Ana Cecília Ferri Soares(*):
O crisma


                         Por Dona Patroa
 

         O Padre Holanda dizendo-se muito moderno, não se interessava pelas tradições  católicas e menos ainda pelas tradições baianas. Não organizava as procissões pois “são costumes medievais...”  Não permitia que as baianas lavassem a escadaria da Igreja... Só rezava missa na zona urbana, deixando as vilas sem serviço religioso... Não participava das festas dos Santos Populares...Enfim... não fazia nada que considerasse “antiquado”... Se fizesse, era por coacção de alguém de quem não pudesse se desvencilhar, social ou politicamente. Mas mesmo assim, fazia o que era “obrigado”, mas com desinteresse...
Também não punha outras actividades religiosas no lugar das que tirava. A Igreja foi ficando com “pouco assunto”, com pouco ritual, pouca gente, pouca fé...
          A mulheres  mais velhas que conheceram a Igreja dos tempos antigos, inconformadas com isso, organizavam várias estratégias para obrigar o Padre Holanda a respeitar essas tradições, no que contavam com um grande apoio : a primeira-dama da cidade !
          Dona Valdívea estava, nesta ocasião, com um filha em idade de Crisma. Mulher de político, homem bem relacionado, não mediu esforços para trazer o Bispo, que há 25 anos não realizava a cerimónia de Crisma naquela cidade.
          O Padre Holanda foi obrigado a realizar a festa . Mas não deu, como de costume, as devidas orientações às pessoas...
          A Vilma, que era “arroz de festa”, não poderia perder esta! Pediu à Dona Patroa para costurar um vestido novo e bem enfeitado. Lembrava uma noiva! Tanto andou a bisbilhotar as coisas e as madrinhas e falava tanto disso, que acabou por arranjar uma afilhada de Crisma. Sabia que ser Madrinha era coisa de muita responsabilidade, compromisso sério de ajudar, proteger e principalmente, defender a honra dos afilhados.
          Estava apaixonada pela afilhada e mais ainda pelo papel que iria desempenhar e muito mais ainda pelo maravilhoso vestido branco, bordado com contas brilhantes e pérolas, como pedira...
          Tudo pronto para a festa! A Igreja cheia, o Bispo presente. Começa a cerimónia. As madrinhas ao lado dos afilhados...
A Vilma em primeiro posto, com sua afilhada. Prestava atenção a tudo, não podia perder nada. Arranjaram até um serviço de alto-falante, para que toda a rua pudesse ouvir as palavras do Bispo!
           O Bispo aproxima-se da Vilma e de sua afilhada, para crismar a menina. A uma certa altura do ritual, ministra um  tapa na cara da menina! Se isto era um gesto simbólico, não foi assim interpretado: Vilma não gostou! Revoltou-se e em defesa da honra da afilhada,  proferiu um estrondoso palavrão! Encheu a mão com sua raiva e aplicou  um sonoro tabefe na cara do Bispo.
          Saindo com a afilhada no colo, ainda gritou com o Bispo:
          “Um homem grande desse, batendo em criança...
          Agora que o Senhor está mais crismado que a menina, vê se toma vergonha!”


(*)Ana Cecília Ferri Soares, escritora brasileira/portuguesa. Mora em Lisboa.




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