Versiones 32
Junio/Julio 2000 - Año del Dragón
Director: Diego Martínez Lora
Ana Cecília Ferri Soares(*):
A verdade sobre o Tejo
Aos Velhos do Restelo
Quando os Homem puderem entender as gaivotas e os rios, descobrirão
tantas coisas que ainda não sabem... e pensam ser eles os racionais, os
inteligentes... mas querem voar como as gaivotas... querem ser rio... querem ser
oceano...
As gaivotas não voam apenas por serem livres...
por serem poetas... Os rios não correm por terem pressa ou por se quererem
afogar nos oceanos... diluir-se... Conheço bem uma das histórias do Tejo...
que são muitas...
Tudo começou à época da criação...
e Deus criou o Tejo e as gaivotas...
Os Homens pensam que o Tejo nasce na Serra
Albarracim e que morre no Atlântico... Enganam-se!
Um rio que "vence os morros e vales e muitos outros males, salta as
rochas, fura fendas", valente, profundo, misterioso não teria razão
alguma para dirigir-se voluntariamente à morte...
Mais do que tudo e que todos, o Tejo conhece
perfeitamente o mundo em que vive... a Terra. O que os Homens podem dele ver é
apenas uma pequena parte: a que "nasce" na Serra de Albarracim e
"morre" no Atlântico! Mas o Tejo não é só isto...
Quando o Tejo ganha o Oceano, não está a
diluir-se... Não está a diluir-se, nem a morrer! Quando o Tejo ganha o Oceano,
assume a sua forma mais livre e libertado de suas margens, vai correr o Mundo!
As gaivotas ensinaram-lhe todos os caminhos, porque sabem voar...
O Tejo conhecia há muito tempo, todas as rotas dos
"mares nunca d´antes navegados" porque sempre foi navegador. As
gaivotas o guiavam em suas primeiras viagens... era jovem, curioso... E o Tejo
adquiriu grandes conhecimentos, sabedoria...
Aplicava-se,
descobria, cioso da missão a que fora destinado pelo Criador. Estava pronto a
desempenhar a sua grande tarefa!
Naquele dia 9 de março de 1500, o Tejo partiu de
Belém, com o destino certo... Pensam os Homens que Cabral descobriu o Brasil,
por ter-se perdido de sua rota... Não é verdade!
O Achamento do Brasil e de todos os cantos do Mundo que foram descobertos
pelos Portugueses a partir das saídas do Tejo, faziam parte da sua Missão
Divina. Parte dela também era uma qualidade especial das suas águas, a de
fazer com que os Portugueses percebessem coisas inexplicáveis ao beberem dela.
A água abençoada e límpida que o Tejo sempre lhes ofereceu... Aquela água já
tinha o poder de transmitir conhecimentos. Quem dela bebesse, assimilava uma
coragem e uma curiosidade ilimitadas e podia ler coisas no céu... Foi
o Tejo quem forneceu a água da Coragem, da Ventura, da Curiosidade aos
Portugueses e foi ele quem os conduziu mar fora, a sustentar as caravelas em seu
leito de águas doces e calmas naquela rota bem traçada ...
O Tejo, que visitava o Mundo todo, penetrou as águas
dos rios do Brasil e misturou-se
com elas... Conheceu todo o território brasileiro e definiu as dimensões
grandiosas que ate hoje mantêm-se; atravessou toda a bacia Amazónica , andou
pelo Rio Araguaia, pelo Tietê, brincou nas Cataratas do Iguaçú...
foi mar calmo nas águas da Guanabara e foi água prateada pela lua na
Lagoa de Abaeté... Atravessou os Sertões e as Caatingas secas do nordeste
porque pediu auxílio aoVento... evaporou-se e foi transportado pelas nuvens que
o recolheram para levá-lo ao Norte... O Tejo choveu sobre a Ilha de Marajó e
retomou o curso de sua viagem pelos mares...
Mas não foi só ao Brasil! O Tejo em sua peregrinação,
quis temperar com as suas águas, todas as águas dos mares, dos rios e dos
lagos que lhe fosse possível... misturar-se com elas, para que quando lá
chegassem, os Portugueses pudessem bebê-lo... E tal é a magia da água deste
Tejo, tal é a sensação de estar
em casa , que os Portugueses puderam ficar com ela, com o Tejo, em todos os
recantos deste Mundo. Há Portugueses em quase todo o Mundo, porque há Tejo...
eles não ficariam sem ele... e ele quer estar com eles... O Tejo transmitiu aos
Portugueses a coragem e a curiosidade de um rio, o curso deliberado rumo às
descobertas e às conquistas. Levou-os às mais longínquas e diferentes
paisagens deste Planeta, como quem
quisesse vingar-se das incertezas dos velhos do Restelo...
Fez com que os Portugueses permanecessem bem adaptados e felizes naqueles
sítios em que a água era o leite materno que os acolhia e abençoava...
Ensinou-os a misturarem-se com os outros povos para que, como ele, houvesse
Portugueses em todas as almas humanas, entre todas as Culturas, porque onde
houver Portugueses há Tejo e onde houver Tejo há Portugal para sempre!
Quem pensa que o Tejo nasce na Serra de Albarracim
e morre no Atlântico está enganado! O seu leito não é apenas o que ele
mostra através deste maravilhoso percurso à flor da Terra. O Tejo corre o
mundo a dar de beber aos Portugueses mas volta sempre por caminhos desconhecidos
a purificar as suas águas no ventre da Terra, a renovar-se e ressurge na Serra
de Albarracim... "Vence morros e vales e muitos outros males"... Diz
bom dia a Toledo e acorda Portugal. Beija a princesinha do Castelo de Almourol,
reverencia Lisboa sob o olhar amoroso das gaivotas amanhecidas que voam de braços
abertos como o Cristo-Rei... E
vence o Mar Tenebroso mais uma vez. O Tejo jamais morre!
(*)Ana Cecília Ferri Soares, escritora luso-portuguesa. Mora em Estoril.