Comunidades de Aprendizagem e Projetos Colaborativos: Desafios e VantagensVera Cristina Queiroz de MelloIntrodução Com a utilização das novas tecnologias de comunicação, defrontamo-nos com novas possibilidades e desafios no processo de ensino-aprendizagem. Ambientes virtuais de aprendizagem e projetos colaborativos estão se desenvolvendo rápido e progressivamente. Um problema, por nós, observado em curso de inglês ministrado via rede é a dificuldade de tornar significativa a aprendizagem colaborativa. Nossa intuição e experiência como professor de língua estrangeira nos faz pensar se o problema principal não estaria na falta de interação social entre educador e educando. Este artigo apresenta nossas primeiras reflexões sobre comunicação significativa e como tornar viáveis comunidades de aprendizagem e projetos cooperativos via rede.
1. O Conhecimento na Era da Informática O advento das novas tecnologias de comunicação está resultando em transformações na educação de forma significativa. Neste contexto de mudanças, devemos não só repensar o papel do educador e sua relação com o educando, mas também verificar se a comunicação via rede se dá de forma efetiva.
Cynthia L.Uline, em seu artigo ‘Knowledge in the Information Age: Effortless Communication and the Effort of Reflective Thought’, mostra que o conhecimento deve ser construído através da experiência, estudo e busca de solução de problemas. Segundo ela, a facilidade de se obter grande quantidade de informações via rede torna o processo de avaliação, de reflexão e de decisão mais e mais desafiador. A questão que surge é como coletar e gerenciar todos esses dados. Para a autora, devemos ter cautela para não sermos seduzidos pela gama de informação que se nos apresenta. Devemos tratá-la de modo crítico, reflexivo para não ficarmos na mera informação, mas na construção de conhecimento. Não devemos deixar que o processo de análise e reflexão das informações obtidas passe a ser menos relevante que o processo de navegação (busca) feito na Internet. Em seu artigo, a autora cita a linha de pensamento do filósofo John Dewey. Para esse autor observar, descrever, esclarecer, antecipar e avaliar são as ações que produzem soluções duradouras. Acrescenta ele que "essa capacidade de antecipar e avaliar possibilidades depende, em parte, da intuição". Prossegue Dewey afirmando que as pessoas constroem os significados a partir de suas experiências permeadas a fatos e sentimentos. Diante do que nos apresenta Dewey, podemos afirmar que nossos sentimentos e intuições desempenham papel importante em nossa análise do conteúdo das informações. Cynthia Uline conclui seu artigo, afirmando que "O que faz a informação valiosa, o que a transforma em um tipo de conhecimento que pode ter caráter de mudança, é um processo de síntese reflexiva e agressiva e discriminação entre fontes de informação". Nesse sentido,cabem a nós, educadores, utilizarmos nossos conhecimentos, experiência e intuição e tentarmos avaliar criteriosamente os dados com os quais nos deparamos. Caso contrário, estaremos trocando informações sem esforço, sem reflexão e vazias de conteúdo. Não estaremos nos comunicando de forma expressiva, uma vez que nossas ações não levam a verdadeiras mudanças no nosso modo de pensar, agir ou de ser. Diante de todo esse quadro de reflexão sobre a comunicação significativa, gostaríamos de propor que nós, professores, nos responsabilizássemos pela edição da informação que recebemos e transmitimos, pois assim poderíamos também orientar e ensinar nossos alunos a serem criteriosos em suas buscas por informações disponibilizadas na rede. Queremos deixar claro que, ao usarmos neste contexto o termo "editar" a informação, nós não estamos pensando em impor uma única forma de abordagem, mas como "tratá-la pedagogicamente" de forma que os educandos possam construir seus conhecimentos de um modo mais produtivo (pesquisando, analisando, refletindo, avaliando, selecionando, etc.).
2. Comunidades de Aprendizagem e Projetos Colaborativos Apesar de experimentais, vários projetos colaborativos via rede têm surgido ultimamente. Esses projetos vão desde a criação cooperativa de um site na web até projetos mais sofisticados cujo objetivo é levar a escola para a comunidade e trazer a comunidade para a escola. Nosso primeiro exemplo de projeto colaborativo foi extraído do texto ‘Collaborative Web Site Design from a Distance: Challenges and Rewards’. Nesse artigo, os autores descrevem os problemas, vantagens e desafios encontrados na elaboração conjunta do site da AECT (Association for Educational Communications and Technology). A importância de tal projeto não se acha apenas na construção conjunta do site, mas no fato dela ter sido feita à distância. Apesar dos problemas encontrados, os autores afirmam que as vantagens superaram os desafios existentes, pois novos meios de transferência de informações tiveram que ser buscados já que o grupo trabalhava à distância. Segundo eles, um site na web é um trabalho de arte em constante progresso e que sugestões e comentários contínuos são sempre bem-vindos. Em nossa reflexão sobre os desafios e vantagens encontrados na elaboração de um site, gostaríamos de acrescentar que, embora nossa experiência seja de criação de nossa página pessoal, também acreditamos que a possibilidade de obtermos sugestões e comentários de usuários de nossas páginas é a chave para reflexão, tomada de decisões e de possíveis mudanças. É um trabalho árduo com resultados positivos e que tende a constantes revisões e análises. Outro projeto cooperativo de utilização da rede foi descrito por Lorraine Sherry em ‘Supporting a Networked Community of Learners’. Esse projeto foi realizado pela autora em conjunto com a Internet Task Force (constituído por um grupo de alunos graduados) da Universidade do Colorado em Denver. Busca a autora, na visão de Pea (entre outros autores), suporte teórico para a execução do projeto. Segundo o autor, "há duas formas de comunicação: uma vista como transmissão de informação na qual o conhecimento é transmitido ao aluno como uma forma de instrução, e a outra vista como um ritual no qual os alunos trocam conhecimentos e valores comuns através da participação e socialização com outros membros do grupo". O autor enfatiza que uma forma não exclui a outra. Para Pea, "quando os alunos questionam, o processo transcende as duas formas de comunicação e dá lugar ao de transformação". Vemos, mais uma vez, a importância dada à comunicação significativa na elaboração de projetos cooperativos. O pensamento crítico, reflexivo que leva a transformações (mudanças). O grande desafio para Sherry e seu grupo residia na implementação de um sistema de rede que fornecesse subsídios aos membros do programa para fazerem parte da cultura da Internet, desenvolverem ambiente de construção de saber, e conduzirem pesquisas de adoção de tecnologia das telecomunicações, de suporte aos alunos e de aprendizagem colaborativa mediada por computador. Para Sherry e sua equipe, as pesquisas devem continuar para que sejam exploradas novas formas de utilização da web como recurso motivador para a aprendizagem.
Concordamos plenamente com a posição da autora em explorar o grande potencial da Internet e em buscar novas formas de estimular e incrementar o ensino-aprendizagem. O acesso a Internet aumenta nossas possibilidades de elaboração de atividades pedagógicas mais significativas e inovadoras. Retomaremos este assunto no próximo item, quando exporemos nossa experiência pessoal sobre projetos cooperativos. O último projeto americano que vamos citar aqui foi descrito por Beth Blenz-Clucas em seu artigo intitulado ‘Local Route to the Info Superhighway - How schools can forge community links’. Cremos ser este artigo o que traz maior questionamento, pois discute a possibilidade de criação de redes públicas bem organizadas para oferecer serviços de consulta a bancos de dados, transferência de arquivos e troca de mensagens via correio eletrônico. O grande desafio na criação dessas redes (chamadas no texto de freenets) para a educação é trazer a comunidade à escola e levar a escola à comunidade, de forma que haja interação entre todos os membros da comunidade, os quais passam a ser educadores e educandos em potencial. Os problemas levantados pela autora oriundos da criação das freenets estão no acesso a Internet e seus altos custos. A nosso ver esse tipo de projeto apresenta uma proposta bastante desafiadora, principalmente no que tange as escolas brasileiras. Poderíamos até tentar aplicar esse projeto em escolas particulares, mas e nas escolas do governo? Seria possível? Cremos ser difícil, visto que a grande maioria das escolas não possui recursos técnicos e que os professores não estão habilitados para fazer uso das novas tecnologias. O caminho é árduo e depende da vontade das instituições governamentais e educacionais em fornecer subsídios para a habilitação de professores e para a criação de verdadeiras redes comunitárias. Assim, a escola passaria a ser o foco de uma aprendizagem sem limite de tempo e espaço. Se não tivermos a iniciativa de pequenos grupos de educadores que se arrisquem a levar a cabo projetos e propostas de aprendizagem colaborativa e de comunidades de aprendizagem, nossas escolas não prepararão cidadãos para competir no mercado globalizado.
3. Experiências Pessoais no Ensino via Internet e de Projeto Cooperativo Abordaremos neste item dois projetos por nós executados. Nossa intenção ao iniciar tais projetos era de utilizar a Internet como meio de disseminar conteúdo educacional e de propiciar a comunicação entre alunos falantes de outras línguas que não o inglês. Desde o segundo semestre de 1997, ministramos aulas pela Internet. Fazemos parte de um grupo de professores voluntários (de várias partes do mundo) que coordenados por David Winet, da Universidade de Berkeley, se dedicam ao ensino da língua inglesa via rede. Criamos para o oferecimento de nosso curso básico de inglês on-line uma página pessoal em outubro de 1997, no endereço http://www.oocities.org/Athens/Olympus/4038.html. Nela disponibilizamos informações gerais sobre o curso on-line; quadros de atividades semanais; quadro com os nomes dos integrantes do grupo e a listagem das tarefas por eles executadas; material didático, por nós elaborado, e alguns links de interesse a alunos de inglês. Esses links foram criados, a partir da análise feita de Websites que apresentavam exercícios gramaticais e de vocabulário, ou explicações da estrutura da língua inglesa. Os links eram utilizados para complementar ou reforçar o material por nós desenvolvidos para o curso on-line.
O curso estruturava-se da seguinte maneira: aulas assíncronas e síncronas. O nosso papel era de orientador no processo de aprendizagem e para tal, elaborávamos tarefas semanais, enviando-as via correio eletrônico, estimulávamos a troca de informações e experiências entre os alunos, e resolvíamos suas dúvidas concernentes à língua inglesa. O fato dos alunos poderem se comunicar entre si, receberem constantes sugestões e comentários sobre seu desempenho, bem como terem a possibilidade de se auto-avaliarem, exerceram uma forte motivação nos alunos a participarem das atividades propostas pelo curso. As aulas, ministradas em tempo real em um ambiente em 3D de simulação de sala de aula com avatares, permitiram maior interação entre os alunos e estimularam mais a aprendizagem. Observamos que a cordialidade e confiança entre todos os participantes do curso e a capacidade do professor de estabelecer essas relações com o grupo exerceram papel decisivo na continuidade da aprendizagem via rede. Seria pertinente mencionar que quando iniciamos nosso projeto, tentamos criar métodos interativos de aprendizagem, bem como meios para que os alunos pudessem interagir entre si e com o educador. Tivemos problemas no início, pois para criar comunidades cooperativas, a questão da confiança que aos poucos se cria entre os membros do grupo não pode deixar de ser observada. Mas foi esse desafio inicial que nos guiou e incentivou na busca de novos métodos. Embora tenhamos muito que aprender, sentimo-nos recompensados pelas experiências que estamos adquirindo. Outro projeto cooperativo que tivemos a oportunidade de tomar parte foi realizado no primeiro semestre de 1997 e teve a participação de um pequeno grupo de alunos da União Cultural Brasil-Estados Unidos e um grupo de estudantes da Universidade Postech na Coréia os quais foram assessorados por Laurie Baker.
O objetivo era motivar nossos alunos a desenvolverem as habilidades de leitura e escrita através da troca de mensagens via correio eletrônico. Em nossa primeira tentativa de implementar o projeto, tivemos a participação de 40 alunos, sendo 20 alunos brasileiros e 20 coreanos. O projeto estendeu-se ao longo de um mês com resultados bastante satisfatórios. Um segundo projeto mais audacioso foi realizado no segundo semestre do mesmo ano. Mais dois educadores, um do Japão e um dos Estados Unidos, participaram desse novo desafio, que se estendeu por três meses consecutivos. Nosso objetivo nesse projeto não se restringiu a simples troca de mensagens entre os estudantes, mas a desenvolver o potencial interpessoal dos alunos à medida que a comunicação era realizada com pessoas de lugares distantes e de culturas tão diferentes. A nosso ver, vários foram os benefícios advindos da realização deste projeto tanto para nós, professores, que muito aprendemos uns com os outros, mas também por parte dos alunos que puderam expor e discutir suas idéias, pensamentos e crenças. As redes possibilitam que as pessoas se encontrem em um espaço comum, independentemente de tempo e distância e troquem informações de cunho significativo. Uma descrição, em inglês, desse projeto, sob o título ‘Report on a Penpal Project, and Tips for Penpal-Project Success’ se encontra publicada em "The Internet TESL Journal", Vol. IV, No. 1, January 1998, no endereço http://www.aitech.ac.jp/~iteslj/Techniques/Mello-Penpal.html.
Conclusão Diante de todo esse quadro por nós apresentado, podemos afirmar que a rede é um novo meio de comunicação ainda em fase experimental, mas que pode nos ajudar a rever e a modificar muitas das formas atuais de ensinar e de aprender. Cabem a nós, educadores, elaborarmos projetos de aprendizagem cooperativa (temáticos-interculturais) e organizarmos comunidades de aprendizagem que estimulem a interação entre seus membros. O curso e projetos nos quais estamos e estivemos envolvidos são de caráter experimental, porém estão nos servindo de embasamento para futuros projetos mais complexos. Pretendemos continuar nossas buscas por caminhos que nos permitam inovar e criar projetos comunitários, pois acreditamos que a aprendizagem cooperativa tem grandes vantagens no que tange a criação conjunta do conhecimento.
Bibliografia: Artigos: A) C.L. ULINE (1996): "Knowledge in Information Age: Effortless Communication and the Effort of Reflective Thought". Educational Technology sep-oct, 29-32. B) B. BENTZ-CLUCAS (1996): "Local Route to the Info Superhighway: How Schools Can Forge Community Links". TECHTRENDS mar, 21-26. C) J.R. HILL; D. THARP; K. SINDT; M. JENNINGS and M. THARP (1997): "Collaborative Web Site Design from a Distance: Challenges and Rewards". TECHTRENDS mar, 31-37. D) L. SHERRY (1996): "Community of Learners". TECHTRENDS oct, 28-32.
Disciplina da Pós-graduação em Educação da USP "Telemática e Educação..." - EDM 5005 coordenada pelo Prof. Dr. Marcelo Giordan Santos, primeiro semestre de 1999.
|