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janela indiscreta
Walter Lima Jr.

Correio da Manhã, 04/11/1962

Não discuto as qualidades de Alfred Hitchcock, o homem de cinema. Comerciante e cineasta extraordinário, o homenzinho certamente tem seus cacoetes (alguns dos quais já superados pela dedicação dos críticos à sua estilística) e seus graves senões. Mas, uma coisa é certa: o que é um filme de suspense na sua segunda visão? Um filme sem Hitchcock, obviamente? Simplesmente isso: um mecanismo de cacoetes, a que o espectador atencioso pouca importância dará, justamente porque o truque de “não conte o final a ninguém” funciona como um bumerangue, isto é, contra o espectador que já conhece a trama, e a partir daí contra o próprio filme. A técnica de macetes (vide: A Tortura da Suspeita, Julie, A Teia de Renda Negra etc.) será então evidente a qualquer um que tenha 5% de vivência cinematográfica. Agora, o que é um filme Hitchcock revisado? É um filme onde o estilo é sempre um motivo de atração, onde a palavra “realização” (no sentido de mise-en-scène usado pelos franceses) separa a fórmula da intriga, partindo o cineasta para outro alvo, mais importante, que é a afirmação de sua contribuição, de sua legitimidade. Quem quiser exemplificar a afirmação, é só arriscar uma segunda visão de Rear Window. Não importa a sua base temática: tão sociológica quanto glamurosa, uma das mais válidas, por sinal, do grande autor de A Tortura do Silêncio e Intriga Internacional. O que impressiona mesmo é a inacreditável permanência de um espírito que acredita no senso de humor como uma forma de expressão. Inacreditável, porque autêntico, ainda que um gênero onde a anedota é um recurso tradicional do "esprit” (tal como em Quem Matou Leda?) e também porque o artista Hitchcock constantemente dribla o comerciante Hitchcock. É esta propriedade, este modo de ser, que Rear Window prova em cada janela aberta à observação do personagem-espectador. É um modo pessoal, falho como em todos os mundos que se dizem pessoais, mas um mundo. E isto é o que importa.
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