Os liberais, neo e antiquados, estão por toda a parte. Tempo houve, e não muito distante, em que os que professavam esta cartilha tinham vergonha de assumi-lo. Com poucas exceções, os adeptos deste pensamento tentavam dourar a pílula, dizer que a coisa não era bem assim etc... Mas hoje o quadro é bem outro. A situação quase que se inverteu. Hoje, envergonhados parecem estar aqueles que lutam contra esse sistema. O povo pouco afeito a filosofias profundas - a imensa maioria da população - fica alheia a esta discussão e, aparentemente sem saber bem porque, acaba seguindo os liberais, que parecem estar por toda a parte.
Já que o pensamento liberal é dominante hoje, decidi investigar profundamente o que prega esta doutrina. Em minhas investigações, descobri que o criador desta escola foi um inglês chamado Adam Smith, que viveu no final do século XVIII, mais ou menos na mesma época em que James Watt inventou a máquina a vapor e provocou a revolução industrial. Foi nessa época - mais ou menos no período em que os Estados Unidos promoveram sua independência da Inglaterra - que ele escreveu um livro intitulado "A Riqueza das Nações", no qual descreve seu pensamento. Este livro é um marco no pensamento da cultura ocidental. Não é muito difícil encontrar reedições do mesmo editados em diversas épocas, traduzido para as principais línguas faladas hoje no mundo.
Na tentativa de entender melhor a proposta de meus adversários de hoje, adquiri e li uma edição recente deste livro. A versão a que tive acesso, não é a melhor fonte que existe disponível, pois trata-se de uma "tradução de trechos selecionados", como informa uma nota introdutória, mas é uma das versões mais fáceis de serem encontradas aqui no Brasil: o volume XXVIII da coleção "Os Pensadores", da Abril Cultural. Os números das páginas que me referirei a seguir são obviamente do exemplar desta coleção que me serviu de base para o estudo.
Apesar de desfalcada de trechos que - suspeito - são importantes na formulação do pensamento liberal (segundo seu criador), pude ver que o que os liberais modernos tentam nos vender com o nome de "liberalismo" guarda poucas semelhanças com o liberalismo original, tal como o concebeu seu criador. Na versão condensada a que tive acesso, pude perceber que os que se dizem seguidores desta escola hoje no Brasil não aprenderam ou fingem que não viram três importantes lições que o grande mestre do século XVIII deixou para a posteridade. Vejam a citação a seguir:
Este desenvolvimento das condições em que se encontram as classes mais baixas deverá ser considerado como uma vantagem ou como um fator inconveniente para a sociedade? A resposta parece à primeira vista evidente. Os criados, os trabalhadores e os operários das diferentes profissões constituem a maior parte da população de qualquer sociedade política. Mas aquilo que melhora as condições em que se encontra a maior parte da população nunca pode ser considerado um inconveniente para a sociedade. Nenhuma sociedade pode florecer e ser feliz se a maior parte dos seus elementos for pobre e miserável. É apenas justo que aqueles que alimentam, vestem e alojam a totalidade da população sejam recompensados de tal modo que possam também estar razoavelmente alimentados, vestidos e alojados.
O trecho mais surpreendente e contundente do livro, no entanto é o mostrado a seguir:
Os patrões
constituem a terceira classe, a dos que vivem do lucro. É o capital
de exploração investido na mira do lucro que movimenta a
maior parte do trabalho útil de uma sociedade. Os planos e projetos
dos donos do capital de exploração regulam e dirigem as principais
operações do trabalho, e o lucro é a finalidade que
todos esses planos e projetos têm em vista. Mas a taxa de lucro
não se eleva com a prosperidade de uma sociedade baixando com sua
decadência, à semelhança do que acontece em relação
à renda e aos salários.. Pelo contrário é geralmente
baixa nos países ricos e alta nos pobres, e nunca é mais
elevada do que nos países que correm mais depressa para a ruína.
Os interesses desta terceira classe não estão pois na mesma
relação com os das duas primeiras para os interesses da sociedade
em geral. Os mercadores e os patrões das manufaturas são,
no interior desta classe, os dois tipos de pessoas que investem geralmente
maiores capitais, e que, pela sua riqueza, são geralmente mais ouvidos
pelos poderes públicos. Como passam toda a sua vida a fazer planos
e projetos, têm freqüentemente uma inteligência mais desenvolvida
do que a maior parte dos senhores rurais. E como os seus pensamentos se
dirigem geralmente mais para os interesses do seu próprio ramo de
negócios do que para os da sociedade em geral, a sua opinião,
mesmo quando emitida com toda a honestidade (o que nem sempre se tem verificado),
é muito mais fidedigna quando se refere aos primeiros do que quando
estão em causa os segundos.
De resto, as palavras do autor falam por si. É interessante observar como este pensamento entra em choque com o dos "liberais" de hoje, que dizem que devemos entregar a gestão da economia aos empresários, pois são eles que sabem como fazer a economia funcionar. É claro que sabem. A própria economia - bem entendido - não a do país. E quem o diz não é um comunista, mas um liberal. E não um liberal qualquer, mas o fundador desta corrente de pensamento.
Os liberais - Roberto Campos à frente - têm acusado a esquerda de não saber do que diz, na medida que seus líderes não conhecem as obras dos grandes pensadores da esquerda tais como Marx, Engels, Lenin etc... Talvez tenham razão. Mas eles deveriam fazer o mesmo em relação aos autores consagrados de sua corrente de pensamento. Se o fizessem - seriamente - não diriam os absurdos que vêm dizendo em nome da "modernidade". Ao menos, que não se auto-intitulem de liberais ao dizerem isso. Adam Smith deve estar dando pulos de raiva dentro de sua cova vendo o que os arautos do liberalismo moderno têm dito em seu nome...
Mário
Barbosa Villas Boas, setembro/1997
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