versiones, versiones, versiones  y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora Número: 51 / agosto - setiembre 2003


Verónica Da Costa(*)


« Eléc. »


 QUADRO I

 

( Duas mulheres nuas de costas; cada uma tem um écran

à sua frente. – Imagem de partos...)

 

 

1ª mulher:     Saqueada do esperma do meu pai, vi o muro rebentar...

Suguei o sangue do ventre feminino e vomitei olhos, pernas, mãos, sexo...

 

2ª mulher:     Encontrava-me dentro de um tubo de ensaio.

Através de uma seringa, foi injectada num vidro... –Vomitei horas depois, devido ao enjoo da viagem!

 

1ª mulher:     Tornei-me cega e aprendi a ver a lei, fazendo a minha vida girar em torno de uma decapitação judicial e ingerindo Valiums nas horas do lanche.

 

2º mulher:     Comecei a consumir fios eléctricos e a calcular os homens que poderia matar através de uma tecla... Passei a ver o mundo a três dimensões, durante os dez minutos de intervalo escolar!

 

1ª mulher:     Nos sonhos em que não havia sexo, via os cadáveres da  minha família a serem expostos na secção de «frutas frescas», em supermercados...

 

 

2ª mulher:      Todas as tardes enforcava os cães, que encontrava na rua em postes de alta tensão, pois ajudava na alimentação da minha criação virtual... – Os jogos tornavam-se mais difíceis!

 

 

1ª mulher:      Despi-me à frente do espelho e observei as garras que cresciam no meu ventre...

                          Calmamente vomitei os pêlos do meu sexo e ri durante horas à frente da transformação!

 

2º mulher:         Os parafusos saíram dos meus olhos, os meus dedos tornaram  furos e os  meus pés contas matemáticas. -  Vi o meu corpo desfazer-se em código!

 

1ª/2ª mulher:     «Fodi» o meu corpo! Preguei o pensamento em estátuas humanas...

 

1ª mulher:     O meu sangue ficou contaminado pela doença...

 

2ª mulher:     O meu sistema foi penetrado por um vírus!

 

1ª mulher :     O meu corpo falhou e eu morri...

 

2ª mulher:     Desliguei-me da electricidade...

 

 ( As duas mulheres saem para os lados; as imagens continuam a passar, mas agora, com som )

 

 

QUADRO II

 

( Dez pessoas presas ao tecto por correntes de ferro; dizem  texto ao mesmo tempo de maneira diferente )

 

 

- Ratos mecânicos enchem a boca de veneno para que possam cuspir, durante a próxima viagem de autocarro... Vestem os fatos de látex, produzindo imagens plasticamente mumificadas. Enrolando as suas caudas, cobertas de espinhos, nos pescoços cortados, cospem a língua inchada e roxa. – A linguagem vai morrendo, por entre gengivas mortas!

O diálogo permanece, mas agora, entre cabeças congeladas em televisores rachados. Imagens passam como sonhos nos cérebros transparentes, derretendo corpos puramente enforcados... Escondem-se rostos e despe-se a pele azul, voando por ninhos secos e metálicos. – Cantam-se canções com a nova esperança crucificada!

 

( Tudo desaparece...)

 

 

 

 QUADRO III

 

(quarto vazio; um corpo todo escrito no chão; o homem faz a reza; a voz é de uma mulher. –Som.)

 

 

«Homem»:     A viagem começa com o ponto de ruptura, enquanto se espera  pelo o inimigo morto... –Ah, as vezes que me masturbei a pensar num futuro gráfico, os corpos que humilhei na cama ilusória, as vezes que cuspi em cima dos lençóis rasgados. Febres e dores de parto...

                      Acordei vinte vezes, durante o sono agitado e procurei o despertador, no entanto, tudo o que eu via eram fantasmas colados às paredes sujas de tabaco. Observei, vezes sem conta, as curvas do tempo passar, como lágrimas em sexos metálicos e sujos de ferrugem!

                      Os meus dedos transformaram-se em teclas; o meu crânio num projector; os meus olhos em lentes; as minhas veias em electricidade; o sexo ficou seco, coberto de espuma ácida... –Abro os olhos, apenas vejo o vazio do mundo reprimido pela falta de complexidade morta.

 

( levanta-se, sai, vivo por fora morto por dentro )

 

 QUADRO IV

 

( uma família em «decomposição» )

 

Mulher:     Esmagaram o meu carro contra os mamilos encarnados do homem falso, despejando ossos de traição. Rebentei os ecrãs do meu muco vaginal...

Homem:     Cada dia que passa,  encontras o meu sexo mole enfiado na tua boca metálica. Os teus dentes espetam-se nas minhas rodas, e eu rebento com as gargalhadas produzidas em fábricas contaminadas!

Mulher:     Aponto a lanterna para os teus olhos esverdeados e apenas consigo ver a explosão de um mundo decadente e electrocutado, como veias secas, mas no entanto, cobertos de esmegma...

Homem:     Veste o fato à prova de bala! Agora, aqui, à minha frente, rasga o teu sexo e ouve o teu som maternal a ser destruído...

Mulher:     As crianças não passam de imagens ilusórias, virtuais, que se enforcam em árvores inanimadas!

Homem:     Não tenho culpa de ser «seco» !

Mulher:     E eu não tenho a culpa de ser «estática».

(Pegam em x-actos e brincam às mortes)

 

 

 

QUADRO V

 

( Todos os actores em palco; lavam o seu corpo em arame farpado)

 

 

Voz off :     Espalho a sujidade em agressividade e revolta, despejando corpos para valas infinitas de prazer... As cores preenchem-me os seios excitados, esquartejados numa esquina próxima num hospital em decomposição. Os gritos sufocam camas emaranhadas em cabos experimentalistas, o vómito sacia a sede do ódio morto!

                   Lavo-me de imagens alienadas, dispo-me de faca e garfo, ficando à espera do banquete manipulado por cabeças decapitadas. Rebento com a tinta do meu cérebro, esmagado por um guindaste assexuado... – As lágrimas transformam-se em choques eléctricos,  o sexo numa doença sanguínea! As palavras são sufocadas em redes de metal, o pensamento digerido calmamente na boca do dragão subversivo! – A morte começa a cuspir fogo branco, os seus dentes apodrecem numa jaula sem grades... O vício é a palavra do sonho dos incompetentes  e esquecidos!

 

(Os actores «morrem» enforcados no arame)

 

QUADRO VI

 

(Luzes frias; pessoas, deitadas no chão, fazem ruas; pessoas a falar, em diversas línguas o mesmo texto)

 

 

População:     O ódio reprimido num cigarro,  liberta a sua intimidade nos dentes mais próximos, amarelados. – A peste!!! A rua cobre-se de cacos; restos electrónicos; pedaços de pernas; úteros a esvoaçarem; livros petrificados...

                       O céu negro cobre os rastos da cara infernal, do sexo deprimente. – A mulher chora em lágrimas azuis! O tempo é enforcado em cabos de postes de alta tensão!

                       Os contornos orgânicos, contorcem-se cada vez mais. – Na montra de uma loja, uma televisão ligada, que grita por mais horas! Risos... Pânico... O sangue ferve, eles choram. (O meu cigarro!)

                        No meio das imagens subversivas, as crianças masturbam-se e os cães aplaudem... Podres... – Pensamentos mergulhados em compaixão fútil! Os olhos bem abertos... Dos dedos, escorrem as garras marcadas, espalhando-se pelo corpo estragado. – Deitem os pacotes de merda no lixo!!! A música para, e o espectador vomita de riso.

 

 

(black out./ saem)

 

 

 

QUADRO VII

 

(Da «teia» sai uma tela; projecção de uma conversa entre o homem que está sentado no filme (mudo) e a mulher que está sentada em palco  (nua). Falta de comunicação/universos diferentes. Apenas a luz do écran; duração de três minutos.)

 

Mulher:     Porquê?  (...)

( Sai agarrada aos seios; olhos vermelhos de tanto chorar. A tela sobe.)

 

 

QUADRO VIII

 

(Luz incide nos espectadores, forte/roxa. Surgem dois homens e uma mulher, despidos; de algo «incompleto»)

 

Homem:      Este ar condicionado está sempre avariado!

Mulher:        Alguém viu o meu silicone, aí espalhado no chão?

2ªhomem:    Cala-te minha besta, tu violaste o meu filho. Anormal...

Homem:        Alguém tem um casaco?  (começa a tremer)

Mulher:       Ah! Encontrei um isqueiro... Agora é que te vou apanhar, minha bolita gelatinosa!!!

2ªHomem:    Levanta-te, olha-me nos olhos, admite a tua perdição! Não te escondas por baixo de cadeiras!

Mulher:      Eu não acredito. Como é que foste capaz de rebentar, minha gelatininha!   (desata a chorar de pânico)

2ªHomem:   Pára de chorar, minha estúpida.

Homem:     Os meus olhos vão começar a fechar. –Liguem a merda do aquecedor!!! 

Mulher:      Vou buscar uma flor, espera... O funeral mais lindo, que eu imaginara em criança!

2ªHomem:   O funeral do meu filho?

Homem:      Cinco segundos, e eu morro de hipotermia!

Mulher:       Larga-me não tens nada a ver com esta «operação»!

2ªHomem:  Dói, puta?!

(arrancando o cabelo à mulher)

 

Homem:      Três, dois, um... Tiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!

Mulher:      Que chatice!

2ªHomem:  Olha, ele morreu?!

Mulher:      Vou por um bocado de silicone na boca, talvez ele acorde...

2ªHomem:  Não se importam de levantar, está aqui um homem roxo...

Homem:      Um cigarro?!

 

 

( Saem, arrastando o outro homem; a luz desaparece)

 

 

QUADRO IX

 

(Da «teia» descem todos os actores (nus), pendurados («enforcados») em cabos; tentam soltar-se. Som de tempestade; luzes de tempestade; muito vento. -«Tudo voa»/público; paranóia.

As imagens que passaram ao longo dos quadros, passam agora, a grande velocidade em quatro telas, espalhadas pela sala... Duração de sete minutos.)

 

(Acaba em grande silêncio; grande escuridão. –Vazio.)

 

QUADRO X

 

(As duas mulheres do primeiro quadro, aparecem sem pernas e braços, por debaixo da tela, que projecta agora, imagens de circuitos eléctricos. –A tela desce devagar, para lhes cortar os seios. Uma oração)

 

 

Mulheres:        Creio na carne queimada, após uma bomba enfiada nas

narinas; o sexo rasgado ao meio; os dentes espetados em  retinas; a dor que me afoga os pesadelos desencontrados da vida  imprópria; visto os meus fios...-Aí vem a música nobre, aquela que me  suga o estômago, quando está convulsivo e vulnerável! Os meus pés?!

Repito tudo aquilo que faço em momentos lentos... Despejo o balde de merda no coração do deus louco! Rir... O tempo burguês de barrigas inchadas!!! Foça... Os edifícios altos, rachados em curvas esgotantes. Vidros partidos e homens pendurados em gravatas rotas. –As imagens gritam por ajuda, e os velhos continuam sentados, em bancos de sémen encarnado... Ah, que beijo eu ofereço a infectados, que seio eu despedaço em ferros! Agora, vejo a caixa aberta chegar, e o que é que eu faço? Masturbo-me? Não, verifico que o sexo está bem aberto, para os novos habitantes se encaixarem...

É por isto que perco a cabeça! Os homens derretem-se em linhas de metro. As mulheres estimulam os seus calos magníficos. As crianças chupam varas de ferro... A minha família! Quadros mortos, pintados a saliva... –Onde é a casa-de-banho?! Vómito espalhado na cama. Mãos entaladas, pés deformados. A misericórdia morreu á espera de um telefonema da «linha erótica»!!! Perdição... –Morro?!

 

(As cabeças cortadas; black out) 

 


(*)Verónica Da Costa, escritora portuguesa. Nasceu em Lisboa, 1981. Actualmente mora no Porto e está a estudar CINE. Eléc é a sua primeira obra de teatro.


 

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