Nossa Língua Brasileira
Com o professor Paspale

Análise da música 'Samba do Arnesto', de Adoniran Barbosa

 

1ª Parte

O Arnesto nos convidou

Prum samba ele mora no Brás

Nóis fumo não encontrêmo ninguém

Nóis fiquêmo cuma baita duma reiva

Da otra veis nóis num vai mais

Nóis num sêmo tatu

 

Comentários do professor Paspale:

Até o segundo verso a música está gramaticalmente correta. Mas, à partir do terceiro, os erros começam a aparecer. Veja só: "Nóis fumo e não encontrêmo ninguém". "Nóis fumo"? Não. 1ª Pessoa do plural, o verbo deve ir para o plural também. Portanto, a forma correta seria: "Nóis fumamos".
É craro que o nosso querido Adonirão, com toda sua genialidade, provocou propositalmente este erro para diferenciar o cigarro convencional ( Roliúde, Xarme, etc ) do cigarro de maconha, ao qual o texto se refere.
No verso seguinte, "nóis fiquêmo cuma baita duma reiva" , quem é o sujeito? O sujeito é nóis. Ora, se nóis é o sujeito e o sujeito é nóis, então "cuma" e "baita" devem ir, obrigatoriamente, para o plural também. E, craro, "reiva" se escreve com "u" e não com "i" . Portanto, o verso ortograficamente correto ficaria assim:
"Nóis fiquêmo cumas baitas duma reuva". "Reuva", aí, mais uma vez dando a conotação de planta, erva, o tal fumo citado anteriormente.
O nome do animal citado no verso seguinte, deve ser escrito com o "s" intercalado. "Ostra". Ninguém vai ao restaurante para comer "otra". O fulano vai ao restaurante e pede uma "ostra" ( geralmente num restaurante de frutas do mar ). "Veis", como todo nome próprio, deve obrigatoriamente começar com letra maiúscula. "ostra Veis" ( Veis, portanto, o nome da ostra).
E, finalmente, "Nóis num sêmo tatu". E aí o autor, mostrando toda sua genialidade, estabelece um paralelo empírico entre o animal tatu e o bicho ostra. Ou seja, se você é "ostra", no sentido de ser fingida, encoberta, interessada em jóias, nóis num sêmo tatu. E o que é o tatu? O tatu pode ser o canastra (canastrão) ; ou o bola, ou seja, nosso negócio é apenas reuva, erva, maconha, pois nóis num sêmo tatu bola, bolinha, drogas pesadas.
Notem, portanto, que o autor, apesar de alguns deslizes, aborda com maestria o problema do tráfico de drogas nas favelas do Rio, nos morros, de uma forma inteiramente nova, utilizando elementos sutis que, com certo humor até, alertam para uma questão social tão relevante, com uma cadência e ginga toda própria, que só um carioca da gema como Adonirão poderia fazer.