Samurais

 

O termo samurai, que significa “aquele que serve”, começou a ganhar importância no Japão por volta do ano 1100. O Japão medieval, um país agrícola e isolado do resto do mundo, estava dividido em propriedades rurais (feudos). As disputas envolvendo a demarcação das terras e as brigas pelo poder aconteciam no dia-a-dia. O governo central era distante e a figura do imperador, mais divina que política. Como resultado, os donos de terras – daimyô – acabaram criando exércitos particulares para defender seus domínios ou empreender ataques às terras alheias. Esses pequenos exércitos particulares eram formados por samurais, guerreiros forjados na arte da luta de espadas. Além de proteger os feudos – chamados han, eles garantiam a ordem interna e deliberavam sobre algumas questões administrativas.

Nessa mesma época, no início do século XII, duas novas religiões – o zen budismo e o confucionismo – chegaram ao Japão e se misturaram ao xintoísmo, o credo original japonês. Os princípios do budismo e a filosofia de Confúcio começaram a influenciar o modo de vida japonês. Essa fusão de doutrinas foi fundamental na formação filosófica e espiritual dos samurais. O xintoísmo pregava o amor à pátria  e à família, o budismo propunha a auto-análise e a busca do caminho do meio e o confucionismo estabelecia os padrões de vida em sociedade. O Bushidô, código de ética seguido pelos samurais bebe nessa tríade filosófica. O xintoísmo e o budismo se fundiram de tal forma que dividiam espaço no mesmo templo. Até hoje é possível encontrar, no Japão, alguns templos com imagens e símbolos das duas crenças.

Apesar de seguirem as mesmas regras básicas, havia diferenças no estilo de luta entre os samurais de um feudo e outro – e até mesmo entre grupos dentro de um mesmo feudo. Essas dessemelhanças acabaram gerando diferentes clãs de samurais. Se algum guerreiro de destaque desenvolvesse particularidades no seu estilo, ele fundava uma casa de samurais com o nome da sua família. Filho de samurai tinha que ser samurai – a sociedade japonesa era dividida em castas. Quem não nascia samurai podia tentar tornar-se um, trabalhando como ordenança para os clãs em troca de um longo e árduo aprendizado.

Ao longo dos anos, os samurais foram ganhando espaço e importância e começaram a se aproximar da corte imperial. Até que, em 1192, o samurai Yoritomo Minamoto tornou-se o primeiro xogun – “general” – um militar escolhido para cuidar da administração e da segurança do país. Inicia-se aí o período dos Xogunatos, que manteria o Japão por mais de 700 anos sob o comando de três clãs. O cargo de xogun era vitalício e hereditário e podia ser conquistado pela força, desde que o imperador aprovasse a família vencedora.

Nesse período, a casta de samurais passou a ocupar o topo da hierarquia social no país, embora não fosse a mais rica. Havia poucos samurais abastados. Eles eram reconhecidos na rua por portarem duas espadas presas ao obi, a faixa que segurava o kimono. A mais longa, katana, tinha uma lâmina de em média 80 cm de comprimento e era usada para lutas em locais amplos. A menor, vakisashi, media entre 50 e 60 cm, conforme a estatura do samurai, e servia para lutas em espaços fechados. Mas a regra nem sempre se cumpria.

O período do Xogunato foi marcado por conflitos sangrentos. O objetivo do governo central, representado pelo xogun, era unificar o país. O dos daimyô era defender a sua independência em relação ao xogun. A maior batalha foi, provalvemente, a de Sekigahara, em 1600. em seis horas de confronto, morreram 35 000 homens só do lado derrotado. Pode não parecer um grande número para quem vive numa era como a nossa, em que o assassinato em massa é um recurso cada vez mais acessível a qualquer imbecil. Mas é uma formidável carnificina para um tempo em que as lutas aconteciam homem a homem, olho no olho, lâmina contra lâmina.

A relação dos samurais com a morte merece uma análise à parte. Para eles, matar e morrer era tão corriqueiro quanto comer uma tigela de arroz. Eles estavam preparados para batalhas e duelos 25 horas por dia. Na hora de lutar para defender seu daimyô, a vida do samurai era menos valiosa que a pena de uma ave. E a tranqüilidade diante do fim da vida, um momento tão temido pelos ocidentais, vem do Bushidô.

Desde que eram crianças, os samurais absorviam os conceitos budistas da impermanência e da reencarnação. Acreditando desde cedo que a morte não é o fim, mas apenas uma porta de passagem para uma nova fase da existência – que poderia ser atravessada a qualquer momento – ficava mais simples encarar dom galhardia o próprio fim.

Os padrões de conduta expressos no Bushidô também contribuíam para essa visão da morte como um evento natural. O código de honra dos samurais pedia motivos justos para que a morte acontecesse. Exigia que o momento derradeiro fosse vivido com honradez. E assegurava que não havia honra maior para um samurai que morrer defendendo o seu senhor ou a sua própria reputação. A familiaridade com a morte e a sua aceitação eram tão grandes que um samurai preferia se matar a ser preso pelo inimigo. O ritual do suppuku – também conhecido como harakiri – tornava se mandatório quando o samurai cometia uma falha que manchasse o seu caráter. O Bushidô ensinava que a desonra é um mal que nunca cicatriza. O ritual era levado a cabo tanto para expiar um ato pessoal ou familiar vergonhoso quanto para que o samurai não servisse a mais ninguém quando o seu senhor morresse – a lealdade era um conceito caro aos guerreiros. O suicídio era tão litúrgico quanto a conduta em vida. Realizava-se o seppuku com uma adaga. Ajoelhado, o samurai perfurava o próprio ventre e dilacerava-o em forma de L ou cruz até as vísceras ficarem expostas. A exposição das vísceras simbolizava que ele estava mostrando a sua verdade, oferecendo o seu interior para ser purificado. Era uma morte extremamente dolorosa. Por isso, assim que as vísceras saíam do abdome, outro samurai, escolhido pelo suicida, decepava-lhe a cabeça, como um golpe de misericórdia.

A retidão e a preocupação em unificar a formação espiritual e a habilidade com a espada dos samurais acontecia de forma distinta entre os guerreiros ninja. De toda forma, o padrão de conduta dos samurais foi reforçado no terceiro Xogunato, conhecido como Era Tokugawa, quando o Japão foi finalmente unificado. Ali os samurais viveram o seu auge e também a sua derrocada. Valorizados pelo desempenho nas batalhas de unificação, eles consolidaram a imagem de heróis valorosos e destemidos. Ao mesmo tempo, com as reformas administrativas no país, a maioria deles perdeu o emprego. O que se viu foi uma grande quantidade de samurais peregrinando pelo país, à procura de um novo senhor ou trabalhando temporariamente para diferentes senhores. Eram os chamados ronins. Sem recursos financeiros, vários clãs se desfizeram. Alguns querreiros foram fazer outra coisa: trabalharam na reforma de castelos, viraram calígrafos, escultores, mestres da cerimônia do chá. Outros continuaram investindo na arte da guerra. Houve um crescimento dos duelos e, com a ausência de guerras, eles se acentuaram. Isso porque uma das formas de aperfeiçoar a própria arte, era desafiando componentes de outros clãs. Funcionava assim: o samurai queria chamar a atenção de algum senhor. Então, chegava em um local onde havia uma casa famosa de artes marciais e desafiava seu líder para um duelo quase sempre mortal. Quem decidia se o perdedor ia morrer ou não era o  vencedor. Ao vencer, o samurai começava a ganhar fama pelo país. Mas isso implicava em outro problema. Odescendente direto da casa desafiada sentia a honra da sua família ofendida com o duelo perdido e desafiava o vencedor, criando assim uma seqüência praticamente interminável de duelos entre famílias e linhagens. Em não muito tempo, os duelos foram severamente reprimidos pelo governo central. Sem guerras e sem poder duelar, os samurais começaram a escassear.

A Era Tokugawa e o Xogunato acabaram em 1868, com a concentração do poder na família imperial e a abertura do Japão ao resto do mundo. Enquanto o país se modernizava rapidamente, alguns hábitos se pulverizavam. Tanto que o poderoso xogun Tokugawa, ao ser derrotado, não praticou o seppuku para defender a própria honra. Pediu clemência e ganhou asilo em uma pequena província onde se dedicou ao artesanato e à produção de bicicletas.

Com a abertura dos portos, começou a entrar no Japão uma grande quantidade de armas de fogo. O governo, já instalado em Tóquio, organizou um exército nacional institucionalizado. A espada já não tinha mais utilidade como arma de guerra. Nem os samurais tinham mais espaço como guerreiros. No início do século XX, eclodiram revoltas regionais de samurais, que viam sua classe ameaçada. Até que o governo declarou o fim da casta e proibiu que as pessoas andassem com espadas na rua.

Várias dessas espadas foram destruídas e outras, guardadas como objetos de adoração. Pouco mais de meio século depois, a tradição dos samurais sofreu novo e duro golpe. Com a derrota do Japão na Segunda Guerra e a dominação americana, todas as armas do país foram confiscadas, inclusive as espadas de samurais que vinham sendo passadas de geração em geração durante séculos. Na década de 60, parte dessas espadas foram devolvidas ás famílias. A maioria, no entanto, acabou sendo destruída.