Coluna do Mês

50 Edições de Inferno - 22/12/98
por: Marcelo Hashimoto

Anos atrás, um jovem canadense chamado Todd McFarlane, grande fã de quadrinhos, decidiu desenhar seus próprios personagens. O desenhista tinha estilo, tinha talento e tinha futuro. Mas seu sonho estava bem longe desse campo. Todd queria ser um jogador profissional de baseball, e treinou duro para isso. Grande fã de baseball e hockey, treinava nos horários livres e finalmente conseguiu entrar num pequeno time da faculdade. Jogava bem no meio de campo e chegou a ser convidado para jogar profissionalmente.
Seu sonho, então, foi bruscamente interrompido quando, ao tentar correr para a base, quebrou o tornozelo, ficando impossibilitado de jogar novamente. Mas se seu futuro no baseball tinha desaparecido, a persistência de Mac continuava, e ele se lembrou daquilo que fazia antes do baseball, desenhar quadrinhos. Resolveu então que esse seria seu novo modo de vida. Mas, como qualquer emprego, desenhista era um cargo muito concorrido em tudo quanto é lugar. O jovem Todd enfrentou 700 rejeições, mas, por fim, acabou aceito.
Como não havia outro jeito, o começo de McFarlane foi modesto, mas seu estilo aos poucos foi dominando. Editores que haviam rejeitado seu trabalho agora olhavam seus traços nas revistas concorrentes, revisavam o portfolio anteriormente rejeitado e acabavam por contratá-lo. O estilo de Todd era detalhista, realista e diferente do estilo padrão da época. Seus desenhos fizeram a revista de um certo escalador de paredes pular do nono para o primeiro lugar.
Mas Todd queria mais. Ele queria provar que os desenhos não eram sua única área. Assim, ganhou uma revista para escrever, desenhar, arte-finalizar... tudo. E essas revistas ficaram entre as mais vendidas de todos os tempos. Mac provava que pertencia aos quadrinhos, seja qual for a área. E, embora fosse criticado por muitos "entendidos" do assunto, para ele era a opinião do leitor que importava. O público mandava em tudo.
Como Todd criava, escrevia e desenhava, não demorou muito para que ele criasse seus próprios personagens, como fazia quando criança. Entretanto, no lugar onde trabalhava, ele via diversos artistas renomados perderem o controle dos personagens que criaram sem ganhar nada. E, sem lucro algum, eles podiam apenas lamentar enquanto viam seu personagem morrer, ficar aleijado, renascer após muito tempo, nunca ter morrido, ganhar novos poderes e outras coisas absurdas que só visavam lucro e comércio.
Para não se tornar mais uma vítima da ganância da corporação onde trabalhava, Todd resolveu engavetar seu personagem para só soltá-lo na hora certa. E essa hora chegou, quando a paciência de Todd para com a burocracia de sua editora chegou ao fim. Ainda que ganhasse muito, ele não estava naquele negócio por dinheiro, e assim resolveu se demitir para seguir o próprio caminho. Porém, descobriu que ele não era o único sentindo-se mal com o ambiente. Junto com outros artistas famosos e irritados, ele se demitiu e criou sua própria editora.
Afinal, seu presonagem há anos engavetado pode sair do pó e ganhar vida no lápis de McFarlane. Era um personagem diferente, que abordava temas diferentes. Não era bonzinho. Pagara um preço alto para ter os poderes. Fez a pior decisão do mundo. Fugia completamente ao conceito de super-herói. Sucesso instantâneo. Milhões de edições vendidas em dezenas de países. Revista mais vendida, desbancando pesos-pesados como um certo escalador de paredes e um certo homem de aço.
O sucesso da criação de McFarlane se tornou tão grande que não podia mais ser contido apenas na revista. Assim, Todd chamou empresas para um longa-metragem, brinquedos, desenho animado, fantasias, não havia limites. Mas uma coisa era limitada: o controle de sua criação da parte de outras empresas. Se Todd se sentia mal com uma editora que tomava o controle criativo dos personagens de seus criadores, ele se sentiria pior ainda se entregasse o controle criativo de seu personagem às empresas. Assim, se tornou co-produtor de todos os projetos que envolviam sua criação. Se não fosse pela sua persistência, teríamos hoje um desenho sábado de manhã cuja única coisa em comum com a revista seria o nome.
E, enquanto participava de todos esses projetos, Todd escrevia, mas não tinha tempo de desenhar a revista, que deu partida a tudo. Usou então desenhistas escolhidos à dedo e seu trabalho continuou com o mesmo sucesso. Suas histórias foram ficando cada vez mais envolventes, e cada vez mais pessoas gostavam de seu personagem, ainda que o tenham conhecido fora dos quadrinhos. E surgiram fã-clubes, sites na Internet e outras coisas não-oficiais. Mas a popularidade do personagem só aumentava.
Até que, no auge da carreira, Todd nos trouxe a edição #50 de Spawn, com o mesmo sucesso de sempre. Se o jovem Todd foi obrigado a mudar seu sonho no meio de sua vida, quem ganhou com isso são aqueles que hoje são os maiores fãs de sua criação. a edição #50 de sua revista é um marco. Um marco que mostrar que o sucesso dele continua e vai continuar por muitos e muitos anos. Mas isso não é algo que vai depender de Todd e sim das pessoas que ele mais admira e respeita: o público.

Corrente do Spawn

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