Coluna do Mês

O Mundo de Spawn - 06/09/98
por: Marcelo Hashimoto

O que faz Spawn ser diferente de outras revistas? Muitos dizem que Spawn não é original, enquanto outros afirmam que ele é um personagem único. Mas não estou aqui para falar somente do personagem em si, mas de todo o universo da revista.
O próprio Spawn é uma controvérsia. O que há de herói nele? Pra começar, a missão dele, embora ele não queira cumpri-la, é treinar o uso de seus poderes para se tornar qualificado para liderar o exército do Inferno, uma meta nada heróica. Ele vendeu a alma por amor, é verdade, mas foi enganado e ludibriado em seu acordo. Para todos os efeitos ele é o "manipulado por todos" da história. Em vida, era um assassino que cumpria suas ordens cegamente. Atualmente foi enganado por Malebólgia, aprende sempre novas coisas com Cogliostro e não percebe as manipulações de Jason Wynn e o Palhaço que ocorrem bem no nariz dele.
O fato de quase sempre matar seus inimigos o classificaria como anti-herói, como o Justiceiro ou o Motoqueiro Fantasma, mas isso também está errado. Repare que Spawn raramente foi atrás de algum inimigo, ele quase sempre foi a vítima, o perseguido da história. E não foram raras as vezes em que ele matou a pessoa errada. O problema é que, por ser do Inferno, ele é inimigo do Céu. Por não cumprir suas ordens, ele é inimigo do Inferno. Por destruir Chacina, ele é inimigo da Máfia. E por tentar proteger sua antiga "família", ele é inimigo da CIA.
Mas ele quer tudo isso? Não. Spawn pode ser considerado como alguém que quer apenas viver sua vida, mas não pode porque todo mundo quer sua pele. É claro que algumas vezes ele lança o contra-ataque. O pior é que ninguém entende isso, fora alguns seres "sábios", como Cogliostro e Maria (Deus).
Mas as diferenças de Spawn em relação a outras revistas não para por aí. McFarlane conseguiu, de uma maneira quase bíblica que, digamos, todo mundo é igual.
Vamos começar pelo Inferno. Malebólgia é mostrado como um dos vilões mais inteligentes e poderosos dos quadrinhos, e sempre é deixado claro que, não importa o que Spawn faça, o demônio nunca vai ser afetado. O Palhaço/Violador, ao contrário, faz o tipo egocêntrico que acaba se dando mal, mas ainda assim tenta reconquistar o prestígio de seu chefe. É importante lembrar que, não importa o quanto Spawn queira fazer o bem, ele acaba beneficiando Malebólgia, seja dando novas almas pecadoras para o Inferno, seja deixando que o mal prolifere na Terra.
Bem e mal, aliás, são separados por uma linha quase inexistente na revista. O Céu mostrado por McFarlane é um poço de burocracia, hipocrisia, orgulho e vinganças pessoais. Spawn deixou completamente de lado a antiga noção de "mocinhos e bandidos" para mostrar que no fundo, ou melhor, claramente, o Céu e igualzinho ao Inferno em muitos sentidos.
E na Terra? No lar de Spawn? Como eu já disse; nada de heroísmo. Ao invés de indentidade secreta e uma casa para onde ir quando a ronda termina, um rosto putrefato e um trono feito de lixo no meio do Bowery. Ao invés de amigos e aliados em cada missão, alguns mendigos que o tratam como "protetor dos becos". A diferença é que Todd mostra o quanto essa vida é boa. A devoção e amizade dos mendigos, além de Spawn se indentificar com eles, mostra o que há de melhor no pior da humanidade.
E os ricos e poderosos são os verdadeiros vilões da história. A "verdadeira" face da Máfia é mostrada com Tony Twist, um chefe mafioso sem nada de Dom Corleone, que por duas vezes se deu mal e está ameaçado de morte. Porém, nunca deixa de ameaçar cortar os dedos de quem o contradiz.
Mas sem dúvida nenhuma a parte mais rica dos vilões é o manipulador Jason Wynn. Não simplesmente o chefe da CIA, ou do United States Security Group, mas dos Estados Unidos da América. Senta-se numa das cadeiras mais altas do país. Possui autonomia total. O presidente é o único que da ordens a Wynn, mas depende dele. Sem ninguém perceber, ele ganha milhões por prolongar uma guerra e vender armamento, ao custo de milhares de vidas humanas. Ao estalar os dedos, alguém morre. Uma palavra e uma operação ilegal sua é desmantelada sem deixar vestígios. Uma piscadela e seus mais temidos agentes se calam. Uma desconfiança e a família inteira de um de seus empregados é assassinada. Wynn não tem superpoderes, e raramente matou alguém pessoalmente, mas ainda assim é um dos piores vilões que o mundo já conheceu.
Spawn é isso: um ser que atrai mais problemas que um ímã. Uma aberração. Um câncer que provoca cada vez mais estragos no Bowery e tenta lutar contra os danos provocados por ele mesmo. E inevitavelmente chegará a hora em que esse câncer deverá ser extirpado.

Corrente do Spawn

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