Vladimir Safatle Correio Braziliense
Brasília, domingo, 21 de outubro de 2001 • Página Inicial

Quem Tem Medo da Filosofia e da Sociologia?

Vladimir Safatle
Especial para o Correio

André Corrêa
FHC
FHC, Dona Ruth e o Ministro da Educação: Sociologia não, obrigado

"Sei que o senhor é sociólogo e que isso parece uma contradição, mas é preciso vetar. O projeto aprovado pelo Senado é uma volta ao passado."

Com estas palavras, o Ministro da Educação deu o ponto final em uma das histórias mais incoerentes dos últimos anos tucanos. Fernando Henrique Cardoso, sociólogo de formação, vetou um projeto aprovado pelo Senado que previa a obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia no segundo grau.

Há muito, o governo brasileiro especializou-se em produzir bricolagens de explicações aparentemente racionais para justificar o injustificável. São sempre argumentos que começam pelo velho: "Sim, a idéia é boa em outro lugar do mundo, mas infelizmente as condições objetivas nacionais não permitem que..."

Um observador atento às ações governamentais no Brasil não terá dificuldade em perceber como os piores momentos da nossa história sempre foram marcados por este tipo de incongruência. Algo muito próprio a uma certa elite nacional que procura validar as decisões mais atrasadas por meio de um discurso modernizador. Os resultados são situações esquizofrênicas como esta na qual um presidente sociólogo não acha conveniente ensinar sociologia para nossos adolescentes.

Vejamos, por exemplo, os argumentos utilizados para justificar o futuro veto. Tratam-se de duas pérolas. A primeira ainda resplande nas palavras do senador Romero Jucá (PSDB-RR): "O governo está preocupado com a falta de professores específicos para essas matérias no interior do Brasil." Ou seja, sem nunca ter apresentado nenhum número concreto à opinião pública, o governo saiu com a história de que há poucas faculdades de filosofia e sociologia no país.

O engraçado é que, mesmo se fosse verdade, isso não justificaria nada. Em uma nação cuja economia há muito deixou de ser capaz de abrir novas frentes de trabalho, seria uma dádiva efetivar uma lei que só poderia aumentar o campo profissional, gerar novas faculdades (mesmo que privadas) e melhorar o nível de um ensino reconhecidamente debilitado.

O senador Romero Jucá ainda tentou ser discreto, mas o editorialista de um grande jornal brasileiro não teve o mesmo pudor. Segundo ele: "As regiões que têm condição de oferecer essas matérias devem ser encorajadas a fazê-lo. Mas não dá para transformar em lei nacional o que escapa à realidade nacional. Quem vai ensinar filosofia no interior dos Estados mais remotos?" Ou seja, em bom português, para que perder tempo tentando levar filosofia e sociologia para esses índios dos "Estados mais remotos"? Antigamente, costumava-se dizer que muita abstração na cabeça de quem nasceu para pegar na enxada é perda de tempo. Pelo visto, a mentalidade não mudou muito. Ela esconde um preconceito de classe que, em seus piores momentos, vira preconceito regional.

Mas uma pérola sempre vem acompanhada de outra do mesmo quilate. Para fechar o pacote, o governo afirmou que ensinar filosofia e sociologia no segundo grau é voltar ao passado, já que isso não valorizaria a interdisciplinaridade. Para ele, estas disciplinas já estariam sendo ensinadas "transversalmente" (?) em alguma sobra das aulas de história e geografia. Agora, eu gostaria muito que alguém me explicasse desde quando um professor de geografia está apto a dar aulas sobre a ética aristotélica. Ou desde quando um professor de história pode tratar com propriedade da teoria weberiana dos tipos de autoridade?

Já que a moda é ensinar "transversalmente", por que então as escolas não ensinam transversalmente química e biologia? Com certeza, é porque há aí um critério de valor. Mas o governo não tem coragem de dizer claramente que, no seu projeto de educação, não há lugar para filosofia e sociologia. No que ele tem razão. Afinal, desenvolver o senso crítico, compreender melhor os fundamentos da política, saber ler a complexidade da vida social e da subjetividade contemporânea, ter noções mínimas das discussões ligadas à ética e à estética, aprender a desmontar as imposturas da ciência: quem precisa disso, não é verdade?

Não deixa de causar espanto esse veto à filosofia e à sociologia vir no momento em que várias empresas de ponta procuram profissionais menos tayloristas. Gente capaz de cruzar conhecimentos a fim de operar em realidades sociais múltiplas e em constante mutação.

Neste novo quadro, disciplinas como a filosofia e a sociologia, que ensinam principalmente a escapar de falsos dilemas e pensar com rigor, só poderiam ser bem-vindas.

Vladimir Safatle é mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo
e professor-visitante no Colégio Internacional de Filosofia, em Paris.
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