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spartacus
Walter Lima Jr.

Tribuna da Imprensa, 31.08.1961

O super-espetáculo cinematográfico, geralmente, atrai e repugna. Se por um lado ele é a demonstração da “última palavra” da técnica do cinema, por outro é um atestado de compromisso dos seus realizadores com a Bilheteria. Um super-espetáculo, regra geral, não deve ser considerado como manifestação autêntica da nova arte do cinema. É apenas um produto enlatado, sublimação dos desencantados habitantes do nosso planeta-século-vinte, ávidos das “novidades” de outrora.

Spartacus como cinema, ilude. Não é um bom filme, também não é um compromisso estritamente comercial. E é justamente esse hibridismo do espetacular de suas imagens que convém analisar friamente.

A adaptação
Extraído de um êxito de livraria, assinado pelo ex-comunista Howard Fast (na época da publicação, ainda vermelho), “Spartacus”encontrou em Dalton Trumbo, emigrado da lista negra de Hollywood, um adaptador em potencial. Entretanto, não acreditamos na boa fé de sua adaptação.

Roma, como o cinema já se habituou a mostrar, é a mais depravada e ociosa de todas as grandes cidades do mundo, em todas as suas fases. Se considerássemos o cinema histórico que os “historiadores”de Hollywood e Cinecittá fabricam, como uma manifestação educativa, não saberíamos explicar como foi civilizada a Europa meridional, a África setentrional e o Oriente próximo. Se fôssemos acreditar em Dalton Trumbo, Júlio César, quando jovem, era um “play-boy”glostorado e imbecil, sem qualquer visão política e ética de sua pátria. No entanto, todos sabemos, Júlio César, homem feito, foi o maior dos generais romanos, uma das principais figuras da idade de ouro de Roma. Esta, no filme, é mostrada como o quartel-general do desespero, da angústia, do tédio, da decadência, da neurose, período que, na realidade, veio alguns séculos mais tarde, após o nascimento de Cristo.

Howard Fast, mesmo sendo responsável por obra panfletária e historicamente sem importância, conseguiu em seu livro uma experiência interessante, confrontando a sede de poder e a devassidão de Roma com a simplicidade dos gladiadores escravizados e a opressão dos humildes. Usando de uma linguagem cinematográfica: as várias versões romanas de Spartacus líder-símbolo da revolta, em choque com as atitudes dos seus narradores, Fast trata a participação dos escravos em linguagem despojada e direta, semelhante à de um documentário. Isto também é tentado por Trumbo na adaptação cinematográfica. O resultado, porém, é de sofisticação.
Spartacus, como ambiência e registro de um acontecimento histórico, fica entre a pseudo-tragédia shakespeareana e o drama de aventuras, tipo “Gunga-Din”, clássico panfleto colonialista, portanto um exemplo às avessas.

Para tornar mais compacta a narrativa das desventuras do escravo grego, Trumbo eliminou ou substituiu alguns personagens e lugares. Entre as eliminações constatamos a de Antoninus Caius, Júlia, sua mulher, a Villa Solaria, Flavius e Cícero, esta a mais grave, pois deturpa o sentido da verdadeira crítica de Fast à política de Roma. E uma das ambições de
Spartacus é ser um filme político. Júlio César (John Gavin) e Antoninus (Tony Curtis), duas “invenções”de Dalton Trumbo na história, existem, muito provavelmente, por imposição da Universal, que não arriscaria seus milhões de dólares (doze, segundo o “Variety”; quinze, segundo o “American Cinematographer”) sem um elenco atraente para a Bilheteria. O personagem de Tony Curtis substitui a participação de Caius (também no filme, com o nome de Glabrus), que na novela mantém com o General Crassus (Laurence Olivier) relações mais do que amistosas. No filme, a sugestão de homossexualismo fica nas entrelinhas, mas era absolutamente desnecessária.

A realização   
A princípio entregue a Anthony Mann, que chegou a rodar duas ou três cenas, a direção de Spartacus acabou nas mãos de Stanley Kubrick que, a partir de
Killer’s Kiss (A Morte Passou por Perto; 1955), era uma das maiores esperanças do cinema norte-americano. Esperança que reafirmou dirigindo The Killing (O Grande Golpe) e Paths of Glory (Glória Feita de Sangue). No quarto filme de Kubrick, registramos a força pessoal de seu estilo, o pulso firme sempre presente às artimanhas de um roteiro apaixonado e vazio ao mesmo tempo.

Três seqüências revelam um Kubrick magistral no uso da tela larga (o novo Technirama 70), do som e da montagem, na obtenção de um clima de revolta e sinceridade incompreendida: (1) o treinamento dos gladiadores, onde o ritmo ágil e a hipertrofia sonora levam os personagens a um estado de angústia, à desumanização, transformando-os em dinâmicos bonecos que lutam para salvar a pele (uma citação da antológica luta final de
Killer’s Kiss, no depósito de manequins); (2) a silenciosa compreensão de olhares entre Spartacus (Kirk Douglas) e Varínia (Jean Simmons) em cenas intermitentes, colocadas em contraponto com a violência do treinamento; (3) a batalha final, compreendendo a preparação (discursos paralelos de Olivier-Crassus em Roma e Douglas-Spartacus à beira do mar), avanço geométrico-coreográfico das tropas e, finalmente, o clímax – uma derrota que se transforma em vitória, quando todos os escravos prisioneiros se identificam com Spartacus, aí transformado em idéia e inspiração da revolta.
Com o auxílio de um grande fotógrafo, Russel Metty, Kubrick transforma em verdade cinematográfica algumas sugestões de roteiro: o idílio de Spartacus com Varínia visto em abundância de colorido, comparado com a branca sobriedade dos edifícios romanos; a utilização do espaço aéreo com "travellings" cuidadíssimos e movimentos verticais quase delirantes; o aproveitamento da paisagem e do “décor”. Seu principal mérito é manter o filme dentro de um ritmo geralmente vigoroso e sóbrio, colocando-se distante da vulgaridade “carnavalesca”comum ao gênero –
Os Dez Mandamentos, Ben-Hur & similares.
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