Versiones 47

Diciembre 2002 - Enero 2003

Director: Diego Martínez Lora

la aventura de compartir las vidas, las lecturas, las expresiones...


Paula Margarida Pinho (*):

4 poemas de Sistema solar


A CIDADE

 

Dói-me esta solidão de pedra da cidade,

este vazio interior que se refracta,

esta névoa de sonhos maltratados...

isto.

Esta chuva molhada sobre a alma.

 

É como se vivendo eu me atraiçoasse

e perdesse a herança concedida.

É como se, vivendo, eu simplesmente passasse

pelos dias, sem ruído, sem entrega.

Como um navio com sua rota esquecida.

Como uma estrela apagada.

 

E a cidade vai lançando os seus tentáculos

feitos de luzes e ruídos e promessas.

Como uma imensa sala de espectáculos,

foi montada, estudada e preparada

para fingir e recriar a vida.

E eu vou no seu embalo de ilusão.

 

Mas perco-me de mim

e vou esquecendo os sonhos

e deixando os silêncios esfarrapados

ao longo do caminho.

Prossigo, finjo que evoluo,

escondo-me de mim.

 

Mas lá dentro subsiste a inquietação

e a mágoa de saber

que assim

a vida deixa de ter sentido

e é chama consumida

que não anula a escuridão.


 

POEMA TRISTE DO MEDO

 

Confesso: tenho medo.

Tenho medo de sentir

os dedos frios da dor na minha nuca;

tenho medo de sonhar

os sonhos que adormeci e que acabei por esquecer;

tenho medo de enfrentar

a escuridão desconhecida por detrás de cada esquina;

tenho medo de me atraiçoar.

 

Porque a vida é tortuosa

e os meus dias me escapam.

Porque volto o rosto para o sol

que se escondeu entre as nuvens

e os meus olhos deixam de ver.

Porque me perco num denso matagal

de banalidades superficiais

e vou esquecendo a beleza essencial.

Porque o que eu sou bem lá no fundo

me supera.

Porque o que dou aos outros

nunca é o bastante.

 

Melhor é esquecer...

 

Reconheço: tenho medo.

Tenho medo

de viver.


A HORA DO ENCONTRO

 

Esperei o dia inteiro.

 

Esperei o dia inteiro

por esta hora.

Os minutos pesaram ao passar.

E a passagem da vida

roçou-se em mim, devagar.

 

Finalmente chegou a hora do encontro.

Esperei por ela o dia todo,

em cada momento.

E agora fico esquecida,

toda aninhada

no teu regaço de silêncio.

 

Sorrimos ao de leve

e não dizemos nada.

Quando tudo é perfeito,

as palavras só vêm

quebrar o encantamento.

 

Na paz da noite

apenas sei que te contemplo.

E assim ficamos,

profundamente enraizados

na harmonia breve do momento.


ORAÇÃO SOBRE UM NOVO DIA

 

Sento-me aqui, na manhã tão virgem,

e elevo os pensamentos até ti,

meu senhor que velas os meus passos

e guias os olhares

e tantas vezes me tomas nos teus braços.

 

Um dia, um novo dia,

é uma graça infinda

quando passa

na sua procissão de rápidos segundos,

na sua sucessão de horas lentas.

 

Um dia a preencher

é uma folha em branco

e nela tudo pode renascer.

 

Por isso te dou graças

por este dia em branco

– fresco como a água,

puro como um canto –

que eu conduzirei

até anoitecer.


(*)Paula Margarida Pinho, (1965) portuguesa, poeta e professora. Nasceu e também mora actualmente em Vale de  Cambra. Estos poemas formam parte do seu livro Sistema Solar que a Editorial 100 publicará em breve.


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