com a violência dos
tormentos. Entra, a seguir, num período de relativo descanso.
14.2 – Por duas
vezes, deixa cair aflitivamente a cabeça de encontro ao soalho, ouvindo-se-lhe
suspiros de intensa agonia. Volta, no meio dos gemidos, a sentar-se no chão,
mas junto aos pés da cama.
14.4 – Eerguendo
as mãos para o céu, repete as palavras que ouve pronunciar a Jesus, dizendo:
-Meu Pai, eu quero salvar o mundo. Imolaa-me em cada momento. Eu quero dar o meu
sangue pelos homens. Não me poupes ao sacrifício.
Nesta altura, a
vidente cruza as mãos no peito e inclina-se, como a perscrutar o que se passa
nas trevas. Vê ao longe os soldados, com Judas à frente, e chama pelos
apóstolos. Senta-se na cama, onde toma leve repouso. Em breve, porém, levanta a
mão esquerda em atitude de repulsa e, ao sentir os soldados que se aproximam,
exclama para os discípulos:
-Levantai-vos,
que é chegada a hora. Vinde daí, e vamos.
14.6 – Reproduz
as palabras de Judas! –Salve, Mestre... E ouve com repugnância o beijo do
traidor. Com a mão esquerda, faz sinal aos soldados, caídos por terra. Ao ver,
porém, o Senhor preso, oferece, ela também, as mãos aos aprisionadores.”
“Quando Jesus é
levado para a casa de Anás, exclama:
- Todos me
abandonaram, até os que eram meus amigos!- palavras que Alexandrina reproduz
com expressão de intensa amargura. Quando o Salvador foi arrastado numa parte
do trajecto, a vidente, seguindo-lhe os passos, deu algumas voltas no quarto, a
muito custo e de joelhos. Referindo-se a Anás, Alexandrina pinta o retrato
moral deste Príncipe dos Sacerdotes, dizendo: -É velho, astuto... velho e
soberbo. É o mesmo a quem Jesus, pregando no templo, tantas vezes confuindiu.
14.10 – Presente
Jesus no tribunal, ela sentada no pavimento do quarto, toma a atitude de tudo
escutar atentamente, e repete as palavras do Salvador: -Eu ensinei na sinagoga
e no Templo... Para que me perguntas? Interroga aqueles que ouvim o que lhes
preguei...
14.12 – Às
palavras do soldado: -Assim respondes ao pontífice? –Alexandrina, erguendo-se
dá com a mão direita uma violenta bofetada na face esquerda dela. Alguém ao
lado murmurou: -Na verdade foi com a direita que o soldado esbofeteou a Cristo
e, na face esquerda, é que Jesus sofreu o golpe.
14.13 – Ao ser
levado para o tribunal de Caifás, Jesus deparando com Pedro, diz-lhe assim:
-Pedro, juraste-me fidelidade. Eras o meeu discípulo mais querido, o amigo do
meu coração. O teu arrependimento há-de fazer-te outra vez meu.
No tribunal,
depois de interrogado insidiosamente por Caifás, diz-lhe Jesus: -Mas quão longe
estás de ver a luz!
A piedosa vidente
reproduziu estas e as anteriores palavras do Salvador, sentada no soalho e
voltada ao poente, como alguém que tudo está observando, à distância. Contrariado
e aborrecido com a falta de provas contra Jesus, Caifás exclama, voltado para
os colegas do tribunal: -Temos de acabar com este homem, quanto antes!
Foi então que
dirigiu a Jesus la pergunta:
- És tu o Cristo,
Filho de Deus?
- Tu o dizes, Eu
o sou...
Da casa de
Caifás, Jesus é levado para o tribunal de Pilatos, e de lá para Herodes,
trajecto seguido pela vidente, arrastando-se de joelhos em volta do quarto. Ao
regressar de Herodes à casa do Procurador romano, Alexandrina reproduz a
seguinte reflexão do Salvador:
- Ser tratado
como louco pouco importa, se tenho almas para salvar!
No tribunal de
Pilatos, a vidente repete as palavras pronunciadas pela multidão, entre elas as
seguintes:
- Crucifica-O!
Crucifica-O!
E as de Cláudia,
ao Governador:
-Não haja nada
entre ti e este justo!”
Primeiro
momento da flagelação (12)
14.24 – Quando
Jesus era levado para a coluna, a piedosa vidente dirige-se para junto do
leito, e nele apoia as mãos. Ao ver Jesus flagelado, recebe sobre ela os golpes
vibrados no Senhor, vendo-se quanto ela sofre, pelas convulsões violentíssimas,
produzidas pelo azorrague (flagrum), e pelos gemidos angustiosos que lhe
escapan dos lábios.”
O segundo grupo
de carrascos vem substituir os primeiros, fatigados de tanto flagelar. Os
golpes vibrados em Jesus, já horrivelmente torturado, vêm atingir também a
martirizada Alexandrina. O Senhor, no meio do tormento, fita os olhos no céu e
exclama: -Por teu amor, ó Pai, eu quero e abraço a tua cruz!
Nessa altura,
ouvem-se dos lábios da Alexandrina suspiros dolorosos que se prolongam,
manifestando, a seguir, sintomas repulsivos de vómitos que –expllica no fim- é
a impressão que ela sente do ódio dos judeus que, no rancor para com Jesus, iriam
até ao ponto de lhe arrancar as vísceras (13).
A vidente suspira
de novo e reproduz as palavras do Salvador, no meio da tortura:
- Pai, por Ti e
para Te dar as almas!”
Terceiro
momento da flagelação
Os golpes
vibrados no Senhor, alongando-se até à piedosa vidente, obrigam-na a
contorcer-se de dor, no meio de pungentes gemidos. Jesus exclama de novo:
- Por Ti, ó
Pai... E por Teu amor!
14.32 –
Alexandrina cai de joelhos, com o rosto apoiado no leito. De novo, geme em
convulsões dolorosas, sofrendo torturas aflitivas, sempre que os judeus
exteriorizam o ódio rancoroso contra Jesus.”
14.36 – O Senhor
é de novo flagelado, estendendo-se os golpes até à pessoa da martirizada do
Calvário, que passa por tomentos indizíveis.
14.38 – Repete as
palavras que ouviu ao Salvador, no meio de tanto sofrer: -Pai, é por Ti e pelas
almas!
Aalexandrina,
tendo-se erguido, cai de joelhos, mais uma vez, junto do leito, torturada pela
agudeza dos sofrimentos. Finalmente, toma breve repouso, encostada ao leito.”
14.39 –
Continuando a flagelação do Senhor, sofre ela, de novo, violentas convulsões em
todo o corpo, e cai torturada de encontro ao soalho. Em breve, porém, ergue-se
e volta, fatigadíssima, a sentar-se no chão, entre a irmã dela e o leito, a que
se encosta. Erguendo os olhos ao céu, repete o que ouve de boca de Jesus:
- Meu Pai, meu
Pai, quem não há-de amar-Te?
Termina assim a flagelação, nas costas do Salvador. A vidente aproxima, então, a cabeça da margem da cama e encosta-se, mas apoiando o rosto nas costas da mão direita. Não sofre. É um alívio que Jesus lhe dá, para aguentar o resto da Paixão... (14).
... No final,
desprendido da coluna, é Jesus atado de cosstas, para ser flagelado no peito.
14.41 – A piedosa
vidente sofre por três vezes mais flagelos e solta novos gemidos de aflição. Aos
golpes do flagrum no Senhor, passa ela por violentas convulsões, tais são os
ferimentos que, de Jesus, vêm até ela.
14.44 - Terminada a última flagelação, cai prostrada
no soalho, apoiando a cabeça no bordo da cama.
14.45 –
Acompanhando o Salvador, em direcção ao lugar da coroação, dirige-se ela, de
joelhos, até junto da parede do quarto e assenta-se. Toma parte nos tormentos
do Senhor, recebendo misticamente a coroa de espinhos. Sofre e geme
aflitivamente, com Jesus. A cabeça treme-lhe com a agudeza das dores,sempre que
os espinhos são cravados na cabeça do Salvador. Durou 28 minutos este período
de tortura (15).
15.13 – Ao serem
impostos a Jesus os madeiros da cruz, ouve estas palavras pronunciadas pelo
Salvador, no momento em que Ele passava diante do Governador romano: -Pilatos, eu terei compaixão da fraqueza da
tua alma...
A seguir, de
joelhos, vai até à porta do quarto e senta-se.
15.21 –
Alexandrina leva com o Salvador a cruz aos ombros e, de joelhos, vai seguindo o
Mestre (16).
15.25 – A piedosa
vidente acompanha a Jesus, na primeira
queda, batendo, ao cair, com a fronte, de encontro ao soalho. No momento de
arrastrarem o Senhor, pois levavam Jesus de rastos, puxando-Lhe os soldados
pelas cordas que O prendiam, a piedosa vidente arrastou-se, também no soalho. Para
voltar de novo a tomar a cruz.
15.28 – Ao
assistir à segunda queda do Salvador, Alexandrina, caindo também, sofre uma
dolorosa contusão, ao bater com a fronte no soalho. Tal como o Senhor,
arrasta-se ela, de novo, até junto da porta do quarto, para de lá retomar a
parte da cruz que o Esposo celeste lhe envia.
Jesus, outra vez
a caminho do suplício, encontra a Sua Santa Mãe, e Alexandrina, erguendo-se,
repete as palavras que ouviu pronunciar a Jesus: -Minha Mãe, o meu Coração fica
ligar ao Teu... (17).
Profundamente
comovedor foi, porém, o olhar de compaixão da Alexandrina, ao fixar o rosto
aflitivo da Santíssima Virgem, quando a Mãe de Jesus deparou com o Divino
Filho, quase a desfalecer, seguindo por caminho tão aspero, sem amparo nem
conforto.
15.31 – A piedosa
Vidente sofre nova tortura e cai novamente no pavimento do quarto, magoando-se
nos braços e na cabeça. Foi só depois da terceira queda do Salvador, que
intimaram o Cireneu a levar a cruz (18).
O Salvador ia
descalço e por terreno pedregoso. Foram os esticões propositados das cordas,
que os carrascos empunhavam, que O fizeream tropeçar e cair.
Ao ver que ao
Senhor, já no Calvário, tiravam os vestidos, Alexandrina, estando de pé, fez o
gesto de também se desfazer do vestido dela, chegando a desprender os dois
botões, junto do pescoço. Ajoelha, a seguir, fixa a cruz, estende-se nela e
apresenta a mão direita para ser cravada no madeiro. Sofre dores torturantes,
ao ser pregada com Jesus, nas duas mãos e pés.
... Continuavam
entretanto os sofrimentos de Alexandrina, pregada na cruz. Os princípes dos
sacerdotes e o povo blasfemavam, dizendo para o Salvador: -Se és tu o Rei dos
judeus, desce dessa cruz.
Jesus pronuncia
neste momento as seguintes palavras, que a Vidente repete com suave amargura:
-Meu Pai,
perdoai-lhes que não sabem o que fazem.
Como Gestas, o
mau ladrão, blasfemasse também, Dimas constituiu-se advogado do Senhor, dizendo
para o outro ladrão: -Nós estamos aqui em castigo dos nossos crimes. Este,
porém, (olhando para Jesus) nenhum mal fez.
Alexandrina
repete, a seguir, com voz melodiosa, as palavras do Senhor, quando disse para o
bom ladrão: Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso!
Levantando os
olhos ao Céu, a piedosa Vidente continuou reproduzindo o que ouviu ainda da
boca do Salvador a respeito do bom ladrão: -Pai, quero que onde Eu estou, ele
esteja também, e que o meu Reino seja o reino dele.
15.37 – No meio
de atrozes sofrimentos, Alexandrina continua estendida de costas, no chão, de
braços abertos, pregada naquela cruz misteriosa (19), soltando gemidos
aflitivos. Pouco depois, fitando os olhos em alguém, que muito ama, repete as
palavras de Jesus: -Mulher, eis aí o teu filho! E, para João: -Eis aí a tua
Mãe!
15.40 – Solta um
gemido prolongado, doloroso e penetrante, de alguns segundos, e exclama, a
contas com uma inexplicável amargura: -Meu Pai, por que é que me abandonaste?
Ao ouvir a
palavra sitio, “tenho sede”, nada diz, mas leva aos lábios os dois dedos,
apontador e polegar da mão direita, em sinal de fogo que lhe devora as
entranhas. Respira fundo e geme, ficando em silêncio por algum tempo.
O peito de
Alexandrina arqueja aflitivamente, parecendo por vezes que a respiração se lhe
paralisou.
15.50 – Pouco
depois, ouve-se de novo um gemido prolongado, aflitivo, daqueles gemidos tão
comovedores e impressionantes que, ao fim de meses, se reproduzem ainda
vivos...
a seguir, a
torturada paciente exclama: -Tudo está consumado!
A respiração
fica-lhe por momentos suspensa. Por fim, o peito dilata-se, numa tortura de
morte. Ouvem-se novos gemidos prolongados, de sofrimento inexplicável. É a
derradeira agonia. De novo, com voz amortecida, deixa escapar o último gemido,
doloroso, aflitivo e penetrante, como a despedir-se do mundo inteiro, e
exclama: -Nas tuas mãos (ó Pai) encomendo o meu espírito.
Ao fim, porém, de
alguns momentos, a Alexandrina, sempre em êxtase, volta o rosto para o céu,
numa fisonomia radiante.
O peito
arqueja-lhe e alonga os braços, erguidos para o alto. É Jesus que vem
misticamente abraçá-la em agradecimento do muito que ela sofreu pela salvação
dos pecadores.
E deixou cair
suavemente a cabeça para o lado esquerdo. Aos olhos da assistência, Alexandrina
tinha expirado. Nem um movimento, nem mais um sinal de respiração. Estava morta
ou parecia morta, e assim ficou uns trinta segundos (20).
Assiste-se
imediatamente ao mais afectuoso e angélico diálogo entre uma criatura mortal, a
Alexandrina, e o Divino Jesus, cujas palavras a vidente repete.
Naturalmente, o
objecto e as palavras desse diálogo de todas as sextas-feiras são sempre
diferentes, embora o escopo seja um só: da parte de Jesus, a apresentação do
problema: “pecadores a salvar”; e da parte de Alexandrina sempre “novas
violências para lhes obter a salvação”.
Paara un
conhecimento completo, reproduzimos o colóquio tido no dia em que o Autor da
descrição acima referida assistiu à Paxião.
FALA JESUS –Jesus
ama tanto os pecadores!... Odeia as suas ofensas, mas ama as suas almas! Jesus
tem o Coração aberto para a todos receber. Jesus verte lágrimas sem conta e
sangue com abundância. O mundo está coberto de lodo e lama... Os vícios e as paixões
atingiram a maior altura.
Que loucura a dos
pecadores e que ingratidão para com Jesus! Tanto sangue derramado e tanto
sofrimento inútil! Pobres pecadores!... Jesus chama-os com amor. Jesus quere-os
a todo o custo. Jesus imola as vítimas para conseguir salvá-los. Jesus imola a
crucificada deste Calvário para dar a luz às almas.
É sofrimento
inigualável. É vítima maior da humanidade. (21) Jesus imola-a porque a ama. Jesus
cricifica-a pelos pecadores.
FALA ALEXANDRINA
–Não poupeis a minha dor, mas fazei que eu poupe a dor do Vosso Divino Coração.
Não posso ver o
sangue que flui desse coração tão amante! Tomai todo o meu corpo, Jesus tomai
todo o meu sangue para Vós. Quero derramá-lo dia e noite.
Quero sofrer sem
cessar um momento, mas quero que reine o Vosso Amor! Quero apagar com o meu
sangue os scrimes que tanto Vos ofendem.
FALA JESUS –
Basta! Basta! Louca! O Coração de Jesus está consolado... a dor de Jesus fica
na guerreira das almas, na salvadora da humanidade (22).
Como é belo e
deslumbrante o trono que está preparado para a louquinha de Jesus! Que coroa
tão rica e brilhante, que o Farol divino reflectiu no farol da terra, na
heroína de Jesus!
FALA ALEXANDRINA
– Jesus, estou cheia de vergonha. Não posso admitir as Vossas palavras. Tende
compaixão de mim, que estou cheia de miséria. Recebei o meu para ser imolado.
Eu sou ingrata
convosco, ó meu Jesus, mas quero dar-Vos as almas!
FALA JESUS – O
Coração de Jesus está consolado. A dor de Jesus fica na guerreira das almas, na
salvadora da humanidade.
FALA ALEXANDRINA
– Sim, meu Jesus, quero sofrer, quero dar-Vos as almas. Quero sofrer, mas quero
ver o vosso Amor incendiar todos os pecadores da terra.
Sou tua, Jesus! Vou
visitar-Te, vou adorar-Te! Vou adorar-Te!
Ergueu-se do
pavimento onde estava crucificada, e ajoelhando, entoa, com voz maviosa, um
sauvíssimo hino, voltada para a igreja paroquial.
“Em Teu Coração,
Jesus, em Teu Sacrário de Amor, minha alma encontra o abrigo, toda a doçura e
amor.
Vem, Jesus, vem
ao meu peito; vem, vem ao meu coração. Repousa em mim, ó Jesus, repousa no meu
coração”.
Sou tua, ó Jesus,
e sem Ti não posso viver. Tu és a minha vida. Tu és o meu amor! Vem depressa, ó
Jesus, e não Te separes mais de mim!”
Deixando a
janela, donde se vê a igreja da freguesia, volta-se para a imagem de Nossa
Senhora de Fátima, carinhosamente ornada de flores, numa peanha, ao poente do
quarto:
“Mãezinha,
Mãezinha, ó terna e doce Mãe dos pecadores, pede a Jesus o perdão para eles e
para o mundo inteiro.
Mãezinha, quem
ama o teu Jesus, ama o teu Coração. Quem ama o teu coração, ama o teu Jesus.
Mãezinha,
compadece-te da terra culpada. Mãezinha, Mãezinha, salvao o mundo teu.
Mãezinha,
Mãezinha, abençoa todos los filhos de Jesus e a todos dá o teu amor e a tua
bênção”.
Terminados estes
colóquios celestes, a Alexandrina volta ao leito e deita-se. A irmã Deolinda
cobre-a e, depois de poucos instantes, ela abre os olhos, como uma criança que
acorda do sono, mas apresenta visíveis sinais de um certo cansaço e manchas
roxas no rosto, no pescoço e me todo o corpo. Fixa os olhos nas pessoas que a
cercam, confusa, mas esboçando um sorriso. Assim, também naquele dia a Vidente
de Balasar terminou (se pode afirmar que tenham terminado) as suas dores (23) e
seu canto de amor reparador. É a sua missão: sofrer pelos pecadores e reparar o
amor ofendido de Deus. O Autor citado diz que o hino de Alexandrina e as suas
palavras pareciam mais de um anjo do que de uma criatura: davam a impressão do
gorjeio de um passarinho celeste que canta os louvores de Deus, à solta numa
floresta imensa.
Confesso que
nunca teria compreendido nem imaginado a embriaguez espiritual duma Madalena de
Pazzi se não tivesse visto a Alexandrina arrebatada em transportes e ânsia de
amor. Estas ânsias de amor eram de tal modo veementes, que se via aquele corpo
paralisado lançar-se de joelhos ou também em pé sobre o lieto, em
arrebatamentos que a transformavam, de modo a parecer um serafim de fogo.
À margem da
estrada principal de Balasar, mesmo diante da igreja paroquial dedicada a Santa
Eulália, existe uma capela, construída em honra da Santa Cruz.
Como, mais de uma
vez, nos êxtases da Alexandrina, Jesus se refere à cruz daquela terra,
aparecida no longínquo mês de Junho de 1832, conforme se diz no capítulo
primeiro, procurámos diligentemente notícias sobre a humilde capelinha.
Veio ao nosso
encontro o actual pároco da aldeia, com um seu artigo publicado a 3 de Dezembro
de 1955, no semanário do concelho da Póvoa de Varzim “Ala Arriba”;
transcrevemo-lo textualmente. Trata-se de um documento existente na Cúria de
Braga, cuja cópia se conserva nos arquivos paroquiais de Balasar.
O Pároco de
então, Padre António José de Azevedo (1832), narra a aparição duma cruz, num
relatório dirigido ao Rev. Dr. António Pires de Azevedo Loureiro, representante
do Vigário Capitular, ausente e encarregado do governo do Arcebispado de Braga,
então vacante. Eis o relatório:
“Ex.mo. e Rev.mo.
Señor:
Dou parte a V.
Rev.a de un caso raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar. No
dia do Corpo de Deus próximo pretérito, indo o povo da missa de manhã em um
caminho que passa no monte Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a
terra: a terra que demonstrava esta cruz era de cor mais branca que a outra e
parecia que tendo caído orvalho em toda a mais terra, naquele sitio que
demonstrava a forma da cruz não tinha caído orvalho algum.
Mandei eu varrer
todo o pó e terra solta que estava naquele sítio, e continuou a aparecer como
antes no mesmo sítio forma de cruz.
Mandei depois
lançar água com abundância tanto na cruz como na mais terra em volta, e então a
terra que demonstrava a forma da cruz apareceu de um cor preta, que até ao
presente tem conservado. A haste desta cruz tem 15 palmos de comprido e a
travessa 8.
Nos dias turvos,
divisa-se com clareza a forma da cruz en qualquer hora do dia, e nos dias de
sol claro vê-se muito bem a forma da cruz, de manhã até às 9 horas, e de tarde,
quando o sol declina mais para o ocidente, e no mais espaço do dia não é bem
visível.
Divulgada a
notícia do aparecimento desta cruz, começou a concorrer o povo a vê-la e a
venerá-la. Adornavam-na com flores e davam-lhe algumas esmolas”.
Até aqui o
documento.
Com tais esmolas,
os habitantes da terra pensaram em erigir nesse lugar uma capela, para
conservar e defender de um modo respeitoso aquele sinal sagrado. O Pároco, com
a consciência de que nem ele nem o povo podiam dispor do dinheiro oferecido,
pediu à Cúria as devidas licenças para a citada construção.
Uma recordação,
que assim ficava sepultada e muda. Chamada pela Alexandrina a nova vida, ela
lança uma mensagem: “Do madeiro da cruz, a vitória!”
Encontrámos nos
escritos da Alexandrina três referências àquela “cruz”; citamos a mais recente,
que é de 21 de Janeiro de 1955. no êxtase da Alexandrina, Jesus diz: “Há mais
de um século que mostrei a cruz a esta terra amada, cruz que veio esperar a
vítima. Tudo são provas de amor! Ó Balasar, se não correspondes!...
“Cruz de terra
para a vítima que do nada foi tirada, vítima escolhida por Deus e que sempre
existiu nos olhares de Deus.
Vítima do mundo,
mas tão enriquecida das riquezas celestes, que ao Céu dá tudo e por amor às
almas aceita tudo.
Confia, crê,
minha filha. Eu estou aqui. Repete o teu creio.
Confia! Toda a
tua vida está escrita e fechada a chave de ouro. Aqui a tenho nas minhas
mãos...”
Na história das
almas tudo está ligado com o sinal-da-cruz e a alusão à primeira aparição
divisa-se qual prelúdio de um outro requintado acto de amor do Cristo Redentor
pelos seus remidos.
Passaram cem
anos... a pequena capela lá está, quase sempre fechada, a testemunhar um facto
que o povo transmitira, tecendo à sua volta alguma fantasia, mas a que as novas
gerações não dão já demasiada importância.
A vida da
crucificada de Balasar vem agora lançar um raio de luz sobre o acontecimento
misterioso, que o documento descreve sucintamente e que a fé dum povo quis
perpetuar na lembrança de todos com um humilde monumento.
(1) Cfr. P. Arintero, La evolución mística, vol. II, cap. VIII.
(2) Heb. VII, 25
(3) Quotiescumque
manducabitis Panem hunc… mortem Domini anuntiabitis (I Cor, 11, 26; Filip. II,
5,8)
(4) Reproduzia,
só com uma mímica bastante expressiva, a cena de Jesus despojado de seus
vestidos, antes de ser crucificado.
(5) O Director,
depois desta primeira Paixão, ordenou por obediência, à vidente, que não
descesse do leito. O Senhor, pelo contrário, insistiu em a deixar livre. Depois
de algumas semanas, o Director retirou a ordem, e desde então a Paixão
desenroluo-se no pequeno espaço em volta do leito da doente.
(6) os subtítulos
das várias fases são também do autor. A publicação trouxe grandes sofrimentos à
Alexandrina, inimiga de quanto atraísse sobre ela as atenções estranhas. Nela
se repercutiu o desgosto de quem a dirigia, que encontrou no artigo, além da
inoportunidade da publicação, imprecisões históricas e de técnica linguística,
que davam motivo a interpretações erróneas, no campo científico, em volta do
fenómeno da Paixão. A descrição, todavia, tem muito valor, pelo “controle”
cronológico do facto. Dela nos servimos por este motivo, e indicaremos, em
nota, as nossas correcções.
(7) Segundo as
disposições da Autoridade Eclesiástica, podia assistir-se à Paixão da
Alexandrina, com uma licença escrita do seu Director espiritual ou seu
delegado. Só Deus sabe quanto custava à vidente a presença de pessoas
estranhas.
(8) Este
sentimento forte de medo, assaltava-a muitas horas antes e tornava-se mais
esmagador à medida que se aproximava o meio-dia solar. O medo era muitas vezes
acompanhado de uma tristeza interior e profunda, de náuseas, e de uma sensação
de isolamento arrepiante, que nem sempre a Alexandrina conseguia esconder
totalmente. (Na descrição segue-se a hora legal portuguesa, em que os relógios
andam adiantados uma hora. Propriamente, a paixão começava às doze horas
solares).
(9) A este
movimento, o médico assistente chamava-lhe “quase levitação”. Com tal vocábulo,
o Dr. Azevedo, de probidade provada, sagaz observador e estudioso apaixonado,
não quer atenuar a realidade do facto –a levitação- mas chamar logo a atenção
sobre a causa do mesmo, para não confundir-se con outras, certamente diversas,
que provocam, natural ou artificialmente, fenómenos análogos.
(10) A
Alexandrina, durante todas as manifestações, conserva-se em êxtase ininterrupto
por três horas e meia: não via nem ouvia senão aquilo que lhe era dado
contemplar da Paixão de Jesus. Verificou-se. Porém, que obedecia ao seu
Director ou a algum seu delegado, não só a ordens explícitas mas também àquelas
dadas só mentalmente. O médico assistente, Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo,
foi dos mais assíduos: observava e anotava. Outros médicos, enviados pela
Autoridade Eclesiástica, no intento de verificar qualquer fraude ou existência
de forças de ordem natural –agentes de fenómenos- fizeram muitos exames e
punções violentas na já martirizada jovem, sem que ela a nada reagisse. O
depoimento unânime foi de que os factos eram naturalmente inexplicáveis. Foi
notado qualquer movimento brusco, como a descida do leito, o rolar-se o
arrastar-se no sentido dos pés, tudo fazia com uma tal composstura e modéstia,
que nunca foi necessário compor-lhe uma só prega do comprido vestido. “Tinhamos
a sensação que tivesse ao lado um anjo a conservar-lhe aderentes as roupas”. É
este o depoimento unânime dos presentes (Nota do autor)
(11) A boa
Deolinda, para aliviar as dores desta queda, estendia antes sobre o pavimento
uma esteira e uma coberta. No lugar onde, quando estava na cruz, Alexandrina
apoiava a cabeça, punha um travesseiro. Esta fraternal delicadeza foi só
possível usá-la depois de haver assisstido várias vezes ao fenómeno, e de haver
localizado as várias fases do doloroso caminho, que tinha estações fixas e
lugar determinado.
Quanto ao número
de flagelações ou das quedas no caminho do Calvário, de que se fala na vida dos
místicos, -em nossa opinião- não têm valor de documento histórico. O Senhor,
dando às almas esta forma de contemplação dolorosa, tem o fim, antes de tudo,
de purificar as almas para as unir mais a Ele, e, depois, o de beneficiar, com
tais sofrimentos, outras almas.
Ninguém pode
proibir que Deus intensifique, nos seus místicos, mais este ou aquele seu
tormento da Paixão, de acordo com o escopo que, nos seus imperscrutáveis
desígnios, se propõe. A história dolorosa sobre que se apoia a nossa Fé, é
transmitida pelos Evangelhos. As Paixões sofridas pelos místicos, tomadas
naturalmente no seu conjunto como reprodução dum facto histórico simplesmente
podemos conservá-las como confirmação de quanto o Evangelho nos há transmitido.
A esta confirmação apenas se presta uma fé humana (Nota do autor)
(12) O suplício
da flagelação precedia ordinariamente a execução capital. Instrumentos da
flagelação não eram as varas, reservadas al cidadão romano, mas o grosso açoite
de tiras de coiro, armado de cadeias, com ossinhos ou bolinhas de chumbo ou
pontas de metal com várias formas. Alexandrina descreveu-no-las precisamente
assim. As costas, o peito, o ventre, o rosto do supliciado eram golpeados ao
arbítrio dos flageladores, que não limitavam a 39, como então usavam os judeus
(II Cor., XI, 24), os seus golpes. No caso de Jesus, como no de Alexandrina, os
flageladores são soldados romanos.
O Padre Terças,
na sua revista “Paixão dolorosa”, Vol, V, 1941, descrevendo a Paixão sofrida
pela Vítima de Balasar, fala de “primeira, segunda ... flagelação”. Nós julgamos seja mais acertado dizer “primeiro,
segundo momento da flagelação” porque mais próximo da verdade. O mesmo autor
usa o termo “convulsões” e nós o traduzimos, depois de falarmos com o Dr.
Azevedo, pela palavra “contracções”.
(13) Esta explicação
deu-a ao Director Salesiano.
(14) É uma
explicação que nos foi dada pela irmã, Deolinda. A Alexandrina afirmou-nos que
algumas vezes Nossa Senhora lhe aparecia a dar-lhe alívio e infundir-lhe força
para suportar aqueles martírios (Nota do autor)
(15) Alexandrina
explicou-nos que não se tratava somente de uma coroa em volta da cabeça, mas de
um capacete de espinhos que lhe cobria toda a cabeça. Não os podia fixar sem
receber dolorosas impressões. O rosto de Jesus do Santo Sudário de Turim,
achava-o em tudo semelhante (Nota do autor).
(16) Neste
momento o Dr. Azevedo convidou um dos sacerdotes presentes a levantar do chão a
vidente, a caminho do Calvário com a cruz. Foi escolhido o mais robusto. Tomou-a
pelos braços, mas todos os seus esforços foram inúteis. O sacerdote explicou:
“Com toda a miha força, não consigo!” Alexandrina pesava nesse tempo 40 quilos.
“Um dia, estava
presente o famoso psiquiatra Dr. Elisio de Moura, meu conhecido. Um homem que
dominava em psiquiatria as situações mais difíceis e delicadas. Quis removê-la. Tirou o casaco e com modos bruscos e
voluntariosos, tomou Alexandrina pelos braços. Suava. Não a moveu nem um
centímetro sequer, antes pelo contrário, a um movimento improviso da Vidente, o
psiquiatra caiu para trás, de pernas para o ar”.
“Amigos da casa
dos Costas, vários homens, prepararam um dia uma balança, decididos a descobrir
o peso da cruz de Jesus. Os seus esforços para levantarem Alexandrina de nada
valeram”. “O Director, durante a subida da Alexandrina ao Calvário, recordou-se
certa vez, de impor-lhe que lhe dissesse o peso da cruz. A Vidente, obediente,
simples e solene, respondeu, sempre en êxtase: “A minha cruz tem um peso
mundial”. Resposta profundamente teológica! De facto, sobre a cruz de Jesus
pesavam todos os pecados da humanidade, desde a origem até ao fim do mundo. Alexandrina
dizia-nos que o mesmo peso o sentia sobre si na agonia de Horto: ali em certo
momento, ela sentia-se como que esmagada entre o cúmulo dos pecados e o peso da
justiça divina, com a sensação de quem se encontra entre os cilindros duma
prensa” (Nota do autor).
(17) Alexandrina
narrava-nos o que Jesus sentia e ela com Ele: “Obrigada pelos soldados a
separar-me da Virgem, prosseguia, enquanto olhos e coração, como ligados por
fortes cadeias aos da Mãe, parecia que me fossem cruelmente arrancados,
aumentando-me a agonia daquela subida” (Nota do autor).
(18) Aliviado o
Salvador do pesado madeiro, o Sacerdote de que se falou, foi novamente
convidado pelo Dr. Azevedo a levantar Alexandrina, que se arrastava de joelhos,
e conseguiu-o sem esforço. A explicação é evidente: a primeira vez eram dois
pesos, e agora havia só o da Vidente (Nota do autor).
(19) Interrogada
sobre o formato da cruz, a Alexandrina explica que não é o da cruz usual, mas
consta de um tronco vertical, coberto por outros dois com a forma de V.
Maiúsculo (Mais ou menos como um Y grego. Relembra a cruz usada para os
escravos como suplício).
Perguntou-se-lhe
ainda porque é que, enquanto a cravavam na cruz, estendia dolorosamente os
dedos para tocarem os pulsos e não as palmas das maõs. Alexandrina respondeu:
“Porque Nosso Senhor não foi cravado nas mãos, mas nos pulsos”. Alguém, no
período de estudo destes fenómenos, tentou em vão destacar-lhe um braço de
chão, depois que fora cravada na cruz. Outra particularidade digna de nota:
logo que Alexandrina ficava cravada, girava por alguns instantes de bruços, e
depois ficava colocada na sua posição, deitada de costas. Interrogada sobre o
motivo deste movimento, explicava: “Porque naquele momento voltam a cruz de
Jesus para rebaterem os cravos”. A visão ficou-lhe tão dolorosamente impressa,
que desde então em diante absteve-se cuidadosamente de manter naquela posição o
pequeno crucifixo que conservou sempre, escondido na coberta, sobre o peito
(Nota do autor).
(20) Será
supérfluo dizer que todos aqueles que assistiam a estes factos, num certo
momento, sustendo quase a respiração, ficavam imersos no mais absoluto e
religioso respeito; em silêncio profundo enxugavam os olhos banhados de
lágrimas, sentido-se como que às portas de Jerusalém, como assistentes
privilegiados da morte de Jesus. As contusões, cuasadas pelas quedas, e as
manchas roxas, visíveis em muitas partes do corpo da Alexandrina e produzidas
pelos vários tormentos, desapareciam depois de breve tempo. Pela história
conhecemos que a Alexandrina, dispossta a sofrer tudo, pediu sempre ao Senhor
que não deixasse estigmas ou outros sinais visíveis dos seus sofrimentos
misteriosos (Nota do autor).
(21) Também de
Abraão (Eccl. 44, 20) o Espírito Santo diz: “Não houve outro semelhante a ele”;
a Igreja aplica esta frase a cada confessor pontífice. Que valor dar a esta
definição? Os mestres dizem que o Esposo Divino, quando une a si a alma, a
trata como a sua “única”. “Uma é a minha pomba, a minha perfeita” (Cap. VI, 8).
E faz isto com cada alma que a Ele se entrega.
(22) Nestas almas
privilegiadas vê-se tão bem reproduzida a imagem do Homem-Deus, que nelas
costumam aparecer também exteriormente, certos atributos gloriosos e talvez
divinos (Cfr. P. Arintero, La evolución mística, cap. V. –San Basilio, De
Spiritu Sancto, IX). Este título de “salvador” traduz o “completo aquilo que
falta às tribulações de Jesus Cristo” (Col. I, 24), que Cristo não pode já
suportar, mas faz parte das fadigas do apostolado...
(23) A volta dos
cinco anos em que a dirigimos (1944-1949), teríamos podido contar pelos dedos
as brevíssimas fases de alívio nas suas dores. Breves eram também as doçuras
que o Senhor lhe dispensava, quase no fim dos êxtases dolorosos, para
infundir-lhe vida e força para a sua dolorosa missão. Podemos afirmar que, como
Santa Teresa, Alexandrina não passou nunca, nem sequer um dia, sem gravíssimos
sofrimentos. Quem recebeu as suas confidências pode dizer quão amarga impressão
a assaltava quando, no fim dos êxtases, via ao seu lado qualquer pessoa
estranha. Era um outro género de dor, mas Deus sabe quanto lhe custava.