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Como já escrevi anteriormente, tenho expressado através de meus trabalhos as questões do cotidiano que me afligem conceitual e ideologicamente. Assim foi com as séries "1984 - Estigma de George Orwell", "Admirável Mundo Novo" e "Projeto Seattle", entre outras, onde utilizei peças de computadores e objetos do cotidiano incorporados à tradicional técnica da pintura a óleo. Dessa forma, a razão de existência desta exposição não poderia ser diferente.

Desde os anos 80, ao analisar as atitudes humanas em nossa época e tentar entender sua trajetória através de comparações com o passado, deparei-me com um forte paralelo na história: a Idade Média.

Todo o sentido de violência, insegurança, solidão, desespero social, riscos de epidemias, controle religioso, relações profissionais, deslocamento espacial, dependência do governo, injustiças sociais, angústias pessoais etc., que ocorrem atualmente, têm, a meu ver, certa similaridade com aquele período histórico. Daí nasceu esta nova série de trabalhos "
Admirável Nova Idade Média",  onde a intenção maior é provocar no espectador reflexões sobre  o presente e o futuro usando as experiências do passado numa abordagem análoga ao cíclico espaço tempo continuum, embora eu imagine que o tempo não deva ser representado exatamente por um círculo, mas por uma espiral (muito mais dinâmica, como é a vida), que tem algumas características aparentemente cíclicas, porque nasce em um ponto e cresce continuamente passando sempre pelos mesmos quadrantes que provocam certas similaridades porém sem se repetir.

Voltando ao paralelo histórico, mencionado anteriormente, sabemos que na Idade Média, o deslocamento das pessoas de uma região para outra era muito lento, pois o
meio de locomoção mais veloz era realizado através de cavalos. Hoje a velocidade do deslocamento nas grandes cidades chega aos mesmos parâmetros da Idade Média devido aos congestionamentos (dentro das cidades, demoramos o mesmo tempo que na Idade Média para nos deslocarmos 20 quilômetros, por exemplo).

Com o avanço da informática, muitos profissionais liberais e executivos tem mantido seus
escritórios em casa e usam os meios eletrônicos para enviar seus serviços às empresas. Da mesma forma, na Idade Média, havia pessoas que empresariavam os serviços dos artesãos  deixando a matéria-prima em suas casas e periodicamente passando para retirar o produto acabado.
Na Idade Média, havia também uma estrutura informal de comércio, sendo que atualmente, a economia informal vem se fortalecendo nas grandes cidades, onde, muitos micro-empresários entregam matéria-prima e retiram artigos manufaturados por pessoas contratadas para realizarem esses serviços em suas próprias casas.

Na Idade  Média, as cidades eram rodeadas de altos muros e portões, que eram fechados à noite, a fim de se
proteger dos ataques externos. Junto a esses muros e portões ficavam a postos arqueiros vigiando a aproximação de possíveis inimigos. Como paralelo, temos hoje, os condomínios fechados ou mesmo áreas comerciais e residenciais, onde empresas de vigilantes  são contratadas com a mesma finalidade de outrora. Também os caminhos eram extremamente perigosos como os cruzamentos de ruas nas grandes cidades hoje em dia.

O
risco de graves epidemias é cada vez maior em nossos dias preocupando as autoridades sanitárias mundiais, devido às facilidades com que os vírus e bactérias podem ser transmitidos. Isto tem gerado as mesmas preocupações que havia na Idade Média com as pestes.

Assim como na Idade Média, as cidades de hoje são verdadeiros centros de novas idéias,
tecnologias e poder, onde os governantes geralmente são prepotentes  e mantêm-se isolados da população que espera que eles resolvam os problemas da comunidade.

A
formação labiríntica das ruas em favelas e regiões pobres, hoje em dia,  não difere muito das condições de moradia na Idade Média, onde o saneamento básico também era precário.
Além disso, a disseminação e a manipulação das religiões hoje, não tem sido muito diferente do maniqueísmo religioso da Idade Média.  Da mesma forma, a proximidade do final do segundo milênio provocou várias previsões catastrofistas similares às do final do primeiro milênio e associadas ao do final do mundo. E assim podemos comparar a agricultura,
sistema educacional, etc. em muitos países.

Entretanto, a Idade Média não foi exatamente  uma
era de obscurantismo como muitos pensam e, talvez, a nossa era também não seja tão negra quanto alguns pessimistas apregoam. Nesse sentido, muitos acreditam que estamos no limiar de uma nova era que, talvez, não demore o mesmo tempo que a Renascença demorou para chegar, já que tudo tem evoluído e se modificado e com extrema rapidez em nossos tempos (provavelmente, aconteceu mais eventos significativos neste século do que em toda a história da humanidade).

Com tudo isso, a "Nova Idade Média" que vivemos hoje, apesar de suas dicotomias, parece-me tão admirável quanto a vivida por nossos antepassados, sendo que isto me animou a continuar expressando minhas desilusões e esperanças através da reutilização lógica e lúdica de resíduos do nosso cotidiano tecnológico contrapostos a elementos representativos da Idade Média.

Ao respeitar, na série Admirável Nova Idade Média,  a persistente recorrência no uso de alguns elementos simbólicos, tais como a imagem do planeta Terra, sementes e folhas, bem como imagens de bailarinos, usados em outras séries de trabalhos, procuro expressar a situação de desequilíbrio existencial do homem em relação ao planeta, hoje em dia. Além disso, procuro criar uma analogia, através do contraponto, com os elementos referentes à Idade Média.

A composição construtivista dos quadros que começa com a Relação Áurea usada em suas dimensões, gera a criação de planos pictóricos conseguidos através de texturas e sobreposições de tintas em camadas espirradas, enrugadas e pinceladas abstratas e gestuais. Porém, esses planos geométricos rígidos são atenuados com o uso das linhas elegantes e orgânicas da espiral logarítmica (para mim associadas ao ritmo da vida e do tempo) e com o uso de harmonias cromáticas resultantes de extensa pesquisa sobre a cor e que ajudam o espectador a percorrer a superfície pictórica de cada obra.

O resultado, creio, é formado por obras pictóricas contemporâneas não convencionais, onde o universo simbólico exerce grande força visual no espectador.  

Outubro/1998

Walter L. L. Miranda                                        
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ADMIRÁVEL NOVA IDADE MÉDIA
Brave New Middle Age