versiones, versiones y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora    Número 54 - Febrero - Marzo 2004


Pipa Morgado(*)

Sem cair


Observo sem cair desta varanda.

Uma contrafuga faz convergir as ruas nos becos abandonados e habitados por lixo e sucata.

Reluzem peças de prata nas pedras preciosas que se vendem em abundância nas pequenas feiras de artesanato.

Vejo necessidade num acto e ócio numa atitude.

Leio nas testemunhas uma desvirtude contagiada pelas mais valias imunes ao futuro.

Há dois pontos de suporte e dois apartes. Formam um cálice a vapor sobre as sensações que cuidam de mim. Sugerem coragem na venda das artes e nos verbos que utilizam por cada bem embrulhado naquele papel que não tem corte no início nem recorte no fim.

Como um berlinde pequeno e redondo, reboliço, eu rebolo nas rampas das ruas que estão limpas no centro dos separadores que já não são de alcatrão.

Rego todas estas avenidas com lágrimas de injúrias criadas por todos os que habitam num sim sem senão.

Os telhados estão húmidos e as copas das árvores possuem folhagens presas ao medo de se deitarem na sombra da fraqueza no colo do solo amargo.

Nesta invectiva verídica eu repenso a altura das grades deste local de onde vejo o que quero e onde filtro o que escuto.

Aquela coluna de arte gótica, abençoada na piedade da erosão. Quem sabe mais eficaz do que a força do tempo. Uma posição estática que se evade no poder da dinâmica. Restauro cada caco no cuidado de uma peça de cerâmica que tem já pedaços deformados nos desenhos. A chuva tinge os objectos.

Dois aleluias socorrem de um suspiro que os ensine a partir sem o peso do corpo na ponta da alma. Levantam o dedo da boleia na pressa da ida e na fuga da calma.

Se quiser caio mesmo daqui.

Aterro no enterro crucial dos direitos e deveres desta urbanização inteira.

Um pedaço de algodão passeia no interior da sua leveza. Calcário mole escorrido nas águas rotineiras que escorrem das torneiras ao passo da ferrugem em sua defesa.

Marteladas em tijolos que habitam um espaço semelhante, pedras sem musgo cobertas de cimento. Um plano de fundo cinzento onde não há contraste em nem com nada  

Sentenças assinadas na fúria do talento.

Assassinadas no desgosto do desencanto e sopradas no baton encardido das lojas do desejo.

Deambulo nas rochas apagadas...


(*)Pipa Morgado,  escritora portuguesa. Mora no Porto


Índice de Versiones 54

Página principal de Versiones