[Imaginação]

«Mítica ou científica, a representação do mundo que o homem constrói tem sempre grande parte da sua imaginação. Porque a pesquisa científica, contrariamente ao que muitas vezes se julga, não consiste em observar ou acumular dados experimentais para deles deduzir uma teoria. Pode perfeitamente examinar-se um objecto durante anos sem daí tirar jamais a menor observação de interesse científico. Para se obter uma observação com algum valor, é preciso ter já, à partida, uma certa ideia do que há a observar. É preciso ter já decidido o que é possível. Se a ciência evolui, é muitas vezes porque um aspecto ainda desconhecido das coisas se revela subitamente; nem sempre em consequência do surgir de aparelhagem nova, mas graças a uma maneira diferente de examinar os objectos, que passam a ser vistos sob um novo ângulo. Esta observação é necessariamente guiada por uma certa ideia do que pode bem ser a "realidade". Implica sempre uma certa concepção do desconhecido, dessa zona situada precisamente para além daquilo em que a lógica e a experiência nos levam a acreditar. [...] A investigação científica começa sempre pela invenção dum mundo possível, ou dum fragmento de mundo possível.

Assim começa também o pensamento mítico. Mas este último acaba aí. Depois de ter construído o que considera, não apenas o melhor dos mundos, mas o único possível, insere sem dificuldade a realidade no quadro que criou. Cada facto, cada acontecimento, é interpretado como um sinal emitido pelas forças que regem o mundo e que, através disso, provam a sua existência e a sua importância. Para o pensamento científico, pelo contrário, a imaginação não é mais do que um dos elementos do jogo. O pensamento científico tem de se expor, em cada etapa, à crítica e à experiência para delimitar a parte de sonho na imagem que elabora do mundo. Para a ciência há muitos mundos possíveis, mas o único que lhe interessa é aquele que existe e que já há muito tempo prestou as suas provas. O método científico confronta sem descanso o que poderia ser e o que é. É esse o meio de constituir uma representação do mundo sempre mais próxima daquilo a que chamamos "a realidade".»

[ Objectividade]

«Num mito, os seres humanos encontram a sua lei, no sentido mais sublime da palavra, sem mesmo terem de a procurar. Pelo contrário, mesmo que a procurem, não a podem encontrar nem na conservação da massa e da energia nem no "caldo primordial" da evolução. Com efeito, o processo científico representa um esforço para libertar de toda a emoção a pesquisa e o conhecimento. O cientista procura subtrair-se ele próprio ao mundo que tenta compreender. Procura pôr-se de fora, colocar-se na posição dum espectador que não faça parte do mundo a estudar. Por este estratagema, o cientista espera analisar o que considera ser "o mundo real à sua volta". Esse pretenso "mundo objectivo" torna-se assim esvaziado de espírito e de alma, de alegria e de tristeza, de desejo e de esperança. Em suma, este mundo científico ou "objectivo" torna-se completamente dissociado do mundo familiar da nossa experiência quotidiana.»

JACOB, François, The Possible and the Actual, O jogo dos possíveis,

Lisboa, Gradiva, 3ª edição, s/ data, pp. 28-30.