Poemas e Poesias

RAZÕES DE AMAR
J. G. de Araujo Jorge

Gosto de ti
Desesperadamente:
Dos teus cabelos de tarde
Onde mergulho o rosto,
Dos teus olhos de remanso
Onde me morro e descanso;
Dos teus seios de ambrosias,
Brancos manjares, trementes,
Com dois vermelhos morangos
Para as minhas alegrias;

Do teu ventre – uma enseada
Porto sem cais e sem mar
Branca areia a espera da onda
Que em vaivém vai se espraiar;
Dos teus quadris, instrumento
De tantas curvas, convexo,
Das tuas coxas que lembram
As brancas asas do sexo;

Do teu corpo, só de alvuras,
Das infinitas ternuras
De tuas mãos, que são ninhos
De aconchegos e carinhos,
Mãos angorás, que parecem
Que só de carícias tecem,
Esses desejos da gente...

Gosto de ti
Desesperadamente!

Gosto de ti, toda, inteira,
Nua, nua, bela, bela,
Dos teus cabelos de tarde
Aos teus pés de Cinderela,
(há dois pássaros inquietos
em teus pequeninos pés)
– gosto de ti, feiticeira,
tal como tu és...


TIMIDEZ
J. G. de Araujo Jorge

Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
Mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
Perto dela, – meu Deus!... lembro mais um menino
Que esquecesse a lição diante do professor...

Penso, que a minha voz terá sons de violino
Enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for...

Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
E se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
Eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço...

E ficamos assim, ela em silêncio... eu, mudo...
Mas meus olhos, nem sei... ah! Quantas cousas falam!
E seus olhos, seus olhos!... dizem tudo, tudo!


ORAÇÃO
J. G. de Araujo Jorge

Eu que não tenho deus, eu que não tenho crenças
Eu que não tenho santos,
Desde que te vi,
Todas as noites à hora de me deitar
Cerro os olhos e penso em ti...
E todas as noites, desde então
Sem querer
Sem notar,
A minh`alma em meus lábios começa a rezar...

Todas as noites, à hora de dormir,
Digo o cântico dos cânticos da minha oração...
E quantos terços rezo em teus lábios, enchendo-os
De rosários de beijos
No altar onde te vê minha imaginação...

Todas as noites,
Nas horas doces em que me abandono
Como à espera do sono,
Em minha estranha liturgia
Tomo-te entre os meus braços, triunfante,
E penso tudo o que desejo e quero
Se fores minha um dia...

Eu que não tenho deus, eu que não tenho crenças,
De olhos cerrados a esperar o sono
Ou fitando as belezas das noites tranqüilas,
Também sei rezar...
– no meu templo, que tem por vitrais as pupilas,
diante da tua imagem toda noite eu digo
uma oração de amor antes de me deitar:

"Bendita sejas tu entre os meus braços!
Bendita a nossa vida pelo nosso amor
E bendito, também,
O pecado que um dia há de tornar-te minha,
E há de unir numa vida as nossas duas vidas...
Amém..."


PENSANDO NELA
J. G. de Araujo Jorge

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,
Longe de mim, no entanto, em que estará pensando?
– quem sabe se a sonhar, debruçada à janela
recorda o nosso amor, a sorrir, vez em quando...

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela
Um sonho que estivesse em nosso olha flutuando?
Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela
O luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando...

Invejaria o luar!... É tarde, estou sozinho,
Ela dorme talvez, e não sabe que ao lado
Do seu leito, a alma ronda de mansinho...

Nem vê meu pensamento entrar pela janela
E ir na ponta dos pés, murmurar ajoelhado
Este verso de amor que fiz, pensando nela!


MENTIRA
J. G. de Araujo Jorge

Tanta cousa passou... E, no entanto, vivemos
Noutros tempos, felizes, como namorados...
– Nossa vida... ora a vida, era um barco sem remos,
Levando-nos ao léu... a sonhar acordados...

Ontem juntos, felizes... hoje, separados,
– (não pensei que este amor chegasse a tais extremos...)
e sorrimos em vão... sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos...

Cruzamos nossos passos muita vez: – é a vida!
– eu, volto o rosto (fraco a paixão que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída...

Mentira inútil, cruel... se ontem, tal como agora,
Tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
E eu sei quanto este amor te atormenta e devora!


NOSSA CAMA
J. G. de Araujo Jorge

Olho nossa cama. Palco vazio
Sem o drama, sem a comédia
Do nosso amor.

A nossa cama branca,
Branca página, em silêncio,
De onde tudo se apagou...

(Meu Deus! Quem poderia ler aquelas ânsias, aqueles
gemidos, aqueles carinhos, que a mão do tempo raspou,
como nos velhos pergaminhos?...)

A nossa cama
Imensa, como a tua ausência,
Tão ampla, tão lisa, tão branca, tão simplesmente cama,
E era, entretanto, um mundo,
De anseios, de viagens, de prazer,

– oceano, que teve ondas e gritos encapelados,
e nele nos debatemos tantas vezes como náufragos
a andar... e a morrer...

Olho a nossa cama, palco vazio,
Em nosso quarto – teatro fechado –
Que não se reabrirá nunca mais...

Nossa cama, apenas cama, nada mais que cama
Alva cama, em sua solidão
Em seu alvor...

Nossa cama:
– campa (sem inscrição)
do nosso amor.


ESPERAR...
J. G. de Araujo Jorge

Quanta gente há que sofre o mal sem cura
De uma infinita e vã desesperança,
Condenada a viver só de lembrança
Sem direito a esperar qualquer ventura.

E eu a chamar de angústia e de amargura
Esta minha saudade ingênua e mansa
Que faz com que me sinta um pouco criança,
Só porque a espero com maior ternura!

E eu a dizer que a minha vida é má!
Feliz é quem espera um bem que alcança
E eu sou feliz porque ela voltará...

Voltará – pressurosa e comovida –,
Ah, poder esperar tendo esperança
É a mais doce esperança dessa vida!


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