Introdução à Religião Liberal e à Primeira Igreja UU de Austin

Preparado por Davidson Loehr, Ph.D., Ministro 

A Primeira Igreja Unitária-Universalista de Austin é uma igreja liberal sem credo e membro da Associação Unitária-Universalista. 

      Apenas explicar algumas das palavras nessa última frase já pode dar uma boa introdução a esta igreja, à Associação Unitária-Universalista, e a seu estilo de tentar ser humano/a religiosamente – o que pode ser bem diferente de todas as igrejas “tradicionais” que você conhece.

Igreja

      Primeiramente, esta é uma igreja. Isso significa que estamos preocupados principalmente com nosso modo de viver, individualmente e coletivamente, para que possamos nos tornar melhores pessoas, companheiros/as, pais e cidadãos. Buscamos, de muitas formas diferentes, valores pelos quais vale a pena viver – ou, para usar uma linguagem teológica, deuses dignos de serem venerados em nossas vidas. Os sermões de nosso ministro vão explorar nossas “derradeiras preocupações”. Digamos ainda de outra forma. Em termos econômicos, vamos examinar as diferentes taxas de câmbio pelas quais a vida pode ser medida. Você conhece muitas dessas maneiras de medir seu valor: dinheiro, poder, sexo, popularidade, carros caros, visuais da moda, a aprovação dos outros, e assim por diante. Você provavelmente já descobriu que essas “taxas de câmbio”, embora populares – são vendidas a você em todos os comerciais de TV e na maioria dos filmes – não trazem, no final da contas, muita satisfação. Você precisa de mais. Deve haver mais. Qualquer igreja digna desse nome, inclusive esta, é dedicada a buscar esse “mais” e torná-lo claro o bastante para que nós reexaminemos nossas vidas e procuremos taxas de câmbio mais satisfatórias para medi-las.

Sem credo

      Nós não temos um credo porque acreditamos que cada um é capaz de tentar explicar nossas crenças com suas próprias palavras. Isso não significa que qualquer coisa em que você acreditar está bom. Algumas crenças são boas para nós, outras não são tão saudáveis. É importante que aprendamos a distinguir entre crenças de valor e sem valor. Nossos membros podem estar buscando centros espirituais valiosos através de relatos e palavras como deísmo, humanismo religioso, vários mitos antigos e modernos, ou podem ainda estar se esforçando para encontrar uma linguagem que fala tanto à sua mente quanto ao seu coração. Numa primeira vez, pode soar estranho ouvir pessoas em uma igreja buscando em caminhos tão diversos. Mas além de todas as diferenças de estilo e expressão que você encontrará aqui, há uma lista muito mais profunda e mais importante de crenças que todos compartilhamos.

      Embora cada pessoa possa vá utilizar suas próprias palavras, aqui está uma lista de algumas das coisas em que todos aqui acreditamos:

  • Acreditamos que Deus nos ama e quer que nós amemos os outros. (Muitos aqui iam preferir palavras como “a Vida”, “o Universo” etc., ao invés da palavra “Deus”, mas o significado central é claro.)
  • Acreditamos que somos parte da vida e que devemos algo ao mundo pelo dom da vida. Muitos estão buscando o que é esse “algo”, mas não é necessário detalhá-lo. Como disse um teólogo medieval, “se a única oração que você disser for ‘Obrigado’, já será suficiente”. Mas nós somos engrandecidos por uma atitude de gratidão, e buscamos encontrar nossos casminhos em direção a essa forma de compreender nossas vidas.
  • Acreditamos que, no fundo, quase todas as religiões dizem que nós somos pessoas preciosas que precisam tratar todos os demais como se fossem preciosos, também.
  • Acreditamos que devemos viver de tal maneira que, quando olharmos para trás em nossas vidas, possamos ficar orgulhosos, e possamos deixar orgulhosos aqueles com quem nos importamos. Acreditamos que devemos tentar e tornar esse mundo um pouco melhor, porque estamos aqui, cada um em seu próprio caminho.
  • Acreditamos que a verdade, a justiça e a compaixão são necessárias. Acreditamos que o amor é melhor que o ódio, que a compreensão é melhor que o preconceito, e que se de fato pode haver um mundo melhor, pessoas de crenças radicalmente diferentes devem ajudar-se mutuamente para construí-lo.  Isso quer dizer que devemos aprender como se comunicar e cooperar com as pessoas cujas crenças diferem das nossas.
  • Acreditamos que, no fundo, todas as pessoas de bem têm essas mesmas crenças.

Unitária

      Em 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero se separou da Igreja Católica Romana e começou a “Reforma Protestante”. Lutero estava “protestando” contra a versão “mal-formada” do Cristianismo católico, e estava “re-formando” o que ele sentia que era a verdadeira religião cristã da “salvação pela fé” ao invés da salvação pelas obras ou pelos sacramentos da Igreja Católica. João Calvino, Huldrych Zwingli e outros “Re-formadores” rapidamente seguiram a ele. Em algumas décadas, surgiram reformadores mais radicais, que “forçaram a barra” mais do que Lutero, Calvino ou Zwingli. Entre eles, havia os Menonitas e outros Anabatistas, os Unitários. Ao contrário de todos os outros, que eram “Trinitários”, os Unitários ensinavam que, embora Jesus tivesse sido um grande professor e profeta, ele foi, acima de tudo, um humano como todos nós, não importa a grandiosidade de seus dons espirituais. Eles observaram, corretamente, que conceitos como a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) não aparecem na Bíblia, portanto deveriam ser invenção de pensadores humanos que escreveram após a morte de Jesus. (A Trindade é, de fato, criação de teólogos dos séculos II e III.) Descendentes desse Unitarismo do século XVI ainda hoje se congregam em igrejas unitárias na Romênia (essencialmente na Transilvânia). A religião tende a ser mais litúrgica, mais centrada em Deus, e mais sobrenatural que o Unitarismo estadunidense, que teve um início completamente diferente.

      O Unitarismo estadunidense teve início oficialmente em 1825, com aquilo que William Ellery Channing (um ministro congregacionalista) chamou “Cristianismo Unitário”. Ao se separar da Igreja Congregacional, o Unitarismo estadunidense se tornou menos uma “teologia” e muito mais um estilo de religião. Nascido do Iluminismo do século XVIII e cercado pelo crescimento explosivo das ciências (especialmente geologia e biologia) no século XIX, o Unitarismo estadunidense ensinava que as crenças religiosas devem se transformar para permanecer coerentes conforme muda nossa compreensão científica do mundo em nosso redor. A religião conservadora ensinava (como ainda fazem os fundamentalistas atualmente) que se deveria aferrar-se às velhas crenças, mesmo se para isso se devesse ignorar avanços científicos (ensinar “criacionismo” nas escolas, por exemplo). Os unitários inverteram essa prioridade. Eles ensinaram, e nós ainda acreditamos, que nosso mundo e nossa consciência são definidos por meio de nossas ciências e nosso conhecimento “secular”. Nós compreendemos o mundo por meio de nossas ciências (como também o fazem os fundamentalistas). E nossas crenças podem dar sentido a nossas vidas apenas se o que nós acreditarmos se encaixar com o que soubermos. Como escreveu o poeta do século XIX James Russell Lowell, em um antigo hino unitário, “Novas ocasiões ensinam novas obrigações; o tempo torna desagradável o que era bom”. O tempo (as mudanças em como compreendemos nós mesmos e nosso mundo) torna o que era bom (as crenças religiosas tradicionais) desagradável (irrelevante, sem sentido, idólatra). Esses sentimentos estão na alma do estilo liberal de tentar ser humano religiosamente.

Liberal

O oposto de religião “liberal” é religião “literal”: mude uma letra, e você muda todo um mundo de possibilidades religiosas. Esta é uma distinção muito mais acurada do que tentar contrastar liberal com “conservador” (liberais também tentam “conservar” o que parece merecer ser conservado). E com essa definição em mente, é fácil aprender que a “religião liberal” tem sido parte das religiões do mundo desde que a história começou a ser registrada. Os liberais compreendem seus escritos religiosos como simbólicos e metafóricos, ao invés de literais. Assim, enquanto para os literalistas “morte e ressurreição” significa que um cadáver milagrosamente voltou à vida, para os liberais a expressão geralmente se refere à “morte” de uma velha maneira de viver, e ao “renascimento” em uma nova e (espera-se que) superior e melhor maneira de viver. Posto de outra forma, as religiões literais se preocupam com uma salvação sobrenatural que ocorre após termos morrido. As religiões liberais se preocupam em viver mais profundamente, amavelmente, responsavelmente e inteiramente aqui e agora. Isso não significa que os liberais podem acreditar no que quiserem. Longe disso! Significa que nossas crenças são julgadas pelo tipo de vida que elas nos proporcionam, e pela maneira como tratamos os outros. Para os literalistas, a “salvação” envolve acreditar nas coisas corretas da maneira correta para, depois que morrermos, “irmos” a algum lugar incrível. Para os liberais, a “salvação” envolve encontrar nosso caminho na direção de nos tornarmos melhores pessoas, companheiros/as, pais e cidadãos, e nos tornarmos uma espécie de bênção ao mundo maior ao nosso redor, tratando as outras pessoas de maneiras amáveis e responsáveis. Para a maioria dos liberais (embora não para todos), a preocupação em viver novamente depois da morte é distintamente secundária, se é que chega a ser uma preocupação.

Universalism

Embora a religião do Universalismo estadunidense esteja praticamente morta (o último seminário universalista foi fechado há muitas décadas), a palavra ganhou um novo significado, portanto vamos discutir ambos. Inicialmente, o Universalismo era um ramo do Cristianismo sobrenatural que ensinava que, após a morte, todos iriam finalmente ao paraíso, que Deus era tão bondoso que jamais puniria alguém pela eternidade. Conforme as pessoas foram perdendo o interesse no “inferno” uns cem anos atrás, os estadunidenses também começaram a descobrir religiões além do oceano. Quanto mais religiões estudávamos, mais víamos que, embora elas fossem bem diferentes, todas pareciam estar preocupadas com coisas semelhantes: significado e objetivo na vida, preocupação com a “vida eterna” (seja em seu sentido literal de “viver para sempre” como em seu sentido liberal de “viver em harmonia com valores eternos”), e assim por diante. Embora nem todos os caminhos religiosos levassem ao mesmo lugar, eles pareciam levar a lugares semelhantes. Assim, o novo significado de “universalismo” se referia a essa idéia de que uma grande variedade de caminhos religiosos podia ser aceitável e inspiradora de vida. É o segundo significado que quase todas as pessoas que se identificam com o universalismo têm em mente hoje. O segundo significado de “universalismo” é largamente aceito em nossa cultura hoje, e também entre muitos membros desta igreja. Ambos os estilos de “universalismo” tendem a ser caminhos do “coração”, enquanto os unitários eram mais intelectuais e “frios”. De fato, o escritor do século XIX Ralph Waldo Emerson (ele próprio um unitário) certa vez se referiu aos unitários de seu tempo como “frios como cadáveres”.

Associação Unitária Universalista

      Embora o Unitarismo e o Universalismo estadunidenses não fossem idênticos, seus membros muitas vezes se encontravam apoiando o mesmo tipo de idéias políticas e programas sociais liberais; dessa forma, estavam associados desde o século XIX. Durante os primeiros anos do século XX, os unitários primeiro pensaram em se unir aos congregacionalistas, mas a questão de “Cristo” e da Trindade os mantiveram afastados. Ao invés disso, em 1961 os unitários e os universalistas uniram seus recursos e formaram a Associação Unitária Universalista, com sede em Boston, Massachusetts. A palavra “Associação” é importante aqui. Numa denominação, a sede controla as declarações de crenças, e impõe às igrejas e membros individuais, “de cima para baixo”, as decisões em relação aos assuntos de crença correta. Numa associação, o poder fica com as igrejas e os membros individuais, e os escritórios de Boston existem para fornecer tais serviços, conforme desejem as igrejas membros. Há muito maior liberdade de crença numa associação do que numa denominação. Assim, a Associação Unitária Universalista (ao menos é seu objetivo) existe para preservar e salvaguardar o tipo de liberdade que marcou o Unitarismo desde o início, e manter abertos os muitos caminhos religiosos alternativos que nossos modernos universalistas tanto prezam.

      Conforme você passar mais tempo conosco, ouvindo os sermões e conhecendo alguns de nossos membros, sua compreensão vai se alargar e se aprofundar. Enquanto isso, esperamos que essas observações tenham lhe servido como uma introdução útil ao nosso caminho liberal do espírito.

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