TOXICOLOGIA DE AGROTÓXICOS EM AMBIENTE AQUÁTICO
R.Y. Tomita1 & Z. Beyruth
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Proteção Ambiental, Instituto Biológico.
Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil.

Publicado em O Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.135-142, jul./dez., 2002
Atualizada em Wed, 24.09.2003 15:48


No passado, os organismos indesejáveis à agricultura eram controlados através da aplicação de pequeno número de compostos inorgânicos à base de cobre e arsênico, além de alguns inseticidas de ocorrência natural como as piretrinas (NIMMO, 1985). Até a II Guerra Mundial o desenvolvimento e uso efetivo de compostos orgânicos foi lento, porém, com a descoberta da propriedade inseticida do dicloro-difenil-tricloroetano, o DDT, iniciou-se a expansão e desenvolvimento de uso característicos dos últimos 40 anos (KOTAKA & ZAMBRONE, 2001; NIMMO, 1985). E em função do modelo de agricultura adotado que se baseia no uso de agrotóxicos estas substâncias passaram, então, a ser amplamente utilizadas (RÜEGG, 1987).

Não se pode negar que esses produtos possibilitaram o aumento da produtividade agrícola e têm auxiliado no controle de vetores de diversas doenças, entretanto, seu uso desordenado e excessivo vem provocando diversos impactos sobre o meio ambiente. Dentre os efeitos nocivos ao ambiente podese citar a presença de resíduos no solo, na água, no ar, nas plantas e animais. Além da contaminação do meio ambiente, estes resíduos podem chegar ao homem através da cadeia alimentar e ocasionar danos à saúde (EDWARDS, 1973). Datam da década de 50 os primeiros relatos sobre resíduos de inseticidas organoclorados no ambiente e nos alimentos, onde observou-se a ocorrência de bioconcentração e bioacumulação na cadeia alimentar, que resultou em altos teores no homem (ALMEIDA, 1974). Em meados do século XIX, John Snow, o pai da epidemiologia, comprovava que a qualidade ambiental possui estreita relação com a saúde humana, através de seu estudo sobre a existência de associação causal entre a epidemia de cólera que assolava Londres e o consumo de água contaminada por fezes de doentes (ROUQUARYOL, 1994).

Os agrotóxicos podem alcançar os ambientes aquáticos através da aplicação intencional, deriva e escoamento superficial a partir de áreas onde ocorreram aplicações (Fig. 1).

Fig. 1 – Movimento dos agrotóxicos em ecossistemas aquáticos. Adaptado de Nimmo, 1985.

A lixiviação dos agrotóxicos através do perfil dos solos pode ocasionar a contaminação de lençóis freáticos (EDWARDS, 1973), portanto, além de afetar os próprios cursos de água superficiais, os agrotóxicos podem alcançar os lençóis freáticos cuja descontaminação apresenta grande dificuldade. Certas práticas agrícolas ligadas ao modelo de produção agrícola predominante, como o uso excessivo e inadequado de agrotóxicos, a destruição da cobertura vegetal dos solos para plantio, a não-preservação das matas ciliares e das vegetações protetoras de nascentes , dentre outros fatores, são responsáveis por grande parte dos problemas com os recursos hídricos (ROSA, 1998).

Em relação à água, embora a agricultura seja apenas uma das inúmeras fontes não-pontuais de poluição, geralmente é apontada como a maior contribuinte de todas as categorias de poluentes (EDWIN,1996).

Uma vez na água, dependendo das características físico-químicas o resíduo do agrotóxico pode tanto se ligar ao material particulado em suspensão, como se depositar no sedimento do fundo ou ser absorvido por organismos, podendo então ser detoxicados ou acumulados. Eles podem ser transportados através do sistema aquático por difusão nas correntes de água ou nos corpos dos organismos aquáticos. Alguns agrotóxicos e/ou metabólitos podem também retornar à atmosfera por volatilização. Assim, fica evidenciado que há uma interação contínua dos agrotóxicos entre sedimento e água, influenciada pelo movimento da água, turbulência e temperatura (NIMMO, 1985). Desta interação, pode resultar inclusive maior tempo de exposição dos organismos aquáticos aos compostos tóxicos.

Existem diversos estudos na literatura internacional para determinar-se a presença de agrotóxicos em águas superficiais e subterrâneas (MALLET & MALLET, 1989; DURAND & BARCELÓ, 1989; BARCELÓ, 1994; BARCELÓ, et al., 1996; DUPAS, et al., 1995) além de estudos nacionais sobre os efeitos de herbicidas sobre organismos aquáticos (TUNDISI, 1990; RODRIGUES,1993), estes estudos muitas vezes envolvem compostos que já são apontados como problemas em potencial para o meio ambiente e saúde, porém, ainda não são controlados pela legislação.

Os agrotóxicos presentes em corpos d'água podem penetrar nos organismos aquáticos através de diversas portas de entrada e seu grau de acumulação depende do tipo de cadeia alimentar, da disponibilidade e persistência do contaminante na água e especialmente de suas características físicas e químicas (SPACIE & HAMELINK, 1985). Os peixes e invertebrados podem acumular os agrotóxicos em concentrações muito acima daquelas encontradas nas águas nas quais eles vivem, pois estes compostos podem se ligar ao material particulado em suspensão e ser ingeridos pelos organismos aquáticos (NIMMO,1985), dentre outros processos.

A toxicologia aquática estuda os efeitos de compostos químicos e outros xenobióticos sobre os organismos aquáticos com ênfase especial nos efeitos adversos ou danosos. Inúmeros testes toxicológicos são utilizados para avaliar as concentrações e a duração da exposição a estes agentes químicos necessárias para produzir um efeito pré-determinado, ou seja, um teste toxicológico é desenvolvido para mensurar o grau da resposta produzida por um nível específico de estímulo - concentração do composto em estudo (RAND & PETROCELLI, 1985).

Fatores que influenciam a toxicidade de compostos químicos em ambiente aquático

Os estudos em toxicologia aquática são qualitativos e quantitativos em relação aos efeitos tóxicos sobre os organismos aquáticos. Os efeitos tóxicos podem incluir tanto a letalidade (mortalidade) e efeitos sub-letais, como alterações no crescimento, desenvolvimento, reprodução, respostas farmacocinéticas, patologia, bioquímica, fisiologia e comportamento. Os efeitos podem ser expressos através de critérios mensuráveis como o número de organismos mortos, porcentagem de ovos chocos, alterações no tamanho e peso, porcentagem de inibição de enzima, incidência de tumor, dentre outros. A toxicologia aquática também está relacionada com as concentrações ou quantidades dos agentes químicos que podem ocorrer no ambiente aquático (água, sedimento ou alimento) (RAND & PETROCELLI, 1985). A toxicidade de um composto químico depende da exposição, da suscetibilidade do organismo, das características químicas do agente e de fatores ambientais.

A exposição é o contato/reação entre o organismo e o composto químico, sendo que os fatores mais importantes relacionados à exposição são: o tipo, duração e freqüência da exposição e a concentração do agente químico. Dependendo do tipo de exposição a toxicidade será afetada, por exemplo, os compostos hidrossolúveis estão mais prontamente disponíveis aos organismos do que aqueles mais lipofíllicos que estarão mais fortemente adsorvidos ou de alguma maneira ligados às partículas em suspensão, matéria orgânica ou sistemas biológicos. Assim, os agentes químicos mais hidrossolúveis podem penetrar num organismo através de toda a superfície do corpo, guelras e boca, enquanto os mais lipofílicos têm que ser ingeridos e absorvidos através do trato gastrintestinal (RAND & PETROCELLI, 1985).

A duração e a freqüência da exposição dos organismos ao agente químico também afetará a toxicidade. Na exposição aguda, os organismos entram em contato com o composto químico num evento único ou em eventos múltiplos que ocorrem num pequeno período de tempo, geralmente variando de horas a dias. Nas exposições agudas onde o agente químico é rapidamente absorvido normalmente os efeitos são imediatos, embora seja possível a produção de efeitos retardados similares àqueles resultantes de exposição crônica (RAND & PETROCELLI, 1985). Na exposição crônica normalmente os organismos são expostos a baixas concentrações do agente tóxico que é liberado continuamente ou com alguma periodicidade num longo período de tempo (semanas, meses ou anos). Exposição crônica a compostos químicos pode também induzir a efeitos rápidos e imediatos, como os efeitos agudos, em adição aos efeitos que se desenvolvem lentamente (RAND & PETROCELLI, 1985).

A freqüência da exposição também afeta a toxicidade dos compostos químicos. Uma exposição aguda a uma única concentração pode resultar num efeito adverso imediato num organismo, enquanto duas exposições sucessivas cumulativas iguais à exposição aguda única podem ter efeito pequeno ou nenhum efeito, devido ao metabolismo (detoxificação) do organismo entre as exposições ou à aclimatação do organismo ao composto (RAND & PETROCELLI, 1985).

Como já mencionado, a toxicidade depende da suscetibilidade dos organismos ao composto químico. Diferentes espécies possuem suscetibilidades diferentes de acordo com seu aparato metabólico, de acordo com seus hábitos alimentares, seu comportamento, fase de desenvolvimento, dentre outros aspectos.

Indivíduos jovens ou imaturos geralmente são mais suscetíveis aos agentes químicos do que adultos, provavelmente em função das diferenças no grau de desenvolvimento dos mecanismos de detoxificação. Organismos estressados em função de exposição prévia a outros toxicantes também podem ser mais suscetíveis aos compostos químicos (RAND & PETROCELLI, 1985), cenário comum na realidade dos ecossistemas, pois normalmente há a presença simultânea de diferentes produtos.

As características do composto químico também influenciam grandemente na toxicidade como, por exemplo, sua composição, ou grau de pureza, pois as impurezas ou contaminantes que são consideravelmente mais tóxicos do que o agente propriamente dito 138 R.Y. Tomita & Z. Beyruth Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.135-142, jul./dez., 2002 podem estar presentes. Assim, a identidade e a pureza dos compostos químicos são importantes nos testes de toxicidade. As propriedades físicas e químicas como solubilidade, pressão de vapor e pH afetam a biodisponibilidade, persistência, transformação, e o destino do agente químico no ambiente também são fatores importantes nos testes de toxicidade. Existem compostos químicos não seletivos em seu modo de ação e que provocam efeitos indesejáveis em numerosas células e tecidos dos organismos aquáticos. Em contraste há os compostos com modo de ação seletivo que afeta adversamente apenas um tipo de célula ou tecido, sendo inofensivo para os demais com os quais esteve em contato direto, assim, o modo de ação dos compostos químicos também afeta sua toxicidade (RAND & PETROCELLI, 1985).

Os fatores ambientais definidos pelas características bióticas e abióticas também podem alterar a toxicidade de compostos químicos no ambiente aquático. Os fatores bióticos incluem o tipo de organismo (alga, inseto ou peixe, etc.), estágio de desenvolvimento (larva, juvenil, adulto), tamanho, estado nutricional e de saúde, alterações sazonais no estado fisiológico, dentre outros, sendo que estes fatores bióticos influenciam a resposta ao poluente de diferentes maneiras. Os fatores abióticos que podem atuar modificando a toxicidade incluem todas as características físicas e químicas da água que circunda o organismo vivo, como a temperatura, o pH, o teor de oxigênio dissolvido na água, a salinidade e a dureza, conteúdo de matéria orgânica e material particulado em suspensão, a velocidade do fluxo da água, dentre outros (SPRAGUE, 1985).

Problemas ambientais com agrotóxicos

Dentre os inúmeros casos já relatados pela literatura internacional de problemas ambientais, destaca-se o caso do DDT, inseticida organoclorado, o primeiro usado em larga escala a partir de 1945.
(Conheça Rachel Carson e a Primavera Silenciosa)

Após 27 anos, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (U.S.E.P.A.) baniu seu uso (METCALF, 1974), por apresentar alta persistência no ambiente e ser bioacumulado e biomagnificado. NIMMO (1985) relata inúmeros casos de problemas ambientais com agrotóxicos e outras substâncias químicas como os polibifenil-clorados (PCB’s) que também são compostos organoclorados, com estrutura química muito similar aos agrotóxicos DDT, dieldrin e aldrin. Os relatos incluem casos de contaminação da água e de organismos.

SPACIE & HAMELINK (1985) também reportaram que a bioacumulação e biomagnificação de poluentes recebeu atenção pública pela primeira vez nos anos 60, com a descoberta de resíduos de DDT, DDD e de metil-mercúrio em peixes e animais silvestres. Problemas de mortalidade e de reprodução em peixes e pássaros que se alimentam de peixes foram relacionados às altas concentrações de DDT ou seus metabólitos encontradas no tecido adiposo destes animais. Como especialmente os pássaros que eram carnívoros estavam com as concentrações mais elevadas de resíduos do que o alimento (peixes) que ingeriram, era lógico postular que a acumulação havia ocorrido primariamente pela transferência através da cadeia trófica. Esta idéia apoiou-se indiretamente na observação dos resíduos de DDT que aumentavam passo a passo de um nível trófico para o próximo.

Inúmeros outros compostos já foram detectados em águas superficiais, em águas subterrâneas e de abastecimento (BALINOVA, 1993; BRAMBILLA, et al., 1993; TEKEL & KOVACICOVÁ, 1993; Z AHRADNÍCKOVÁ, et al., 1994; PEREIRA, et al., 1996) relacionando atividades urbanas e agrícolas com os casos de contaminação ambiental. De acordo com TEKEL & KOVACICOVÁ (1993) na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos os herbicidas representam mais de 50% de todos os agrotóxicos usados e, portanto, não é de se surpreender que esta classe de compostos contribuam de maneira tão significativa para a contaminação do ambiente, particularmente solo, águas superficiais e subterrâneas. Além do alto volume de uso, muitos dos herbicidas são aplicados em áreas próximas aos corpos d'água e são, portanto, comumente encontrados em águas superficiais, além disto, também alcançam águas subterrâneas em função de sua mobilidade em solo que permite sua imigração (YOUNES & GALALGORCHEV, 2000). Em água de abastecimento também já foram encontrados resíduos de herbicidas, principalmente a atrazina que é um herbicida triazínico. As triazinas são os herbicidas mais antigos e mais comumente usados, sendo responsáveis por cerca de 30% do mercado mundial de pesticidas. Mais recentemente as triazinas, especialmente atrazina, está sendo gradualmente substituída por herbicidas que apresentem risco ambiental menor (TEKEL & KOVACICOVÁ, 1993).

AMARANENI & PILLALA (2001) encontraram resíduos de vários agrotóxicos nas duas espécies de peixes usados como bioindicadores, coletados no lago Kolleru, Índia. Os resultados demonstraram que os peixes continham resíduos de agrotóxicos em níveis superiores aos padrões estabelecidos pela Food and Agriculture Organization (FAO), organismo das Nações Unidas, se constituindo em mais uma fonte de exposição dos habitantes da região aos agrotóxicos. Os resultados refletiram também o nível de poluição por estes compostos naquele lago bem como o perigo ao qual os habitantes estavam expostos ao consumirem os peixes contaminados.

YOUNES & GALAL-GORCHEV (2000) ressaltam que a capacidade dos agrotóxicos persistirem e produzirem efeitos tóxicos sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente é muito variada em função das inúmeras classes químicas existentes. Além disto, em função de seu amplo uso, os agrotóxicos podem estar presentes inclusive em água de abastecimento.

Num estudo realizado no Parque Turístico do Alto Ribeira (PETAR) localizado no Vale do Ribeira (São Paulo), ELFVENDAHL (2000) analisou amostras de água, sedimento e peixe no período das chuvas, em janeiro de 2000 e seus resultados indicaram que a fauna e flora do PETAR estão expostas a diferentes agrotóxicos que se encontram dissolvidos na água ou presentes no sedimento, sendo que dos 20 agrotóxicos detectados na água, sete eram considerados altamente tóxicos para peixes e outros organismos aquáticos e os demais eram considerados moderadamente tóxicos.

STRANDBERG & SCOTT-FORDSMAND (2002) considerando organismos expostos ao herbicida simazina em meio terrestre e meio aquático, relataram inúmeros efeitos ecológicos, dentre eles a bioacumulação de simazina em organismos aquáticos, a diminuição de densidade e diversidade de algumas espécies de organismos de solo expostos ao herbicida. Além disto, o estudo relata inúmeros experimentos e monitoramentos efetuados nos Estados Unidos e Europa sobre a toxicidade de simazina para diversos organismos aquáticos e terrestres e discutem os fatores bióticos e abióticos que influenciaram a toxicidade e comportamento ambiental do herbicida.

DORES & DE-LAMONICA-FREIRE (2001) através do levantamento e análise de parâmetros físicos e químicos do solo e de 29 agrotóxicos, verificaram o potencial de contaminação de águas superficiais e subterrâneas numa área agrícola em Primavera do Leste (MT), demonstrando o risco potencial que cada composto estudado apresentava naquele ambiente. Embora tenha sido um estudo efetuado com dados sobre os pesticidas retirados da literatura internacional, e portanto, obtidos em clima diferente do local, este estudo demonstrou a necessidade e a possibilidade de utilizar-se análises preliminares deste tipo para se priorizar estudos mais aprofundados de comportamento ambiental e toxicidade de agrotóxicos.

FILIZOLA et al. (2002) em seu estudo, também concluem que avaliações preliminares da possibilidade de contaminação das águas superficiais, subsuperficiais e subterrâneas por pesticidas de uma dada área agrícola, podem se constituir em instrumentos importantes para avaliação de risco ambiental, sendo vantajoso inclusive devido ao alto custo das análises químicas de resíduos de pesticidas.

LAABS et al. (2002), concluiram em seu estudo que na área da bacia do Pantanal, a atmosfera representa importante porta de entrada de agrotóxicos nos ecossistemas, inclusive na água, diferentemente do que ocorre em regiões temperadas, reafirmando a necessidade de estudos em condições ambientais brasileiras. Outra lacuna importante relaciona-se à realização de estudos como o desenvolvido por FARRE et al. (2002) aliando-se testes toxicológicos com organismos e as análises químicas quantitativas e qualitativas, permitindo assim o levantamento de dados químicos como concentração e dose real, juntamente com a verificação dos efeitos toxicológicos para os organismos, de forma a embasar avaliações globais.

Exposição múltipla aos agrotóxicos

Outro tipo de problema bastante comum é a exposição múltipla, isto é, exposição a mistura de agentes tóxicos. O emprego de misturas é conhecido como vantajoso em relação à aplicação de um único composto (MARKING, 1985). As vantagens relatadas são: (a) aumento da eficiência contra os organismos alvo, (b) aumento da segurança para organismos não-alvo, (c) diminuição das quantidades aplicadas sem redução da eficiência e com quantidades menores de resíduos no meio ambiente, e, (d) custos reduzidos para o material de aplicação (MARKING, 1985). Entretanto, há equívocos em relação ao conceito de toxicidade de misturas, pois esta não é resultante da soma das atividades tóxicas dos compostos. A mistura de diferentes agentes pode ocorrer inadvertidamente porque alguns compostos persistem por longos períodos no meio ambiente ou porque são aplicados repetidamente ou, como já citado, para melhorar a eficácia e diminuir os custos (MARKING, 1985).

Existem dados sobre a toxicidade de misturas de inseticidas organofosforados (MARKING, 1985) onde se observou aumento da toxicidade (sinergismo) quando se comparou os resultados de aplicações individuais, há relatos também de exposições a múltiplos compostos químicos onde ocorreu antagonismo, pois a exposição a uma mistura de agentes químicos resultou em efeito menor do que aquele esperado se a exposição tivesse sido a cada composto individualmente (MARKING, 1985). Sinergismo e antagonismo são termos genéricos e seu uso deve ser baseado em dados quantitativos, ambos fenômenos resultam da soma de exposição a vários agentes químicos presentes no meio ambiente (MARKING, 1985), mas a toxicidade não se resume simplesmente à soma das toxicidades individuais. STRANDBERG & SCOTTFORDSMAND (2002), relataram estudo de 16 anos realizado nos Estados Unidos onde se observou o efeito sinérgico da aplicação dos herbicidas simazina e diuron resultando num controle mais eficiente de ervas daninhas, comprovando que do ponto de vista agronômico o emprego de misturas pode apresentarse vantajoso, porém permanece a dúvida: o efeito sinérgico resultará em efeito tóxico mais severo apenas para os organismos-alvo?

A compreensão do conceito de toxicidade de misturas e o desenvolvimento da capacidade para calcular quantitativamente a toxicidade adicionada de misturas de agentes químicos podem ser ferramentas úteis para se determinar as vantagens e desvantagens do uso de misturas (MARKING, 1985). Aproximadamente 6 milhões de substâncias químicas sintéticas são conhecidas e 63 mil são de uso cotidiano podendo ser encontradas no ambiente, sendo que 118 agentes químicos são considerados mundialmente como prioritários para efeito de controle (ARAÚJO, 2000). Com estes dados é fácil verificar a necessidade de desenvolver-se legislação e mecanismos formais para controlar e avaliar o risco para a saúde e para o meio ambiente em função da exposição individual e múltipla aos agentes químicos tóxicos.

YOUNES & GALAL-GORCHEV (2000) ressaltam a dificuldade e complexidade da caracterização do risco em função da exposição normalmente se dar a misturas complexas de agrotóxicos, e não a apenas um composto, além disto, a exposição usualmente se dá através de inúmeras matrizes ambientais. ARAÚJO et al. (2000) num estudo realizado em Pernambuco, para a cultura de tomate, comprovaram a ocorrência do emprego preventivo dos agrotóxicos gerando outros problemas, dentre eles a necessidade de uso crescente de novos produtos e misturas, além disto, constataram que há carência de ações que visem à proteção da saúde dos trabalhadores rurais que lidam com agrotóxicos bem como de medidas contra os danos ambientais, sendo que o meio ambiente já se encontra gravemente comprometido. Estes autores também verificaram que embora exista uma legislação nacional e normas regulamentando o uso e descarte de embalagens dos agrotóxicos, a prática entre alguns agricultores locais ainda consiste em deixar as embalagens vazias ou restos de produtos espalhados pelo campo e certamente por meio das águas de chuva e de irrigação há o arraste de resíduos pelo solo até atingirem reservatórios e cursos d'água, que poderá resultar em contaminação das águas por agrotóxicos de diversas naturezas químicas num mesmo momento, resultando na exposição múltipla de todo o ecossistema aquático bem como do homem.

Nestas últimas décadas, para adquirir-se conhecimentos sobre os efeitos dos agentes químicos para a biota aquática têm sido utilizados testes com organismos de águas continentais, estuarinas e marinhas, sob condições de campo e de laboratório (ARAÚJO, 2000), onde se verifica a toxicidade dos compostos. Estes testes possibilitam o estabelecimento de limites permissíveis para várias substâncias químicas e ainda possibilitam a avaliação do impacto destes poluentes sobre a biota dos recursos hídricos receptores (MAKI & BISHOP, 1985). Estudos já foram desenvolvidos para verificar a toxicidade de misturas de diversos agrotóxicos e de outras substâncias químicas como os metais, bem como para tentar elucidar os mecanismos de ação envolvidos (BAILEY et al., 1997; BELDEN & LYDY, 2000; ALTENBURGER et al., 2000; CHRISTENSEN et al., 2001; JIN-CLARK, 2001; ANDERSON & LYDY, 2002; FRANKLIN et al., 2002). Dentre os organismos utilizados podemos citar algas verdes, microcrustáceos, insetos, larvas de mosquitos, dentre outros. Nestes diversos estudos observou-se a ocorrência de efeito sinérgico, indicando o potencial para toxicidade aumentada em organismos expostos a misturas ambientais de compostos. ELFVENDAHL (2000) concluiu em seu estudo que embora a biota aquática do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) estivesse exposta aos pesticidas detectados dissolvidos na água ou ligados ao material particulado suspenso ou sedimento, é muito difícil tecer considerações sobre o risco pois a biota encontrava-se exposta a inúmeros e diferentes compostos estressantes e que havia possibilidade de potencialização da toxicidade devido principalmente à exposição dos organismos a misturas de agrotóxicos.

Considerando os aspectos citados e que na natureza normalmente o cenário que se tem, intencionalmente ou não, é a presença de mais de um agente químico simultaneamente. Pode-se inferir que há possibilidade de alteração da toxicidade destes agrotóxicos no meio ambiente quando em misturas e que há necessidade de se verificar a toxicidade quando há exposição múltipla. Portanto, se apresenta a questão: O uso de agrotóxicos em mistura no ambiente aquático representa nova perspectiva em toxicologia aquática?

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