As histórias verdadeiras da Páscoa

por Lisa Doege, ministro, Primeira Igreja Unitária, South Bend, Indiana 

      Eu comprei um livro fascinante por um dólar ontem no Farmers’ Market, intitulado “The supernaturalness of Christ: can we still believe in it?” (A sobrenaturalidade de Cristo: ainda podemos crer nela?), de Wilbur M. Smith, D. D. Publicado em 1940, ele responde à pergunta do título com um ressonante “sim”, e sustenta essa resposta com diversos argumentos, tanto de historiadores como de teólogos. Em minha opinião, a única coisa mais idiota que crentes tentando provar, racionalmente e cientificamente, aquilo que deve ser aceito apenas pela fé (sob o risco de perder todo o seu significado e poder) é não-crentes tentando negar as mesmas histórias, racionalmente e cientificamente.

      Para mim, a verdade sobre a Páscoa, tanto a judaica quanto a cristã, é simplesmente isto: os fatos não importam. Nada disso importa. Não importa que a Páscoa cristã é celebrada a partir de antigos festivais de Primavera pagãos, cujos símbolos ainda sobrevivem. Não importa que os milagres das histórias da Páscoa parecem improváveis às mentes empíricas do século XXI. Não importa que alguns de nós querem celebrar o renascimento que a natureza oferece tão generosamente nesta época do ano, e alguns de nós querem celebrar a ressurreição de Jesus, e alguns de nós querem celebrar a libertação do cativeiro que está no coração da Páscoa judaica. Nada disso importa, porque os significados da Páscoa são muito mais simples e muito mais profundos do que a confusão e a controvérsia e as provas dos eventos.

      A verdadeira história da Páscoa judaica é esta: a jornada humana nos leva, a cada um de nós, à escravidão, e ao nos tirar da escravidão, à Terra Prometida.

      A verdadeira história da Páscoa cristã é esta: o calendário humano está repleto de Sextas-feiras Santas e manhãs de Páscoa, dias de morte e dias de ressurreição.

      A verdadeira mensagem de ambos os dias sagrados é esta: o espírito humano é capaz, por maneiras às vezes milagrosas, de triunfar contra todas as adversidades, e de fato o faz a cada momento, enquanto viver sobre a Terra.

      Os noticiários e programas de entretenimento estão repletos de exemplos dramáticos de vida diante do que pareceria morte certa – um bebê congelado que foi revivido praticamente sem seqüelas, o sobrevivente de um desastre aéreo que foi resgatado depois de passar três anos sozinho numa ilha deserta, homens e mulheres que um dia acordam de um coma ilesos. Não é ilógico chamar esses acontecimentos de resssurreições ou renascimentos ou chegadas seguras à Terra Prometida depois de vagar pelo deserto. Mas nossas próprias vidas são feitas de êxodos e ressurreições não menos milagrosas, embora muito mais particulares.

      A morte de um ser amado, vício, divórcio, falência, doença, insucesso nos negócios, incidentes de homofobia ou racismo, insucesso nos estudos, aborto, doença mental, um acidente debilitante, infarto, traição, desilusão – todos esses e centenas de outros acontecimentos prendem nossas vidas com a força e a opressão de uma escravidão, nos atiram no isolamento, frio e escuridão da tumba. E embora qualquer um desses podem levar as pessoas à total destruição e encerrar a vida de alguém em uma morte final, muito freqüentemente nós sobrevivemos e mesmo triunfamos.

      Uma recente cerimônia de naturalização em minha cidade natal de South Bend, Indiana, na qual crianças adotadas do mundo inteiro se tornaram cidadãos dos Estados Unidos, é, para alguns, um exemplo de um dia moderno de êxodo. Muitos membros da CLF ao redor do mundo estão vivendo suas próprias histórias de êxodo e construindo novas vidas. E para muitos de nós nos Estados Unidos, as histórias de como nossos ancestrais vieram viver neste país são histórias de servidão, êxodo, perambulação e finalmente a chegada à Terra Prometida – embora, evidentemente, aqueles cujos ancestrais já estavam vivendo aqui, ou foram trazidos aqui à força, tenham uma história diferente. Dos Peregrinos que zarparam buscando liberdade religiosa, passando pelos refugiados de quase todos os conflitos armados desde então, até os homens, mulheres e crianças que diariamente ainda tentam entrar em países mais seguros, legalmente e ilegalmente, essas nações são testemunhas vivas do desejo do espírito humano de se erguer e sobreviver, em paz e liberdade.

      Uma jovem mulher saía e entrava numa UTI, por várias semanas, durante meu ano de capelania no hospital de St. Paul. Seu diagnóstico inicial era leucemia e, isso, em conjunto com uma sucessão de infortúnios e estranhas complicações, a levou próximo da morte mais de uma vez. Eu gastava muitas horas conversando com sua figura indiferente ali na cama, visitando-a ao lado de seu companheiro, e rezando com eles. Anos depois eu ainda recebo pelo menos uma carta por ano da jovem mulher e de seu companheiro, me contando sobre suas últimas férias, e geralmente com uma fotografia, para que eu possa ver com meus próprios olhos que ela triunfou sobre a morte, e ainda triunfa.

      Paroquianos me têm contado histórias sobre morte e renascimento, sobre escravidão e libertação. Sobre os vícios que eles têm impedido de tomar conta de suas vidas. Sobre os relacionamentos destrutivos que eles têm encontrado força e coragem para deixar. Sobre as decisões deliberadas que eles têm feito de viver, não importa o resto. E eu sei que há muito mais histórias, muito íntimas para serem contadas, mas igualmente milagrosas.

      A própria natureza conta histórias de morte e renascimento. Alguns de vocês já devem ter visto uma floresta depois de um incêndio. Anos depois, a devastação ainda é evidente pelos quilômetros de troncos de árvore queimados, alguns ainda em pé, nus de folhas e galhos, alguns caídos pelo chão; na vegetação rasteira diminuída; no fato de se poder ver a uma grande distância. E no meio de toda a devastação, vida nova – pequenas árvores, fungos, flores selvagens, insetos, pássaros, animais, e muito mais estão fazendo daquele lugar novamente um lar. Mesmo depois do fogo, a floresta ainda pode sustentar vida, embora de maneira diferente. De fato, há árvores cujas sementes abrem apenas após o trauma do fogo, e pássaros que só podem prosperar nos espaços abertos que o fogo deixa para trás.

      Nossas vidas também são assim. Não importa o fogo, a morte, a escravidão, não importa que o renascimento é lento e doloroso e longo, não importa que a vida nova nunca é exatamente a mesma de antes – nós ainda vivemos novamente, para amar e celebrar a vida. As cicatrizes são apenas prova de nosso triunfo.

      Uma jovem menina acordou seu irmão mais velho logo depois do nascer do sol em um domingo de primavera, há muitos anos. “Denny! Denny!”, ela sussurrava com excitação, sem acordar o resto da família. “Eu vi o Coelhinho da Páscoa!” Seu irmão sonolento prestativamente levantou-se da cama e olhou pela janela. E ali, bem ali embaixo, estava um coelho, passeando pelo jardim da frente. E, como era de fato uma manhã de Páscoa, o irmão concordou com sua irmãzinha de que deveria ser o Coelhinho da Páscoa.

      O coelho que meu pai e minha Tia Margaret viram das janelas de seu quarto no oeste de Minnesota tantos anos atrás não era daquele tipo doméstico que os pais às vezes compram como surpresas de Páscoa. Era um coelho selvagem, real, do tipo que come os botões de flores quando elas começam a desabrochar sobre o solo. Aquele coelho era um sinal evidente de primavera, e a constatação de que era o Coelhinho da Páscoa, algo totalmente fora do comum, vem a mim através dos anos como uma lembrança de que os milagres da renovação abundam em nossas almas, a cada momento, não importa se é a Páscoa cristã que nos tem significado, a Páscoa judaica, os ciclos da natureza, ou um pouco de tudo isso. Apenas precisamos de olhos para ver e corações para nos alegrarmos. 
 

Ressurreição naturalmente

      Talvez você já tenha ouvido falar do Triops, um pequeno crustáceo nativo do sudoeste da América do Norte. Os ovos dessas incríveis criaturas podem fazer o que nenhum de nós pode, mas o que todos nós somos chamados a fazer a cada momento. Com a habilidade de se secar, morrer, e então voltar à vida, eles são o milagre da ressurreição. O período entre sua morte e renascimento pode ser décadas ou centenas ou milhares de anos. Ao perderem toda a água, eles entram em um estado entre a morte e a vida. Que nome daremos a este estado? Semivida? Crepúsculo? Ou apenas espera e esperança?

      Há uma grande diversidade de formas corporais das criaturas que fazem essa longa espera pelo renascimento. Os cientistas têm feito uma enorme variedade de experimentos para testar a fé desses ressurreicionistas. Mesmo se forem pendurados do lado de fora de uma sonda espacial e expostos ao frio e à radiação do espaço sideral, eles voltam rapidamente à vida quando batizados na água.

      Essas criaturas confirmam o que nós suspeitamos há muito tempo: a ressurreição é natural.

(Extraído de Consider de lilies [Olhai os lírios], por Stephen M. Shick, ministro, Igreja Unitária Universalista, Haverhill, Massachusetts.)

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