versiones, versiones y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora    Número 54 - Febrero - Marzo 2004


Âlburneo(*)

A macaca e outros poemas de

 "A Primeira Pedra"


A macaca

 

I

 

Tenho-te comigo a brincar

dentro dos olhos aquela

macaca que salta. Tenho

o perigo que se antevê na

esquina escura onde vigiam

os roedores da bruma.

E é comigo que tenho o lamento

de não ser hoje o dia, o

luminoso momento em que

saltas da macaca para a

minha mão estendida e

ficas para sempre como uma

poeira de luz presa ao olhar.

 

 

II

 

Tenho-te comigo a brincar

dentro dos olhos quadrados

da macaca que atira a

pedra e salta sobre o perigo

de ver-te comigo – a treva

angulosa da esquina de onde se

vê o lado da rua onde há

o estranho pássaro desenhado pela

macaca.

E atiro-me de encontro

à luz que te ilumina no salto e,

suspenso

do mundo, engulo o

sorriso que te daria

com o olhar.

 

A palavra

 

A palavra que é brisa

de tragédia, que ri

pelos cantos da casa do mundo.

Essa filha desgovernada que

atirei de encontro aos telhados do fundo.

 

 

 

A criança homem da janela

 

O fragmento de céu tomou sobre

a janela aquela cor que

eu vira no que sobrou da

visão do homem alto a fugir

da chuva. A criança do

homem foi por instantes o brilho

da luz sobre a água do mar

onde se apoiou o fragmento

de céu. E assim

a tarde ficou num quadro,aberta

para sempre à claridade desse

meu olhar intruso e

toda a gente passou a visitá-la

aos domingos, depois da

canalha ter passeado

no shopping.

Mas eu, o estóico a apodrecer na

macieira, mantive-me agarrado

à cor da criança homem, a

esse confronto de humanidades que

num repente vi passar.

Depois a sombra de céu bateu

na água que se via e a

janela encheu-se da luz estranha

que nesses dias costuma sobrar da sombra.

 

Os olhos pararam na imagem

que ficou, gelados, presos por dentro

ao absurdo significado dessa pretensa e

desconhecida alegria. E a rapariga passou a

fazer barulho com os sapatos na madeira e a

comer um rebuçado.

Sorriu e foi. E o ar que

deixou no ir é um pouco daquela

janela por vir onde o

barulho do céu em silêncio me

empurra sempre para a ideia

de água. Passada pela luz

que fará dela janela.

Vigia presa ao barulho dos tacões no

soalho, colada ao sorriso largo e,

quem sabe, cheio de olhos em

paixões futuras.

 

 

 

O homem alpendre

 

O homem alpendre ficou

por minutos sozinho em

frente à laranjeira onde

havia duas ou três laranjas em

sobressalto. Soltou do bolso

a pedra redonda da praia.

Elevou-a no ar frio exterior ao muito

íntimo mundo da algibeira

e soltou-a, com um pequeno impulso,

ao nível dos olhos.

A pedra, redonda e muito mineral

dentro do sossego de pedra, misturou-se

por instantes infinitesimais com

as laranjas suas primas e o

homem alpendre quase jurou que

as ouviu falarem-se, matarem

no alef que sobrou a saudade impossível

de quem não se via há muito.

 

 

O construtor

 

O prédio alto oscila entre o

totem e a nuvem. O vai e

vem do ar à roda do templo

que sobra faz ritmo com o

coração que pára.

O prédio alto oscila dentro

das janelas e do totem que fica

nasce várias vezes a lida do

pó, a revolta dos animais

domésticos, o esgar da mulher

na batida de uma ausência que

vai espelhar-se ainda na nuvem.

À roda do pássaro dentro da

gaiola de vento respira o pêndulo

dessa agonia sem tempo

e no intervalo de amor que resta do

insano movimento há papéis

à solta no ar, autocarros repletos

de visões futuras, artérias roxas

onde corre o minúsculo deus

em epitáfio: o deus

prédio que dentro da alma em

sofreguidão se faz árvore

e finalmente atinge o

céu.


(*)Alburneo, poeta e designer portuguès. Mora em Oliveira do Douro. Publicou A Primeira Pedra pela Editorial 100, Abril, 2004


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