Toda semana lemos nos periódicos críticas sobre artes plásticas. Geralmente, os textos são curtos e superficiais, deixando muito a desejar, ou por falta de espaço cedido pelo periódico ou por incapacidade de quem os escreve, ou, quem sabe, por outros motivos.

Entretanto, parece-me que o crítico, ainda assim, encontra-se em situação privilegiada perante o artista plástico, neste caso mero agente passivo, pois do alto da sua tribuna aponta  para este ou aquele artista elogiando ou destruindo seu esforço e trabalho, como se ele, crítico, tivesse o dom da compreensão, da verdade e do conhecimento infinito na ponta de sua caneta. Isto quando ele se interessa pelo trabalho de algum artista que, neste caso, de acordo com a situação atual, deve se considerar um "privilegiado", não pela crítica em si mas pela menção do seu trabalho.

Esta situação se agrava quando o artista tenta defender o seu trabalho respondendo às críticas e não encontra oportunidade para tanto, por inacessibilidade, falta de espaço e, até mesmo, pela falta de vontade (de quem o critica) em ouvi-lo, numa atitude que demonstra nítida prepotência.

Às vezes, argumenta-se que a obra deve falar por si mesma e que se ela não prende a atenção do observador é porque não transmite sensação alguma e daí não tem valor artístico, pois não atinge o seu objetivo. Ora, isto nada mais é do que simplificar uma relação complexa através de conveniências  próprias, pois nem sempre o observador (inclusive o crítico) está à altura da obra que presencia; haja vista os diversos artistas que não tiveram em vida, suas obras reconhecidas pelo público e pela crítica, mas que após a morte e em época posterior foram justiçados pela história, sendo hoje respeitados em muitos países, quando não no mundo inteiro.

Como, na minha opinião, uma das funções da crítica (senão a única) é estabelecer se o artista atingiu ou não o seu intento, tanto técnica como intelectualmente, torna-se necessário que o artista intermedie a relação obra versus crítico, esclarecendo suas intenções e posições (principalmente se o trabalho for de natureza extremamente intelectual), para que o crítico possa intermediar a relação obras versus público adequadamente, mesmo porque, eu me pergunto: É possível analisar uma obra de arte, de forma adequada usando os nosso conceitos culturais e artísticos sem conhecermos antes o processo criativo do autor? Não creio.

Daí, penso que para haver uma crítica isenta de parcialismo, tendenciosidade, radicalismo ou pieguismo, é preciso que haja contatos entre o crítico e o artista, para que aquele possa de maneira correta situar o artista e seu trabalho no contexto cultural e artístico momentâneo, com conhecimento de causa, ou seja, conhecendo perfeitamente as propostas do artista em questão, já que a arte não é feita de dogmas e regras imutáveis para ser tão simplesmente analisada e decodificada, como tem acontecido ultimamente.

Alguns poderão dizer que isto é inexeqüível devido aos problemas de ordem prática que podem impedir tais contatos. Entretanto, penso que se quisermos fazer algo sério e com elevado nível de qualidade, em qualquer campo profissional, é preciso um planejamento amplo que equacione de maneira no mínimo suficientemente adequada todos os problemas que possam advir. Obviamente, este princípio deve ser utilizado também na crítica para se obter resultados satisfatórios, pois estamos lidando com algo que exige muita responsabilidade dos envolvidos, a saber, a Cultura; mesmo porque, quando se trata de realizar críticas sobre a obra de artistas consagrados, os críticos geralmente se locomovem até eles enfrentando todos os "empecilhos" sem maiores problemas.
Claro que uma crítica inadequada não impedirá o desenvolvimento da carreira de um autêntico artista (mesmo iniciante), mas é certo que poderá prejudicá-la por algum tempo no seu transcurso normal, afastando-o dos espaços expositivos no círculo cultural local, já que devemos levar em consideração o paradoxo de que o artista passa semanas ou meses executando suas obras, atingindo um público relativamente  pequeno (visitantes de galerias ou salões), enquanto o crítico com o trabalho de algumas horas atinge milhares de leitores, influenciando-os de certa forma, já que eles se encontram numa situação simplesmente receptiva, pois não têm contato com a fonte da leitura mas apenas com o intermediário. Também por esta abrangência da crítica é que seus autores deveriam consultar o artista em questão.

Não estou querendo dizer que os críticos devam apenas elogiar os artistas e seus trabalhos, ou paparicá-los como se fossem semideuses, pois sei da existência de artista tão despreparados que suas obras não merecem atenção maior devido à falta de criatividade, talento etc., mas que é preciso acrescentar maior seriedade ao exercício da crítica para que ela adquira maior respeito no meio artístico cultural. Evidentemente que isto não depende apenas dos críticos, mas também dos periódicos que os contratam, pois da maneira como eles têm sido requisitados atualmente, mesmo com as melhores intenções, não conseguirão elevar o padrão do seu trabalho.

Os periódicos não devem contratar críticos apenas para preencher espaços em suas colunas das páginas de lazer, como se arte fosse apenas isto. Também eles devem ter consciência  de que o seu papel na sociedade, enquanto órgão divulgador de informações, notícias, prestação de serviços, etc., é da mais alta relevância e, por isso mesmo, da mais alta responsabilidade.


                                                                                                   
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CRITICANDO A CRÍTICA
Publicado no D.O. Leitura (jornal cultural da Imprensa Oficial do Estado) em dezembro/1986
CRITICIZING THE CRITIC
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