Todd McFarlane

O MUNDO DE TODD
(Entrevista concedida a John Benton para a Image Illustrated em Setembro de 1994)

Todd McFarlane Primeira pergunta: O. J. Simpson é culpado ou inocente?
Culpado! Eu sei que as autoridades não falam nada a não ser que tenham provas suficientes, e eles abriram a boca bem cedo. Acho que esse cara deixou uma trilha de sangue que até minha avó perceberia (Nota: esta entrevista é anterior à absolvição de O. J. Simpson).

Nossa! Você fala mesmo sobre qualquer assunto!
Eu não sei tudo, mas penso que sei. Tenho convicções fortes e sou muito defensivo quanto às minhas opiniões. Sempre fui assim.

O que é importante para você?
Antes de tudo, minha esposa e minha filhinha. Qualquer decisão que eu tome é baseada em como as duas serão afetadas. Elas são a base da minha vida. Além disso, o mais importante pra mim é viver do jeito que eu acho melhor, não deixando ninguém se intrometer.

Como você começou nas HQs?
Havia uma revista chamada Steve Englehart's Coyote, onde publiquei meu primeiro trabalho profissional. Só que a primeira ediçào que desenhei estava adiantada, e acabou saindo junto com minha primeira participação em Corporação Infinito, da DC Comics. Eu estava fazendo Coyote há três ou quatro números, a revista foi cancelada, e fui trabalhar com Roy Thomas na Corporação. Acho que as duas revistas saíram na mesma semana, e, por causa disso, o pessoal ficou achando que eu era uma máquina de desenhar.

Seus primeiros trabalhos já são marcados por diagramações diferentes, não?
Quando comecei a desenhar, conversei com Steve e Roy, e disse que nào queria seguir a linha tradicional: "Não sou bom o bastante para isso, e quero que as pessoas prestem atenção em mim". A idéia era ressaltar meus pontos fortes, entende? Eu tinha acabado de me formar em design gráfico e resolvi aplicar o design nas minhas páginas. Hoje, pensando bem, vejo que foi uma péssima forma de narrar histórias. Pelo menos, fiz meu trabalho parecer um pouco diferente das outras coisas lançadas naquele mês. Eu procurei inovar desde o princípio.

A Marvel forçou você a abandonar seu estilo?
Quando fui fazer o Hulk na Marvel, os editores não queriam que eu usasse o mesmo design usado na Corporação Infinito. Existe uma espécie de manual para se desenhar na Marvel, o que acabou sendo bom, porque, até então, eu estava me escondendo atrás do design que aprendi na faculdade. Fui forçado a aprender um pouco de narrativa visual. Eu obedeci e, assim que me senti confortável com o "estilo da casa", comecei a brincar com as páginas. É muito bom fazer mudanças, mas não se pode ser abrupto demais dentro de uma grande editora. Fiz isso lentamente, de um modo que não chamasse muita atenção. Quando se deram conta, meu estilo pessoal já começava a predominar na maioria das páginas. Aí, entrei para a equipe de produção do Homem-Aranha e decidi utilizar um pouco de design, mas sem perder de vista as técnicas de narrativa para não confundir os leitores. Eu sempre busquei um público tão amplo quanto possível, Ou seja, sempre procurei agradar pessoas dos oito aos oitenta anos.

O que você acha de seu estilo ter se tornado o padrão?
Eu não estou surpreso. As grandes empresas sempre rejeitam mudanças, até alguém surgir com uma novidade financeiramente bem-sucedida e criar o novo padrão. A única coisa que me incomoda é que um novo desenhista pode ter outra maneira de fazer o Homem-Aranha, talvez vinte vezes melhor do que a minha, e não mostrá-la por ser forçado a seguir o meu estilo. Eu me ressentia com isso, pois eles queriam o estilo do John Romita no Aranha. Por que eu iria copiar alguém que já deixou sua marca no personagem? Eu queria deixar a minha própria marca! Por isso, tentei ser diferente desde o começo.

O que aconteceu quando você decidiu escrever suas próprias histórias?
Eu não estava satisfeito trabalhando com David Michelinie no Aranha. Telefonei pros editores e disse: "Eu só continuo desenhando se puder escrever também. Só que eu já vou avisando... nunca fiz um roteiro na minha vida". Como a Marvel, na época, estava mesmo interessada em lançar um novo título do Aranha, acho que acabarm matando dois coelhos com uma cajadada só. Mas em nenhum momento exigi que criassem uma revista só pra mim.

Como você se sentiu ao ouvir tantos comentários sobre sua estréia como argumentista?
Acho que exageraram ao criticar minha falta de habilidade como roteirista. Se eu tivesse escrito exatamente da mesma maneira numa revista que vendesse trinta mil exemplares, ninguém teria prestado atenção. O "problema" é que eu vendi mais de um milhão. Além disso, o público queria ver a experiência de McFarlane, o artista veterano, no McFarlane, o roteirista novato. Eram dois profissionais diferentes ali, mas o público não conseguiu separar (Nota: Todd se refere à saga Homem Aranha: Tormento, editada na forma de mini-série pela Abril Jovem em 1991.).

Quando nasceu Spawn?
Criei Spawn por volta de 1980, nos meus tempos de amador. Acho que todo fã de HQ acaba criando um personagem. A única diferença entre os outros fundadores da Image e eu é que, ao contrário deles, nunca usei minhas criações na Marvel. O primeiro personagem que tirei da gaveta foi Spawn. Será que, se eu escolhesse qualquer outro, minha revista venderia bem? Provavelmente, pois ninguém sabia direito o que era Spawn. Compraram porque era Todd McFarlane. Por isso mesmo, sei que preciso tornar o personagem mais importante do que eu. Assim, se eu for atropelado por um ônibus amanhã, as pessoas vào continuar lendo Spawn apesar de Todd McFarlane não estar desenhando.

Como você se sente a respeito de entregar Spawn para outros artistas?
Quando entregamos um personagem a outras pessoas, é preciso lembrar que elas não lêem sua mente, não fazem o que você faria, mas contribuem com elementos em que você jamais teria pensado. Assim, as histórias ficam imprevisíveis, não só para os leitores mas para mim também, o que é bom.

Mudando de assunto: quando você percebeu que era um artista "quente"?
Fui a uma convenção em Dallas, no tempo em que desenhava o Homem-Aranha. Havia grandes estrelas dos quadrinhos por lá, mas a minha fila de autógrafos era a maior. Fiquei espantado, não conseguia entender aquilo. Afinal, ali estavam Howard Chaykin, Gil Kane, Sérgio Aragonés e Stan Lee! Eu só era um novato! Sempre fiquei espantado com isso. Desde então, meu público não diminuiu, mesmo com minhas mudanças de revista. Não acho que sou um gênio em termos de desenho ou narrativa, mas meu sucesso está longe de ser "fogo-de-palha". Estou no ramo há dez anos! Desenhos o que os leitores querem ver, o que eu gostava de ver quando garoto.

Obviamente, você tem uma tremenda consideração por seus leitores.
Ei, eles mandam em tudo! Você pode se julgar o máximo, mas, se os fãs não comprarem sua revista, você não é nada. Não me importa se a crítica mete o pau, mas, se o leitor não gosta, aí a coisa muda de figura.

Parece que sempre tem alguém querendo criticar você, não, Todd?
Se eu tiver que me preocupar com os críticos, vou ganhar uma úlcera. O que me importa mesmo é o sorriso dos fãs.

Como você se sentiu a respeito dos riscos envolvidos em lançar Spawn?
Eu sabia que o número um ia vender bem. O grande desafio era continuar assim dois, três anos depois (Nota: já em seu quarto ano de produção, Spawn continua entre as revistas em quadrinhos mais vendidas dos EUA).

Você obviamente não precisa mais de dinheiro. O que o mantém no mundo dos quadrinhos?
Não desenho HQ por dinheiro, para porque gosto. Eu era o cara mais bem pago do país quando me demiti da Marvel. Se estivesse nisso por grana, por que sairia de um emprego tão bom? O problema é que não estava me sentindo bem na Marvel e não continuaria lá nem por um milhão de dólares. Se eu e o pessoal da Image viemos a ganhar dinheiro com nossa saída, melhor ainda!

Se não é dinheiro, o que você espera das companhias para as quais licencia seu personagem?
Espero sensibilidade, e quero um pouco de controle criativo, dar opinião sobre o andamento das coisas. Não posso deixar que suguem todo o potencial de Spawn e me entreguem o bagaço. se, mesmo com meu envolvimento, o resultado final for uma porcaria, eu pelo menos posso assumir minha parcela de culpa e até explicar o que deu errado. O que não pretendo fazer é responder pelas falhas de outras pessoas.

Quem você respeita na indústria de quadrinhos?
Eu respeito Frank Miller. Respeito meus colegas da Image Comics pela coragem de fazer algo novo. Respeito qualquer criador que se arrisque a publicar seu personagem, não importa o quanto venda. Também respeito os caras que trabalham para a Marvel Comics e se sentem bem com isso.

E quem você não respeita?
No momento, Peter David e John Byrne são os maiores panacas que conheço. Eles levam os quadrinhos a sério demais. Não sei como podem me criticar tanto, se fazem exatamente a mesma coisa que eu: desenhar histórias de super-heróis. Se algum desenhista de outro tipo de HQ disser que os heróis são uma droga, eu até aceito. Mas se um artista da Marvel ou DC afirma que determinado gibi é bom trabalho e outro, apesar de vender dez vezes mais, não é, então acho que está tentando ditar à sociedade o que gostar e o que não gostar. O fato de gostarem de Spawn não me torna um escritor ou artista genial. Quadrinhos não são belas-artes, mas vinte minutos de diversão despretensiosa. Qualquer um que leve HQ mais a sério, perde o meu respeito.

O quê você acha dos fãs de histórias em quadrinhos que consideram você pior que o Anticristo?
Incomoda-me saber que as pessoas esqueceram que já tiveram dez anos de idade. Isso me deixa louco da vida. Quando você tinha dez anos, podia se divertir à vontade e ninguém filosofava sobre isso. Agora, nós temos esse grande debate, com adultos que esqueceram a infância e não permitem que as crianças sejam crianças. Não acho justo empurrar gibis "de arte" para a garotada. Eles vão crescer e acabar se interessando por esse tipo de revista. Por que estão preocupados em fazer esses leitores crescerem e pensarem como adultos rapidamente? Não é justo roubar a infância de ninguém.

Corrente do Spawn

Todd McFarlane