Destituição
subjetiva e dissolução do eu na obra de John Cage
O
medo do caos em música, como em
psicologia
social, é superestimado
Adorno
Uma
questão de método
No interior do espectro de confrontação entre arte e
psicanálise, é bem possível que o campo mais problemático seja a reflexão,
psicanaliticamente orientada, sobre a música. Não só porque a aversão de Freud
pela música parece ter sido partilhada por vários psicanalistas, entre eles
Lacan, que nunca dedicou nenhum tipo de pensamento sistemático sobre o fenômeno
musical, ao contrário do que fez com as outras artes. Mas também porque as
análises psicanalíticas dedicadas à música, em sua grande maioria, pouco
acrecentaram a uma reflexão sobre o que está em jogo na estruturação da forma
musical.
Tal
situação talvez provenha do fato da música ter sido a primeira das artes a
impor uma autonomização clara dos seus processos construtivos formais em
relação a tudo o que seria extra-musical (textos, programas, funções rituais,
vínculo à linguagem prosaica). A crítica à mimesis, por exemplo, operação tão
central para a constituição dos protocolos de racionalidade das artes visuais
no modernismo, já havia sido operado pela música em meados do século XIX. Esta
autonomia da forma musical chegou a levar alguns críticos de artes, como
Clement Greenberg, a ver no modo de autonomização da música o padrão a ser
seguido para a modernização do campo das outras manifestações artísticas.
Lembremos, por exemplo, de sua afirmação a este respeito: “Em razão de sua natureza ‘absoluta’, da distância que
a separa da imitação, de sua absorção quase completa na própria qualidade
física de seu meio, bem como em razão de seus recursos de sugestão, a música
passou a substituir a poesia como a arte-modelo (...) Norteando-se, quer conscientemente
quer inconscientemente, por uma noção de pureza derivada do exemplo da música,
as artes de vanguarda nos últimos cinqüenta anos alcançaram uma pureza e uma
delimitação radical de seus campos de atividade sem exemplo anterior na
história da cultura”[1]. A colocação não poderia ser mais clara: a música
teria imposto, às outras artes, uma noção de modernidade e de racionalização do
material vinculada à autonomização da forma e de suas expectativas
construtivas.
Talvez
isto nos explique algo do pouco interesse da psicanálise em relação à música.
Pois tal autonomização implica em deparar-se com a resistência do material
musical a interpretações analíticas do tipo "hermenêutico" tais quais
as desenvolvidas por Freud em seus ensaios dedicados à estética, e por Lacan em
ensaios como os dedicados a Edgar Alan Poe, a Genet, a Hamlet e a Wedekind.
Podemos falar aqui em hermenêutica
porque estamos diante de um regime estético que submete a racionalidade das
obras a uma noção de interpretação pensada sobretudo como decifragem de
signos, o que pressupõe uma compreensão semântica da aparência
estética. Trata-se de
decifrar os conteúdos presentes na cena articulada pela obra a partir de uma procura arqueológica de
sentido que visa desvelar a racionalidade causal do fenômeno estético ao
reconstruir uma espécie de texto latente que estaria obliterado pelo trabalho
do artista. A partir desta perspectiva, tal decifragem coloca as categorias ligadas aos
complexos psíquicos como o campo estrutural privilegiado de significação
possível do material. A obra se transforma assim em um texto no qual se podem ler
motivos psicanalíticos maiores, como o complexo de Édipo e a teoria da
sexualidade infantil (Freud) ou nos levar ao desvelamento de uma gramática do
desejo construída a partir dos dois operadores centrais da clínica: o Falo e o
Nome-do-Pai (Lacan). Neste
sentido, não é casual que a maioria dessas análises de obras de arte não dê
lugar, ou secundarize, a análise das estruturas formais em sua dinâmica
própria, assim como as considerações sócio-históricas sobre as obras. Pois a psicanálise teria a tarefa de desvelar a
verdade obliterada pela forma estética, já que a obra não coincidiria com sua
letra, sua essência estaria em uma Outra cena na qual se desvelaria seus
esquemas de produção e cujo acesso exigiria uma leitura de profundidade.
Dito
isto, podemos organizar os textos psicanalíticos sobre música em quatro grandes
grupos.
A
maioria de tais trabalhos está orientada para o que poderíamos chamar de
"análise psicanalítica da escuta". Tratam-se de estudos que procuram
determinar os mecanismos de investimento libidinal da escuta musical. O mais
conhecido destes trabalhos foi escrito por Theodor Reik (The hauting melody). Reik serve-se do sistema de interpretação
psicanalítico partindo da análise sua própria fixação, após a morte de um
amigo, a uma melodia da Primeira Sinfonia de Mahler. Isto lhe permite
compreender o fenômeno da "melodia obsedante" enquanto expressão de
uma representação psíquica recalcada pela consciência. Tais pesquisas não têm
muito a ver com uma crítica musical estrita e aproximam-se, na verdade, de uma
psicologia da audição. Trabalhos mais recentes como os de Alain Didier-Weil e
de Guy Rosolato tendem a ir neste sentido.
Um
segundo grupo importante de textos é constituído por psicobiografias: estudos
que se servem da interpretação analítica do romance familiar ou da nosografia
do compositor para fornecer uma análise de sua obra. Tal ponto de vista
normalmente conduz à redução da obra, pensada aqui principalmente como campo de
sublimação de conflitos pulsionais. Ida Macalpine (Rossini: piano pieces for
the primal scene) e o casal Sterba (Beethoven and his family) são
exemplos representativos.
O
terceiro tipo de textos reúne análises propriamente hermenêuticas de
composições musical. É significante que a grande maioria destes trabalhos sejam
análises de óperas. Pois, normalmente, o estudo da narrativa é privilegiado e a
especificidade do material musical não é levada em conta. É isto que vemos, por
exemplo, nos escritos de Melanie Klein sobre L´enfant et ses sortilèges, de Ravel e nestes de Otto Rank sobre o Don Juan, de Mozart e sobre o Lohengrin,
de Wagner.
Por
fim, há trabalhos que esboçam algo como uma “psicanálise da forma musical”.
Nestes casos, encontramos um esforço peculiar de consideração sobre a estrutura
formal das obras musicais através da conceitografia analítica. Tratam-se de
trabalhos que conjugam psicanálise e música sem dissolver a especificidade da
análise da forma musical. Tal estilo de análise foi inaugurado por Adorno e o
exemplo mais conhecido talvez seja O caráter fetichista da música e a
regressão da audição, de 1938, embora seja possível apontar vários outros
textos em que Adorno recorre à estrutura conceitual psicanalítica para analisar
obras musicais de Schoenberg, Stravinsky, Berg, entre outros[2].
No caso de O caráter fetichista da música, Adorno aproveita-se da função metonímica do fetiche (que faz com que a fascinação pela parte ocupe o valor do todo), assim como sua operação de sobrevalorização, a fim de dar conta da tendência à perda da unidade sintética da obra nos processos composicionais e em uma recepção que só conheceria a “audição atomizada”. Por outro lado, ele se serve ainda da operação de idealização (Idealisierung) própria a toda estrutura fetichista. A mesma operação que levou Jacques Lacan a falar em imaginarização enquanto apreensão do objeto como projeção de um esquema mental que, no caso do fetichismo, é imagem fantasmática[3]. A partir daí, Adorno poderá expor o processo de redução do material musical, com sua temporalidade constitutiva, à estática de imagens idealizadas e reificadas. É contra tal pregnância imaginária que Adorno lembra: “o que se aferra à imagem fica prisioneiro do mito, culto dos ídolos”[4]. Daí porque : “é sem imagem que o objeto deve ser pensado em sua integralidade”[5].
Ainda
é digno de nota o esforço adorniano de reconfiguração da categoria estética da
expressão a partir da noção freudiana de
pulsão (assim como a noção de impulso, que desempenhará um papel central
em seu programa filosófico). Operação fundamental na compreensão adorniana da
obra de Schoenberg, como fica claro em afirmações como: “A música de Schoenberg
quer emancipar-se em seus dois pólos [o pólo da expressão e o pólo da construção]:
ela libera as pulsões (Triebhafte) ameaçadoras, que outras músicas só
deixam transparecer quando estas já foram filtradas e harmonicamente
falsificadas; e tensiona as energias espirituais ao extremo; ao princípio de um
Eu que fosse forte o suficiente para não denegar (verleugnen) a pulsão”[6].
É tal reconfiguração psicanalítica da categoria estética de expressão que
permitirá a Adorno falar, por exemplo, da “pulsão de morte” como tendência
originária das obras de Berg, isto devido ao desejo insaciável de amorfo e de
informe que as habita. Pois, para alguém como Adorno, que moldou a categoria do
impulso subjetivo (Impuls) a partir do conceito psicanalítico de pulsão,
a expressão não pode mais estar subordinada a gramática dos afetos ou da
imanência expressiva da positividade da intencionalidade. Uma expressão pensada
nesta chave pulsional coloca-se no interior das obras como negação das
identidades fixas submetidas a uma organização funcional.
Nos
anos 70, Jean-François Lyotard também se serviu do conceito psicanalítico de
pulsão de morte no interior de um debate sobre a forma musical, mas a fim de
pensar o advento de uma música para além da organização serial. Para ele, a
pulsão de morte marcaria uma intensidade pura insistente, tal como um ruído que
escapa à unidade estruturada formada por sistemas de organização sonora.
Segundo Lyotard, é a música de John Cage, com sua deposição dos parâmetros de
organização funcional das obras que apresentaria, de maneira “afirmativa” a
pulsão de morte[7].Retornaremos
e a esta interpretação mais à frente.
Por enquanto, devemos
insistir que tais programas colocados em circulação por Adorno (e mesmo por
Lyotard) nos fornecem uma orientação para esta questão de método que diz
respeito aos modos de articulação do sistema de relações entre psicanálise e
análise da forma musical. Problema que, na verdade, insere-se em um quadro mais amplo e ainda não
totalmente claro e que concerne às possibilidades de rearticulação do recurso
psicanalítico à estética.
Poderíamos dizer que tal
rearticulação só se mostrará profícua se ela for capaz de respeitar, ao menos,
duas condições maiores. Primeiro, trata-se de compreender claramente que a arte
pensa, ou seja, ela não precisa de importações de nenhuma natureza para
organizar o campo de problemas e conceitos que gravitam em torno das obras.
Dizendo de uma maneira mais clara, as obras produzem seus próprios conceitos e
são eles que devem orientar nossa confrontação inicial com as obras (e não os
conceitos psicanalíticos). Isto implica em um certo pudor na relação com as
obras. Pudor que nos lembra que o recurso à psicanálise não serve para
reconstituir a visibilidade do campo
gravitacional de conceitos e problemas que orientam as aspirações das obras.
A
segunda condição, e é só neste momento que o recurso à psicanálise é de alguma
serventia, consiste em lembrar que toda obra bem-sucedida responde a problemas
sobre regimes de determinação e sobre possibilidades de reorientação de categorias como: identidade, diferença,
relação, unidade, entre outros. Tendo isto em mente, Adorno chegou mesmo a
aceitar que a lógica das obras de arte era, de uma certa forma, derivada da
lógica formal[8].
No entanto, ao decidir sobre modos de orientação para certas operações
estruturantes do pensamento, as obras de arte fornecem a imagem do modo com que
sujeitos podem estabelecer identificações, relações de objeto e reconhecer
afinidades miméticas com o que se põe como Outro. Neste sentido, elas
disponibilizam figurações para problemas gerais de subjetivação. A tentativa
adorniana de reconstruir a categoria estética de expressão através do recurso á
pulsão, reconstrução que livrava a expressão de sua definição enquanto processo
de posição de determinações intencionais de sujeitos que se projetam nos
objetos, deve ser compreendida no interior deste quadro de disponibilização de
figurações para problemas de subjetivação (que, no caso adorniano, é claramente
subjetivação da pulsão).
Este
ponto é fundamental porque compreender as obras como formalizações de processos
de subjetivação permite à psicanálise repensar os modos de subjetivação
disponíveis à clínica a partir de uma certa configuração da reflexão estética
sobre a arte. Esta confrontação
com o estado das obras abre as portas para a psicanálise relativizar um quadro
de modos de subjetivação classicamente pensado através da tríade rememoração,
simbolização reflexiva e verbalização.
Talvez o psicanalista que melhor compreendeu este ponto
seja Lacan. De fato, há vários textos em que Lacan submete os fenômenos estéticos
à ilustração de métodos de
interpretação da gramática do desejo. Quando lê A carta roubada, de
Poe, ele sequer teme em dizer procurar:
“ilustrar a verdade do momento do pensamento freudiano que estudamos”[9].
No entanto, há uma espécie de segundo modo de recurso psicanalítico às artes em
Lacan e ele estrutura-se em torno do problema do estatuto próprio ao
objeto estético em sua irredutibilidade. Assim, a respeito dos seus inumeráveis
recursos a pintura, Lacan dirá: “É no nível do princípio radical da função
desta bela arte que procuro me colocar”[10].
Ao procurar um “princípio radical da função da arte”, ele procura, na verdade,
coordenadas que lhe permitam compreender a especificidade da formalização
estética e de seus modos de subjetivação. Neste sentido, devemos
estar atentos ao fato da formalização estética poder aparecer para Lacan como
modo de apreensão de objetos que resistem, por exemplo, aos procedimentos
gerais de simbolização reflexiva com sua pressuposição de ampliação
hermenêutica do horizonte de compreensão da consciência. Daí afirmações como
: “aquilo a que nos dá acesso o artista,
é o lugar do que não se deixa ver : resta ainda nomeá-lo”[11].
Esta especificidade
presumida da formalização estética tem uma raiz clara. Ao insistir na gênese
das obras de arte a partir da sublimação das moções pulsionais, a reflexão
psicanalítica sobre as artes é também obrigada a recuperar a centralidade da
categoria da expressão na compreensão da racionalidade dos fenômenos
estéticos. No entanto, Lacan é responsável por uma reforma do conceito de
pulsão, em particular através da reconstrução da noção de objeto da pulsão.
Tal reforma traz necessariamente conseqüências para a configuração da expressão
e de suas possibilidades construtivas. A partir de então, a expressão, pensada
através de um esquema peculiar de sublimação pulsional, só poderá se realizar
ao levar o sujeito a colocar-se como
“consciência de ser em um objeto”[12],
mas em um objeto no qual ele não reconhece mais sua imagem, formada por
identificações e antecipações imaginárias. Um objeto que mostra o que resta do
sujeito quando a fortaleza do eu se dissolve. Na verdade, esta figura da arte
permitiria ao sujeito reorientar sua noção de “identidade” reconhecendo, na sua
relação a si, algo da ordem da opacidade do que se determina como ob-stante (Gegenstande),
como não saturado no universo simbólico. Através do recurso psicanalítico ás
artes, um modo de subjetivação da pulsão, para além dos esquemas clássicos de
rememoração, simbolização e verbalização se esboça aqui. Notemos que, neste caso, o
recurso psicanalítico à arte não é interpretativo (como se a função da arte
fosse legitimar a consistência do quadro analítico de interpretação, o que é o
caso em vários estudos freudianos), ele é indutivo. Ele consiste em ver a arte
como um campo privilegiado de indução de dispositivos clínicos.
O texto que será aqui apresentado é uma tentativa de se
manter fiel a tal programa. Não se trata de interpretar a obra de John Cage com
conceitos psicanalíticos que lhes sejam estranhos, até porque as reservas de
Cage à psicanálise são conhecidas[13].
Trata-se, na verdade, de mostrar como a
obra de John Cage é animada por problemas de fundo a respeito do
destino, ou ainda, do pretenso esgotamento do conceito moderno de sujeito e dos
regimes disponíveis de subjetivação que deveriam derivar de tal esgotamento. Em sua obra, opera um
verdadeiro processo de "destituição subjetiva" que guarda uma relação
complexa de proximidade e distância com este processo de destituição subjetiva
crucial para o final de análise, ao menos segundo Lacan.
Imanência
e inexpressão
A compreensão da
importância da obra de John Cage exige uma contextualização de certas questões
vinculados à forma musical e a seus modos de construção. Todos sabem como a
forma musical chega à aurora do século XX com um problema de fundo. O tonalismo
enquanto sistema de organização da totalidade funcional das obras que havia
orientado, de maneira hegemônica, a composição musical a partir do século XVIII
chegara à sua exaustão. Tal exaustão não era apenas um problema vinculado às
possibilidade técnicas dos modos de estruturação da forma musical. Esquecemos
muito facilmente de que a análise da forma musical é, de uma certa forma, um
setor privilegiado da história da razão, isto no sentido dos critérios e regras
de organização da forma musical serem, na verdade, critérios de racionalidade e
de processos de racionalização. Pois a forma musical gera-se a partir da
decisão a respeito de protocolos de identidade e diferença entre elementos
(consonância e dissonância), de problemas de partilha entre o que é racional e
o que é irracional (som e ruído), entre
o que é necessário e o que é contingente (desenvolvimento e acontecimento). Ela
trata ainda de decisões a respeito da relação entre razão e natureza (a música
como imitação de leis naturais ou a música como plano autônomo do que se afirma
contra toda ilusão de naturalidade), além de questões sobre os modos de
intuição do tempo e do espaço. São tais dispositivos que nos permite afirmar que
a forma musical nasce de uma decisão a respeito de critérios de racionalidade.
O que nos demonstra que o esgotamento de um sistema musical de organização,
como o tonalismo, é, na verdade, o esgotamento de toda uma figura ordenadora da
razão.
Cage talvez tenha sido o compositor do século XX que mais claramente percebeu isto. Dificilmente encontraremos alguém que se aplicou de maneira tão sistemática em negar todas as categorias que davam racionalidade à estrutura da forma musical. No entanto, esta crítica à razão foi animada por um impulso que encontramos, de uma maneira ou de outra, na própria gênese do modernismo. Tratava-se da crença de que uma crítica totalizante da razão só poderia ser feita em nome de um certo retorno à origem, ao arcaico e ao primitivo. Através destes protocolos de retorno, a arte fiel ao seu conteúdo de verdade deveria ser capaz de liberar a força disruptiva de uma origem há muito recalcada pelos processos de racionalização e de socialização. Foi nesta chave que o momento histórico do primeiro modernismo se serviu da psicanálise; isto a partir da concepção de uma aproximação cheia de ressonâncias (e não muito fiel ao que estava realmente em jogo na descoberta freudiana) entre o infantil, o primitivo e o inconsciente, já que o inconsciente aparece aqui como conceito anterior aos processos de individuação.
Embora John Cage não
partilhe recursos desta natureza, é certo que ele estava claramente disposto a
pensar a música como espaço de um certo retorno àquilo que se coloca antes de
todo processo de estruturação simbólica da cultura e a todo processo de
individuação. O nome deste plano que direciona as expectativas de retorno é
clássico: a natureza. Como o próprio Cage afirma, em um texto tardio : “Arte
= imitação da natureza em seus modos de
operação”[14]. Trata-se assim de procurar fundar a racionalidade
musical em um impulso mimético capaz de reconciliar a composição com os modos
de operação da natureza. O que não significa que o som musical deve soar tal
qual o som natural , o que nos colocaria nas vias de uma estética da
representação; mas exigir que a arte seja capaz de atualizar a natureza
enquanto mundo que produz acontecimentos que só podem ser percebidos enquanto
tais partir de certas condições precisas[15].
Tratava-se na verdade de pensar algo como o advento de uma música da imanência.
No entanto, dizer isto é ainda dizer pouco. Pois devemos ser capazes de especificar o que pensa exatamente Cage ao tentar naturalizar a forma musical, isto a ponto de procurar uma forma que fosse imanente à natureza em seus modos de operação. Certamente, não se trata aqui de procurar alguma maneira de recuperar procedimentos capazes de derivar as regras gerais de organização harmônica de uma teoria fisicalista do som e de suas propriedades de ressonância, estratégia de naturalização da forma musical que acompanhou o tonalismo, ao menos desde os estudos de harmonia de Jean-Phillipe Rameau.
Devemos ainda explicar o
que o vocabulário da imitação estaria fazendo neste contexto. Sabemos como a
crítica à mímesis foi uma das categorias centrais da arte moderna. Crítica
derivada da consciência histórica de que o que normalmente se apresentava como
natureza era, na verdade, resultado de uma reificação do discurso. Esta negação da afinidade mimética era figura da crítica
por insistir também que modos de organização funcional naturalizados são locais
onde a ideologia afirma-se em toda sua violência, isto se compreendermos a
ideologia fundamentalmente enquanto reificação de modos de disposição dos
entes. Lembremos como a ideologia era vista, tradicionalmente, como uma questão
de naturalizar modos de apresentação dos entes. Caberia à arte, assumir assim esta crítica à
reificação e mostrar o que a imagem da natureza procura esconder, ou seja, os
mecanismos de produção do que tenta se afirmar como naturalmente dado.
De fato, algumas coisas
devem ser ditas a respeito desta racionalidade mimética que orienta a obra de
Cage. Primeiro, Adorno havia percebido claramente que, na música de Cage,
encontrava-se este movimento crítico fundamental, esta “protestação contra uma
cumplicidade cega da música com a dominação da natureza”. Não se trata aqui de
procurar alguma forma de reconciliação com o imaginário próprio à natureza, já
que ressoa na música de Cage a afirmação segundo a qual a imagem socialmente
fornecida da natureza não corresponde à sua verdade. Trata-se de afirmar que a
natureza não pode ser, por outro lado, mero discurso reificado, mas que ela
indica este ponto de resistência do sensível às operações de um conceito pensado,
principalmente, sob a forma da representação e da subsunção do diverso da
experiência sensível ao genérico da categoria. Assim, se é certo que uma paixão
pelo real anime Cage a procurar uma "arte da experiência imediata"[16],
a questão que fica diz respeito aos modos de recuperação de algum nível de
experiência imediata com a natureza nas condições sócio-culturais do
capitalismo avançado. A questão maior do compositor deve ser pois : o que é necessário destruir para que a
natureza possa advir em seu modo de operação próprio?
Antes de respondermos a
esta questão, vale a pena operarmos um esforço de contextualização a respeito
da obra de John Cage. Se procurarmos acompanhar Cage em seus passos, veremos
que sua obra organiza-se, grosso modo, em dois grandes momentos. O primeiro,
que vai dos anos 30 até o início dos anos cinqüenta, é marcado por algumas
experiências seriais (Cage foi aluno de Schoenberg durante dois anos),
explorações formais que tinham o ritmo e a pulsação como elementos
estruturadores de síntese, além de composições por justaposição.Seus trabalhos
são, principalmente, peças para piano e peças para conjunto de percussão, além
das explorações percursivas do piano através da idéia de “piano preparado”[17].
A partir dos anos 50,
Cage descobre o Zen budismo e coloca-se, cada vez mais, como um compositor
dadaísta que vê, em Erik Satie, um precursor. Três peças de 1951 demarcam este
novo impulso: Concerto para piano preparado e orquestra de câmara, Imaginary
Landscape n. 4 e Music of Changes. A partir de então, impõe-se o uso
deliberado do acaso, da indeterminação e da indistinção entre som estruturado e
ruídos advindo da vida ordinária. É neste momento que a obra de Cage leva às
últimas conseqüências seu projeto de crítica à racionalidade da musical ocidental,
projeto agora amparado por uma junção entre expectativas vanguardistas
tipicamente modernistas e expectativas de espiritualização da vida cotidiana[18].
Através da arbitrariedade do acaso, Cage procura abrir espaço para um retorno
ao ser que se “deixaria estar” na imanência do sonoro. Daí porque ele poderá
afirmar : “Eu vi a arte não mais como uma forma de comunicação que parte do
artista em direção ao seu público, mas como uma atividade na qual o artista
encontra uma maneira de deixar os sons serem eles mesmos”[19].
Voltemos então à
primeira fase de Cage. Ela é extremamente instrutiva a respeito do que move seu
projeto estético de retorno. Quando ainda era aluno de Schoenberg, Cage deixa claro sua necessidade em: “encontrar um
meio de fazer música liberado da teoria da harmonia, ou da tonalidade”[20]. Esta recusa da harmonia como princípio estruturador
da organicidade funcional das obras era radical. Não se tratava, para Cage, de
abandonar o sistema harmônico funcional tonal em prol de outra forma de
organização total como, por exemplo, o dodecafonismo ou algum modo alternativo
de pensamento serial. Tratava-se simplesmente de parar de pensar em termos de
progressão, de expectativa e resolução, de antecedente e consequente. O uso
privilegiado de conjuntos de percussão e de piano preparado é uma decorrência
desta exigência composicional. Pois, isto permitia a Cage organizar construções
a partir do jogo entre som e aquilo que aparece exatamente como negação
imediata do som (o silêncio). È neste sentido que devemos entender afirmações
como: “O som tem quatro características: altura, timbre, intensidade e duração.
O que se opõe e coexiste necessariamente com o som é o silêncio. Das quatro
características do som, apenas a duração envolve tanto o som quanto o silêncio.
Assim, uma estrutura baseada em duração (rítmica, frase, extensão de tempo) é
correta (corresponde à natureza do material), enquanto estrutura harmônica é
incorreta (derivada da altura, que não tem ser no silêncio)”[21].
Por outro lado, nas
peças para piano, vemos claramente uma procura pela construção por justaposição
de materiais, por cortes e rupturas. Nós poderíamos
inicialmente pensar que Cage estaria seguindo uma via já aberta por Stravinsky
com seus procedimentos cubistas de justaposição. Mas havia em Cage algo de
muito particular.
A noção de justaposição
implica necessariamente em dissolução da temporalidade. Isto significava, em
Stravinsky, operar com uma noção espacial de tempo, pois sua música passa de um
material a outro tal como alguém que atravessa as fronteiras de um território
descontínuo. Composições por justaposição nos lembram, normalmente, que a
determinidade imediata do espaço fundamenta-se na indiferença recíproca como
marca do modo de ser da espacialidade. Tal estaticidade de materiais que se
acomodam ao modo de ser da espacialidade permitiu a Adorno afirmar que, em
Stravinsky, o material musical é apresentado da mesma maneira que apresentamos
uma imagem estática que se dá no espaço. Daí porque seu material era
normalmente um material fetichizado, material reduzido à sua própria imagem.
Este diagnóstico de
fetichização devido à submissão à imagem não alcança a obra de John Cage. Pois,
em Cage, os cortes eram tão constantes que o material estava simplesmente
impossibilitado de desenvolver-se, mesmo que de maneira estereotipada. Um exemplo privilegiado aqui é Ophelia. Trata-se
de uma música onde a profusão de pausas indica a ausência de desenvolvimento no
sentido forte do termo. As frases musicais são curtas por serem incapazes de se
desdobrarem. Isto implica em um empobrecimento radical do material, que é
apresentado de maneira cada vez mais desarticulada: arpeggios, seqüências de
oitavas, glissandos, pequenas repetições e modulações. Neste sentido, os
primeiros compassos, com suas profusões de quintas e oitavas em seqüência,
cortes abruptos e ausência completa de raciocínio contrapontístico já servem
como ilustração (ver figura). Podemos mesmo dizer que a peça é composta com
restos, com dejetos da gramática musical, já que se fixa naquilo que não tem
valor do ponto de vista dos materiais. Ao suspender a estrutura de organização
da forma, o compositor se vê diante de peças desarticuladas de um vocabulário
que outrora serviu para a constituição de uma narrativa. A suspensão das
capacidades organizadoras da estrutura nos deixa diante de objetos fora de
cena, restos por não se enquadrarem em estrutura alguma.
Já se insinuava, neste
momento, aquela que será a direção fundamental da música de Cage. Ela está
claramente enunciada na afirmação : “A noção de relação retira a importância do
som (...) eu comecei a me interessar não pelas relações – ainda que visse a
interpenetração das coisas – mais creio que elas se interpenetram de uma
maneira mais rica, mais abundante, se não estabeleço relação alguma”[22].
Aqui há um deslizamento
cheio de conseqüência. Cage não poderia ser mais claro. Através desta operação
de destruição da gramática musical, tratava-se de liberar o som de qualquer
dependência de um pensamento da relação. Como viu muito bem Lyotard, trata-se
de negar que: ‘no limite, o som, enquanto ligado, não vale mais devido a sua
sonoridade, mas devido à rede de suas relações, atuais e possíveis, exatamente
como um fonema, unidade distintiva arbitrária”[23]. Isto explica a tendência de Cage em apresentar os
sons envoltos em silêncio, irrompendo sobre o fundo de espaços vazios que visam
anular toda expectativa prévia de relação.
Este programa só pode se
realizar de maneira integral através da destruição de todos os fatores formais
que bloqueariam nossa aproximação da “real natureza dos sons”, como diria
Daulhaus[24]. Ou seja, dicotomias como : a distinção entre som e
ruído, música e silêncio, entre acaso e necessidade, entre qualidades
periféricas e centrais do som, vão paulatinamente caindo por terra. Cage chegará
mesmo a afirmar: “Todos os sons quais sejam suas qualidades e alturas
(conhecidas ou desconhecidas, definidas ou indefinidas), todos os contextos de
sons, simples ou múltiplos, são naturais e concebíveis no quadro de uma
estrutura rítmica que abraça igualmente o silêncio”[25]. Ou ainda, percebendo a conseqüência que tal postura
traria para uma reflexão sobre a racionalidade da forma musical : “Toda
tentativa de excluir “o irracional” é irracional. Toda estratégia de composição
que é inteiramente racional é irracional ao extremo”[26]. Esta interversão da razão é, na verdade, uma das
figuras do problema da interversão da racionalidade em princípio de dominação,
seja da natureza, seja dominação de si. Como exemplo privilegiado desta
interversão, Cage identifica a música de Schoenberg, com sua tentativa de
criação de totalidades funcionais a partir de um raciocínio serial que
determina o significado do som através de relações posicionais no interior da
série. Este é o sentido da afirmação: “O método de Schoenberg é análogo a uma
sociedade em que a ênfase esta no grupo e na integração do individual ao grupo”[27].
Music of Changes (Música das Mutações),
de 1951, com seus
processos de composição baseados no I-Ching, é o marco de ruptura que leva
Cage, cada vez mais, em direção àquilo que poderíamos chamar de "estética
da indiferença" (para usar uma expressão feliz de Bárbara Formis), ou
seja, estética do nivelamento e da indiferenciação sistemática de todo material
sonoro. Não se trata simplesmente de estabelecer um movimento de contraponto
entre opostos (som e ruído, música e silêncio), mas de operar no ponto de
indiferenciação onde nos deparamos com a anulação entre o que interno ao campo
de gravitação da obra musical e o que lhe é externo. Todo fenômeno audível,
dizia Cage, é matérial próprio à música. Esta estética da indiferença em
relação a todo vínculo privilegiado a materiais e objetos nos leva
necessariamente à conjugação de uma gramática da desafecção. Lembremos, por
exemplo, do que diz John Cage a respeito a intensidade e da excitação dos
quadros de Jackson Pollock: "Nenhum destes aspectos me interessa. Eu peço
ao artista para mudar minha maneira de ver, não minha maneira de sentir. Estou
perfeitamente feliz com minhas sensações. Na verdade, se quisesse acrescentar
algo a elas, seria alguma forma de tranqüilidade. Não quero perturbar minhas
sensações. Não tenho a intenção de passar o resto da minha vida sendo jogado
para todos os lados por um bando de artistas"[28].
Na verdade, esta mudança na maneira de ver é resultado de uma desafecção que
impõe os objetos ao regime da indiferença. Daí porque Cage pode afirmar:
"A responsabilidade do artista consiste em aperfeiçoar seu trabalho até
que ele seja atrativamente desinteressante"[29].
Talvez o melhor exemplo aqui seja Imaginary landscapes n. 4. Trata-se de uma peça para doze rádios
aleatoriamente sintonizados. O uso do I-Ching serve para a definição da
estrutura de tempo, duração, dinâmica e sons de rádios que os produzem de
maneira absolutamente autônoma em relação ao “gosto individual e memória
(psicologia) e também à literatura e ‘tradição’ das artes”. Desta forma, “os
sons entram no espaço-tempo centrados em si mesmos, desimpedido pelo exercício
da abstração, seus 360 graus de circunferência livres para um jogo infinito de
interpenetração”[30].
Lembremos
ainda que a escolha de rádios no papel de instrumentos musicais traz uma
conseqüência maior para a própria definição de “espaço sonoro”. A música, mesmo
sendo uma arte vinculada à temporalidade, organiza o espaço ao separar sons que
são internos ao fenômeno musical e sons que são ruídos a serem isolados de toda
e qualquer interpretação musical. O uso de rádios desarticula tal distinção,
jogando o espaço musical em uma informidade indiferenciadora. Indiferenciação
que impede o que comumente compreendemos por “experiência estética”, já que a
experiência de audição da peça tende a se pautar por uma certa epokhé
que
suspende o juízo estético ao orientá-lo a partir do horizonte de uma
“experiência ordinária” que só se abre a partir do momento que depomos as
expectativas de julgamento[31].
Estoicismo
musical
Esta suspensão do
julgamento no interior do processo composicional em prol da crença na abertura
à presença do que teria sido recalcado pela racionalidade musical é um ponto que
traz uma pressuposição fundamental. Pierre Boulez, por exemplo, muito mais
interessado em levar o pensamento serial ao extremo, viu nesta desarticulação
do sentido global da forma o convite para uma “improvisação determinada apenas
pelo livre-arbítrio”[32], ou seja, diletantismo que encobriria uma fraqueza
fundamental no domínio das técnicas de composição.
Mas “livre-arbítrio” de
uma subjetividade capaz de ter a seu dispor a integralidade de todo e qualquer
material, eis algo absolutamente estranho ao projeto estético de Cage. Ao
contrário, esta destruição de todos os fatores formais próprios da música
ocidental era pensada por Cage como figura de uma dissolução do eu e dissolução
da autonomia da vontade. Isto a ponto de Cage aceitar claramente não fazer exatamente
música: “se a palavra ‘música’ é sagrada e reservada aos instrumentos do século
dezoito e dezenove, nós podemos substituí-la por um termo mais pleno de
sentido: organização de sons”[33].
Ou seja, a passividade da não-escolha, da não estruturação de relações é
assumida no interior de um programa estético onde a própria ação composicional
só pode se afirmar negando-se enquanto ação orientada para fins. "Qual o
propósito desta música experimental?", pergunta Cage a si mesmo: "Não
há propósitos, apenas sons"[34].
Este é um ponto
fundamental. Toda forma musical traz a pressuposição de uma figura do sujeito,
não apenas enquanto agente do processo composicional vinculado à categoria de
expressão, mas também como ouvinte que deve se orientar a partir de modos determinados
de audição. Tomemos, por exemplo, a forma-sonata definida como o que tem: “um
clímax identificável, um ponto de máxima tensão para o qual a primeira parte do
trabalho conduz e que é simetricamente resolvido. Trata-se de uma forma
fechada, sem a estrutura estática de uma forma ternária; ela tem uma
finalização dinâmica análoga ao desdobramento do drama oitocentista, no qual
tudo é resolvido, os detalhes estão ligados e a obra é redonda”[35].
A identificação de clímax e tensões exige funções intencionais como a memória
narrativa (que organiza o desenvolvimento em “drama”), a atenção orientada por
um telos, além da compreensibilidade de princípios de diferenciação e de
identidade partilhados tanto pelo compositor quanto pelo ouvinte. A idéia de
resolução exige, por sua vez, um Eu capaz de orientar processos de síntese e de
determinar o sentido de totalidades funcionais; ou seja, um Eu como unidade
sintética de representações.
A música da imanência de
John Cage, no entanto, é uma música da dissolução do Eu por não exigir nenhuma destas funções
intencionais e sintéticas. Se lembrarmos que uma das funções centrais do Eu é,
exatamente, ser uma unidade sintética de representações, ou seja, instância que
fornece a regra de unificação do diverso da intuição em representações de
objetos, então podemos compreender como a luta de Cage contra as funções
harmônicas de estruturação do material sonoro e contra os princípios de
diferenciação que compõem a gramática musical era, no fundo, luta contra as
funções sintéticas do Eu. “Fazer algo que escapa à dominação do eu”[36] como maneira de formalizar o som em sua real
natureza, esta poderia servir de afirmação-chave para Cage. Adorno viu isto
claramente ao perceber, em Cage, um compositor que: "procurava transformar
a fraqueza do eu em força estética".
Este programa de
dissolução do Eu pode nos explicar, por exemplo, porque a música de Cage não é
construída a partir de procedimentos de “improvisação”, mas é, na verdade, o
ato de posição de campos de indeterminação. A diferença entre os dois conceitos
é absoluta. A improvisação está ligada à potencialidade expressiva do Eu que,
servindo-se da memória e de parâmetros musicais de base, varia normalmente
apenas um padrão musical : a altura. A indeterminação funda-se exatamente na negação
da intencionalidade do compositor. Neste caso, a tarefa do compositor consiste
simplesmente em definir regras de um dispositivo preciso que deve permitir a
manifestação de um acontecimento musical imprevisível tanto para o músico
quanto para o intérprete e para o ouvinte. Desta forma, o fazer musical
abandonava categorias aparentemente tão centrais quanto "expressão" e
"intencionalidade".
É
neste ponto que John Cage aproxima-se de uma temática fundamental tanto para a
arte do século XX quanto para a estruturação da racionalidade de práticas
clínicas como a psicanálise, em especial a psicanálise de orientação lacaniana.
Ela diz respeito a uma certa noção do Eu e de suas funções como centro de
desconhecimento narcísico dos mecanismos de submissão de si a uma realidade
alienante. Notemos, antes de mais nada, o caráter "terapêutico" das
obras cageanas. Interpretar certas obras implica em aceitar um processo de
decisão onde a apatia e a deposição da intencionalidade são elementos
fundamentais. Esta apatia significa assumir um modo de relação de objeto
baseado na indiferença e, por conseqüência, um modo de relação a si baseado na
despersonalização e na destituição subjetiva, já que não é uma pessoa enquanto
pólo consciente de intenções que interpreta., mas alguém que, através de uma
ataraxia estóica, é capaz de reconciliar-se com o curso de um mundo que pode se
afirmar para além de toda imagem alienada de organização. Este estoicismo musical é, pois, posição
através da qual o compor significa reconciliar com o curso do mundo através da
ataraxia, da apatia e da suspensão do juízo estético.
Um outro ponto que demonstra o
caráter da destituição subjetiva pressuposta pela música de Cage diz respeito à
figura da “corporeidade” que dela deriva. Neste sentido, lembremos da relação
fundamental entre música e dança em
Cage. Sabemos como, a partir de 1943 e até sua morte, Cage desenvolve uma
colaboração extremamente durável com o coreógrafo Merce Cunningham. Mas mesmo
antes de tal encontro, Cage já trabalhava, com seu grupo de percussão, em peças
musicais para coreografias. Tal interface privilegiada nos leva a perguntar
sobre a figura de corpo que sua música procura atualizar.
Vimos
como, em sua primeira fase, Cage privilegiava estruturações baseadas em duração
e medidas de tempo, isto ao invés de estruturas baseadas em funcionalidades
harmônicas ou séries de alturas. Este foi um operador central de aproximação
entre sua música e a dança: “O tempo é um denominador comum entre a dança e a
música e não uma especificidade da música, como a tonalidade ou a harmonia. Eu
liberei os dançarinos da necessidade de interpretar a música no plano dos
sentimentos, eles podiam criar uma dança no interior da mesma estrutura usada
pelo músico”[37].
Este tempo, no entanto, reduzido á fluxos de duração, é tempo sem narrativa,
tempo que pede gestos fora de um drama, movimentos que expressam: “nenhuma
história e nenhum problema psicológico”[38].
Corpos que habitam este tempo tendem a desconhecer estruturas formais
limitadoras, ou seja, tendem a andar em direção ao informe.
Isto
talvez nos explique porque o contato com Cunningham levou Cage a compreender
paulatinamente uma certa inadequação entre sua música e a regularidade exigida
pela dança: “As duas coisas a respeito das quais a música é atualmente capaz de
se liberar são, a meu ver, a tonalidade de intervalo e os ritmos pois são dois
aspectos que se mesuram facilmente (...) Agora, na dança, se você abandonar o
que corresponde ao ritmo e ao intervalo – ou seja, o movimento sobre duas
pernas [organizado no espaço cenográfico] – o que resta? È um pouco como se
você não pudesse abandoná-los”[39].
Tal inadequação nos lembra como sua música estava, na verdade, à procura de um
corpo que se reconciliaria com a informidade do puro gesto sem telos ou
estrutura. Continuidade circular de gesto que talvez estejam mais bem
encarnados na circularidade “modal” de peças como Dream (1948).
Neste ponto, se retornarmos os olhos à psicanálise,
perceberemos não estarmos longe de algumas idéias centrais para a constituição
da racionalidade dos modos de subjetivação da praxis analítica nos primeiros
seminários de Jacques Lacan. Lembremos como, desde o Seminário I, Lacan
compreende o progresso analítico como um ato capaz de nos levar ao: “declínio imaginário
do mundo e uma experiência no limite de despersonalização"[40].
Isto nos lembra como o progresso analítico implica necessariamente a consumação
das fixações imaginárias do eu. Um ano depois, Lacan será ainda mais claro
nesta via : “Se nós formamos analistas, é para que existam sujeitos nos
quais o eu esteja ausente. É o ideal da análise que, é claro, continua virtual.
Nunca há um sujeito sem eu, um sujeito plenamente realizado, mas é isto que se
deve sempre tentar obter do sujeito em análise”[41]. Assim,
ele fará alusão a uma “certa purificação subjetiva” que se realiza na análise e
que anuncia um caminho que será aprofundado através da temática da destituição
subjetiva. Podemos falar em aprofundamento
porque não se tratará
posteriormente apenas de dissolver as fixações imaginárias para permitir a
representação do sujeito pela transcendentalidade do significante puro, mas de
fazer vacilar a própria inscrição simbólica do sujeito.
Esta certa purificação subjetiva parece
inicialmente também ligada a uma posição de apatia e de ataraxia. De fato,
Lacan procurou durante muito tempo organizar a racionalidade da praxis clínica
através do reconhecimento do desejo puro, ou seja, um desejo exposto em sua
verdade de transcender todo procedimento natural de objetificação. Ele é
fundamentalmente sem objeto, desejo de “nada de nomeável”[42].
Isto nos deixa, necessariamente, com uma questão: o que pode significar
deparar-se com a verdade de um desejo puro que parece transcender toda relação
de objeto? Como reconhecer e dar estatuto objetivo àquilo que é pura
negatividade que não cessa de não se inscrever ? Não há como não deixar de ver,
no horizonte, alguma forma de ataraxia na qual o sujeito poderia tomar
distância de toda e qualquer relação de objeto e gozar assim da indiferença
absoluta em relação aos objetos empíricos (indiferença que tem como
correlato a própria despersonalização do eu, este “objeto interno”
privilegiado). Lembremos que, ainda no seminário XI, ao insistir na
variabilidade própria ao objeto da pulsão, Lacan não deixa de perguntar : “O
objeto da pulsão, como devemos concebê-lo para que se possa dizer que, na
pulsão, não importa qual ela seja, ele é indiferente?”[43].
Poderíamos dizer que a conseqüência necessária desta perspectiva seria uma
indiferença que permitira, ao final de análise, o sujeito abolir toda fixação e
trocar de objeto mais facilmente? “Os antigos colocavam o acento sobre a tendência, enquanto que nós, nós
a colocamos sobre o objeto (...) nós reduzimos o valor da manifestação da
tendência, e nós exigimos o suporte do objeto pelos traços prevalentes do
objeto”[44].
Esta afirmação lacaniana, feita com uma ponta de nostalgia a respeito da vida
amorosa dos antigos, era, na verdade, a exposição de todo um programa analítico
de cura. De qualquer forma, notemos como parecemos descrever um processo de
subjetivação, com seus requisitos de indiferenciação e desafecção, que não está
muito distante daqueles postos em circulação pelo programa estético de John
Cage.
É claro que há aqui algumas questões de esclarecimento a serem
levantadas. A primeira diz respeito ao conceito de natureza, já que, em Cage,
tal subjetivação é feita em nome de processos de retorno à origem através da
recuperação de um campo próprio à natureza. A princípio, não parece que a psicanálise
(especialmente a psicanálise de orientação lacaniana) tenha espaço para alguma
forma de orientação de retorno à imanência com um curso do mundo no qual
encontraríamos a natureza. No entanto, há um conceito psicanalítico que
articula o que normalmente foi indexado a partir de noções como “natureza
interna”: trata-se do conceito de Trieb
(pulsão, impulso), “conceito limite entre o psíquico e o somático”[45].
Freud chega mesmo a basear-se, entre outros, na biologia de Weismann a fim de
falar da pulsão como princípio de inteligibilidade do comportamento do
organismo vivo em geral: “uma pulsão seria o impulso inerente ao
organismo vivo (belebten Organischen) em direção ao
restabelecimento de um estado inicial que este ser vivo (Belebte) precisou
abandonar sob a influência perturbadora de forças exteriores”[46].
Como se fosse questão de uma peculiar recuperação de uma reflexão sobre a
natureza através do uso do conceito de pulsão
De fato, a configuração da pulsão enquanto princípio de inteligibilidade
da conduta do organismo não implica em determinação exaustiva dos modos de
relação entre ser vivo e meio ambiente (como está implícito em um termo como Instinkt).
Mas ela fornece, sob o signo da pulsão de morte, uma direção de retorno através
do restabelecimento de um “estado natural”[47]
extremamente particular. Talvez tenha sido isto que permitiu a Lyotard ver, na
pulsão de morte, o princípio de retorno que se manifestaria nas obras de Cage
enquanto energia livre que rompe com disposições intencionais para realizar
“intensidades anônimas”[48]
acessíveis a uma relação de imanência. Neste sentido, se seguirmos Lyotard, os
modos de dissolução do eu e de destituição subjetiva que estruturam a
compreensibilidade da obra de John Cage seriam, na verdade, regimes de subjetivação
da pulsão.
Se este for o caso, há algo de importante a ser acrescentado no que diz
respeito a Lacan. Falar de “natureza” no interior da metapsicologia lacaniana
pode parecer o mais profundo anacronismo. Afinal, Lacan é claro: “a natureza,
tal qual se apresenta ao homem, tal qual ela a ele se adapta (coapte) é
sempre profundamente desnaturada”[49].
A divisão estruturalista estrita entre natureza e cultura pareceria
completamente absorvida por Lacan. No entanto, podemos defender que a
“desnaturação” da natureza a qual se refere Lacan não é posição simples de um
convencionalismo que afirmaria que a natureza é mero discurso reificado. Ela é
tentativa de pensar a natureza não mais como um pólo positivo de doação de
sentido ou como um plano de imanência, mas como este locus no qual nenhum de nós estará em casa, espaço
da não-identidade da pulsão, pois a pulsão
é desnaturada apenas para um conceito imanentista de natureza. Na
verdade, o conceito de pulsão é o que nos permite desvincular natureza e
princípios de imanência e identidade. Talvez este seja o sentido de uma
afirmação tardia como: “a natureza se especifica por não ser uma, de onde o
procedimento lógico para abordá-la. Através do procedimento de chamar natureza
o que vocês excluem por atentar-se a algo, este algo se distinguindo por
ser nomeado, a natureza não se arrisca a nada, a não ser a afirmar-se
como sendo um pot-pourri de fora-da-natureza (hors-nature)”[50].
Ou seja, a natureza é aquilo que resiste à nomeação e á representação
identificadora. Neste sentido, sua imagem só pode ser negativa por estar fora
de seu próprio conceito.
Aceitando tal perspectiva, podemos retornar ao problema da dissolução do
Eu, da destituição subjetiva e da subjetivação da pulsão em Lacan a fim de ver
se seu encaminhamento converge com o que podemos derivar a partir da obra de
John Cage.
Talvez
o melhor caminho aqui seja lembrar da necessidade de uma certa torção no
interior da experiência intelectual lacaniana. Ao insistir na centralidade da
noção de pulsão (a partir dos anos sessenta) Lacan vai paulatinamente
relativizando uma idéia de progresso analítico vinculada à subjetivação do
desejo puro através da anulação da pregnância de todo objeto empírico
privilegiado ao desejo. Protocolo de desafecção e apatia que deveria levar o
sujeito a reconhecer a verdade do seu desejo através de um significante puro
que, por ser puro significante, não denota objeto algum.
Ao falar da pulsão, Lacan lembrará, ao contrário, que ela está pode sim
se satisfazer em um objeto (há um objeto da pulsão, contrariamente ao desejo).
Mas se trata destes objetos parciais (objetos a) aos quais o sujeito
estava vinculado antes dos processos de individuação, de socialização de seu
desejo e de constituição da imagem do corpo próprio. Há um certo protocolo de
retorno aqui, mas que leva o sujeito a se confrontar com um objeto ao qual ele
estava vinculado, no qual ele deve agora se reconhecer, mas que é marcado pela
opacidade do que não se submete à imagem unificadora do Eu. Desta forma, Lacan
procura pensar a subjetivação da pulsão não mais a partir da lógica da
indiferenciação em relação ao objeto, mas a partir da confrontação com um
objeto que tenha o potencial disruptivo de uma experiência de não-identidade. A
importância de tal experiência leva Lacan a afirmar que desejo do analista,
desejo que orienta o progresso analítico, não mais deveria mais aparecer como
um desejo puro. Mas se o desejo do
analista não é puro, é porque ele deve estar necessariamente
vinculado a um objeto. Ele é patológico, no sentido kantiano, por não se
colocar no ponto de indiferença em relação a série de objetos empíricos.
Isto talvez permita demonstrar que, na
confrontação da psicanálise com John Cage, fica a certeza de que há várias
formas de destituição subjetiva. Uma delas é feita em nome da revelação de um Dasein,
de uma natureza que é pólo positivo e imanente de doação de sentido. Pois
mesmo que este sentido não se ponha mais como produção estruturada de um saber
instrumental, ele aparece como o que permite o gozo da proximidade segura de um
Dasein natural (para usar um termo de Hegel) que age para além do nosso agir. A outra se
dá através da confrontação com um objeto (que em alguns momentos Lacan chama
também de Dasein) que guarda a opacidade do que nunca se
oferece como positividade e que permite ao sujeito descobrir, na sua relação a
si, algo da ordem da não-identidade das coisas. No entanto, tanto em um caso
como em outro nos deparamos com a certeza de que: “Os homens só são humanos
quando eles não agem e não se colocam mais como pessoas; esta parte difusa da
natureza na qual os homens não são pessoas assemelha-se ao delineamente de um
ser inteligível, a um Si que seria desprovido de eu (jenes Selbst, das vom Ich erlöst wäre).
A
arte contemporânea sugere algo disto"[51].
[1] GREEENBERG, Rumo a um mais novo Laocoonte in COTRIM et FERREIRA (org.) Clement Greenberg e o debate crítico, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, pp. 52-53
[2] Ver, por exemplo, Arnold Schoenberg
(1874-1951) in Prismas; Stravinsky e a regressão in Filosofia da
Nova Música e Alban Berg; o mestre da
transição ínfima.
[3] Lacan, por exemplo, dirá que : “O fetiche é de uma certa maneira imagem, e imagem projetada” (LACAN, Séminaire IV, Paris: Seuil, 1994, p. 158)
[4] ADORNO, Negative Dialektik, Frankfurt: Suhrkamp, 1973, p. 199
[5] ADORNO, idem, p. 201
[6] ADORNO, Prismas, São Paulo: Ática, 2001, p. 147
[7] LYOTARD, Plusieurs
silences in Des dispositifs pulsionels, Paris: Chr.
Bourgeois, 1990
[8] Cf. ADORNO, Ästhetiche
Theorie, Frankfurt: Suhrkamp,
1973
[9] LACAN, Ecrits,
Paris: Seuil, 1966, p. 12
[10] LACAN, Séminaire
XI, Paris: Seuil, 1973, p. 101
[11] LACAN, Autres
écrits, Paris: Seuil,
2001, p. 183
[12] LACAN, idem, p. 195
[13] Ver, por exemplo, KOSTELANETZ, Conversations
avec John Cage, Paris: Syrte, 2000, p. 236
[14] CAGE, Composition in retrospect
[15] Sobre este ponto ver
GOEHR, For the birds/ Against the birds: the modernist narratives of Adorno, Danto (and Cage)
[16] BAYER, De Schoenberg à Cage, Paris: Klincksieck, 1981, p. 186. Uma arte que, para realizar seu próprio projeto, deve ser capaz de responder à crítica adorniana, endereçada a Cage, a respeito, da “hipóstase do som”: “A ilusão consistia em acreditar”, dirá Adorno “que poderíamos escapar da faticidade do que é marcado pelo sujeito venerando a matéria como se ela fosse neve fresca, dando-lhe qualidades absolutas que se poriam a falar por si mesmas” (ADORNO, Quasi una fantasia)
[17] A respeito do piano preparado, lembremos inicialmente como Max Weber insiste no caráter de “instrumento de espaço interior” próprio ao piano por permitir “a apropriação doméstica de quase todo o patrimônio da literatura musical, na imensa abundância de sua própria literatura e, finalmente, na sua especificidade como instrumento universal de acompanhamento e aprendizagem” (WEBER, Fundamentos racionais e sociológicos da música, São Paulo;Edusp, 1995, p. 149). Weber chega mesmo a afirmar que a literatura pianística desenvolve-se mais no Norte devido a uma “cultura do lar e da home” ausente no Sul. Por outro lado, a educação basicamente harmônica da música moderna deve muito à onipresença do piano. Neste sentido, a figura do piano preparado, ao anular a função harmônica do piano em prol de explorações percursivas, significa, ao mesmo tempo, negação do instrumento mais vinculado às potencialidades do sistema tonal e negação do dispositivo que trouxe o sistema tonal para a familiaridade do espaço doméstico.
[18] Tais expectativas de espiritualização da vida cotidiana sempre estiveram presentes na música norte-americana desde, ao menos, Charles Ives. Há algo aqui resultante da auto-compreensão da “América” enquanto multiplicidade, enquanto espaço livre das hierarquias e distinções que marcaram a “velha Europa”. O ecletismo da música de Cage (e de vários outros compositores norte-americanos) seria apenas o resultado de um “retorno à experiência ordinária” que, na era da urbanidade, tudo mistura e às formas musicais enraizadas em práticas comunais de interação social. Este tom afirmativo da “entificação” da vida cotidiana será, ainda, acompanhado pelo espiritualismo de Emerson e Thoureau.
[19] KONSTELANETZ, Conversations avec John
Cage, op. cit., p. 77
[20] idem, p. 88
[21] CAGE, Silence, Middletown: Wesleyan
University Press, 1961, p. 63
[22] KONSTELANETZ, idem, p. 366
[23] LYOTARD, Plusieurs silences, op.
cit, p. 282
[24] DAULHAUS, Schoenberg
and the new music, Cambridge University Press, 1987
[25] CAGE, Silence, op. cit., p. 33
[26] idem, p. 30
[27] idem, p. 5
[28] KONSTELANETZ, Conversations avec John Cage, op. cit., p. 240
[29] CAGE, Silence,
op. cit., p. 64
[30] idem, p. 59
[31] Adorno via nesta epokhé, uma certa tentativa: “do sensorium em se adaptar de maneira paradoxal ao que é alienado e reificado” (ADORNO, Introdução à sociologia da música, p. 187) por não acreditar que fosse possível, á arte, operar alguma forma de recurso à experiência ordinária enquanto espaço para além da universalização da forma-mercadoria.
[32] BOULEZ, Apontamentos de aprendiz, São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 50
[33] CAGE, Silence, op. cit , p. 3
[34] idem, p. 17
[35] ROSEN, Sonat
forms, New York, Norton, 1988, p. 10
[36] KONSTELANETZ, Conversations avec John
Cage, op. cit, , p. 300'
[37] KONSTELANETZ, Conversations avec John Cage,
op. cit., , p. 258
[38] CAGE, Silence, op. cit., , p. 95
[39] KONSTELANETZ, Conversations avec John Cage,
op. cit., , p. 266
[40] LACAN, Séminaire I, Paris: Seuil, 1975, p. 258
[41] LACAN, Séminaire II, Paris: Seuil, 1978, p. 287
[42] LACAN, idem, p. 261
[43] LACAN, Séminaire
XI, Paris: Seuil, 1973, p. 153
[44] LACAN, Séminaire
VII, Paris: Seuil, 1986, p. 117
[45] FREUD, Gesammelte
Werke, Frankfurt, Fischer, 1999, vol. X
[46] FREUD, Gesammelte
Werke, vol XIII, p. 38
[47] O que Adorno percebera claramente em ADORNO e HORKHEIMER, Dialética do esclarecimento, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 212
[48] “A pulsão de morte é simplesmente o fato de que a energia não tem orelha para a unidade. (...) [Ela] se marca nos saltos de tensão, o que Klossowski chama de intensidades¸Cage de eventos” (LYOTARD, Des dispositifs pulsionels,op. cit., p. 282
[49] LACAN, Séminaire IV, Paris: Seuil, 1984, p. 254
[50] LACAN, Séminaire XXIII, Paris: Seuil, 2005, p. 12
[51] ADORNO, Negative dialektik, op. cit. p. 267