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os filmes
o pagador de promessas
Walter Lima Jr.

Correio da Manhã, 02.09.1962

Falar sobre o Pagador tornou-se uma temeridade, desde que Cannes o transformou (para nós brasileiros) num símbolo, numa espécie de “monstro sagrado”. Desde essa época, quando entre nós foi iniciado o processo de canonização de Anselmo Duarte, qualquer opinião contrária passou a ser vista com certo ar superior. Na realidade, estamos diante de um bom filme, faturado segundo o figurino de trinta anos atrás. Não vejo como considerar esta sua qualidade de “bom filme” como vantagem suprema. Em 65 anos de cinema, com todo um acúmulo de descobertas posto em prática no processo cinematográfico e agindo sobre este mesmo processo transfigurando-o ou renovando-o, o bom filme é o resultado obrigatório. Se não há um bom nível artístico na produção cinematográfica dos anos 60, a culpa é menos do cinema que dos homens que vivem dele. O caso do Pagador é, no entanto, excepcional sob o ponto de vista histórico do cinema brasileiro. Como arauto de uma nova situação: a do cinema-novo, ou cinema atuante, e como promotor de uma nova tomada  de posição da crítica frente ao filme nacional. O fato de ser brasileiro não impede que seja analisado a sério, sem bandeirola e ufanismo.

Como realização em si, feita e vista com seriedade, Pagador sofre de um defeito de base: a peça em que se baseia é rudimentar como construção dramática e pouco significativa no desperdício de uma boa idéia. O fato do Sr. Dias Gomes ter sido louvado pelas nossas mais famosas torres de marfim como tábua de salvação do teatro brasileiro justifica apenas um certo temor na supervalorização de um talento em evolução. O Pagador filme ganha na ingenuidade de Anselmo Duarte um sentido humano que me parece apenas esboçado na peça. Contudo, o personagem “Zé do burro”, o brasileiro infeliz entregue à ignorância e ao misticismo, vivendo numa terra abundante de riquezas, tem uma seqüência digna de sua estatura como idéia-personagem: a inicial, quando começa o seu “calvário” pelos domínios milionários do petróleo que se incendeia na curva da estrada; a fertilidade dos coqueirais etc. Seu “drama” na cidade é tão convencional em termos de parábola realística quanto o “grand-finale” o é no plano do espetacular cinematográfico.
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