E. F. MADEIRA MAMORÉ
Construção e operação
I - O Brasil constrói a Ferrovia
Nas "nebulosas" regiões
fronteiriças entre Brasil e Bolívia nessa época, existia uma
região indefinida, que era explorada por brasileiros e
bolivianos e que, com o crescimento da demanda pela borracha nos
mercados mundiais, passou a ter importante significado para a
região, havendo uma série de incidentes entre brasileiros e
bolivianos pela posse das terras. Essa região, que viria a ser
conhecida como o ACRE, foi basicamente o estopim da decisão
brasileira de construir a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, pois,
para dar fim aos conflitos, Brasil e Bolívia assinaram, em
17.11.1903, o TRATADO DE PETRÓPOLIS, dispondo sobre vários
ítens, entre os quais ficava com a seguinte obrigação o
Brasil, de acordo com a cláusula VII desse TRATADO DE
PETRÓPOLIS.
"Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em
território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma
ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até
Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila
Murtinho ou outro ponto próximo (estado do Mato Grosso), chegue
a Vila Bela (na Bolívia), na confluência do (rio) Beni e do
Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir
no prazo de 4 anos, usarão ambos os países, com direito às
mesmas franquias e tarifas".
Dessa forma, obrigado por acordo internacional a construir a
ferrovia, o Brasil tratou de colocar mãos à obra, e publicou em
12.05.1905 o edital de concorrência para a construção da
ferrovia. Nesse momento, quando poderia estar demonstrando que
havia aprendido com os desmandos dos governos anteriores, que
provocaram várias celeumas e atrasos em torno da construção
dessa ferrovia, mais uma vez dá o governo brasileiro mostras de
uma desorganização e desconhecimento que causariam maiores
celeumas, escândalos e prejuízos no futuro, pois a
concorrência cita, como base para a aceitação das propostas, o
custo por km contido no projeto apresentado pelo eng° Pinkas,
sob o qual havia uma suspeição generalizada de que havia sido
em grande parte forjado nos escritórios do engenheiro.
Ou seja, por ineficiência ou despreparo, o governo publicava um
edital onde, ingenuamente, esperava que alguma companhia
dispusesse-se a construir, nos confins da Amazônia, em terreno
reconhecidamente insalubre e carente de recursos de qualquer
tipo, uma ferrovia pelo mesmo custo por km que as ferrovias
construídas nos estados de São Paulo, Rio e Minas.....
Ainda assim, apareceram 2 pretendentes à construção da
ferrovia, os Srs.Joaquim Catrambi e Raimundo Pereira da Silva,
sendo vencedor o primeiro, não sem nova grande celeuma levantada
pelo segundo colocado, que numa série de artigos já garantia
como inexequivel a construção da estrada pelo orçamento
apresentado, lançando ainda, com uma série de argumentos muito
bem fundamentados, sérias suspeições sobre o processo da
licitação.
E haviam razões concretas para isso, pois Joaquim Catrambi
possuia relacionamento como o mega empresário americano da
época, Percival Farquhar, que, seduzido pelas imensas riquezas
vislumbradas com as facilidades de exploração da região no
"em torno" da ferrovia, aparentemente constituiu
Catrambi como seu testa de ferro, de forma a garantir a vitória
na concorrência, esperando ressarcir-se de quaisquer prejuízos
na construção com os lucros que teria com a exploração das
riquezas das quais ouvira falar que a região era pródiga.
Debates à parte, e mais uma vez provando que a suspeição acima
tinha fundamento, Catrambi ganhou a concorrência mas nos meses
seguintes nada fez para iniciar os trabalhos de construção da
ferrovia, trabalhos esses que começaram a ser conduzidos pela
equipe de Percival Farquhar, que até aquele momento não
possuia, oficialmente, nenhum vínculo com essa empreita.
Dessa forma Percival Farquhar, que era um empresário com
negócios em toda a América do Norte, Central e do Sul,
contratou empresas com as quais já havia construído ferrovias
na Guatemala e Cuba, por entender que o clima desses locais era o
mais semelhante ao clima onde seria desenvolvida a construção
da Madeira Mamoré e portanto esses empreiteiros teriam mais
experiência para levar a bom termo a empreita. Essa empresa era
a May, Jekyll & Randolph, que logo dirigiu-se para a região
de Santo Antônio.
II - Filme já visto
anteriormente.........
Quando a empreiteira contratada
partiu para Santo Antônio, a primeira turma contava, além de um
dos sócios da empreiteira, com cerca de 140 trabalhadores dos
mais diversos graus de especialização. Entretanto, repetindo as
expedições anteriores, o chegar ao porto de destino, a
expedição já havia perdido cerca de 60 homens, que desertaram
pelo caminho para ir trabalhar nos seringais da região, que
pagavam o dobro por dia de trabalho em relação ao pagamento da
ferrovia (US$ 2,30 "versus" US$ 1,38 pagos pela EFMM),
ou como carregadores "autônomos" para auxiliar no
serviço de descarga das canoas que desciam o rio. Esse ritmo de
deserções continuou e no início de julho de 1907, a ferrovia
contava apenas com cerca de 28 homens, número insuficiente para
conduzir os trabalhos.
Além disso, havia o agravante da concessão para a construção
da estrada obrigar a companhia a entregar ao fiscal do governo
brasileiro, até o início de agosto, as plantas prontas do
levantamento preliminar dos primeiros 10 km da ferrovia. Essa
situação somente contribuiu para piorar o ambiente no local,
pois enquanto o encarregado das obras requisitava todos os homens
válidos para a construção do acampamento, tendo em vista que o
fornecimento de instalações adequadas para as pessoas
viverem e obras de saneamento eram os requisitos mínimos
para se enfrentar a insalubridade da região com alguma chance de
sucesso, o próprio sócio da empreiteira instava para que esses
mesmo homens "válidos" se dedicassem exclusivamente ao
levantamento dos tais 10 km iniciais.
Dessa forma, envolvidos em um conflito de poderes, tendo que
abrigar-se das chuvas torrenciais e miríades de insetos em
barracas improvisadas, suportando a pestilência provocada pelos
esgotos a céu aberto, vivendo constantemente em ambiente úmidos
e com falta de roupas e ambientes secos e limpos, bem como
sentindo a falta de alimentação nutritiva, mais uma vez
registramos uma rebelião entre as turmas de trabalhadores, com o
encaminhamento de protesto formal à administração, ameaçando
com a paralisia dos trabalhos se não fossem fornecidas
condições mínimas para as pessoas viverem no local.
Essa situação, menos de 4 meses após a chegada do grupo já
trazia nuvens negras quanto à capacidade da May & Jekyll de
realizar aquela obra. Será que haveria mais um fracasso a
somar-se aos inúmeros que já haviam ocorrido naquela região?
III - Muda o ponto de início da ferrovia
Nessa época de 1907, Santo Antônio
já era uma povoação com mais ou menos 300 habitantes, sendo
alguns estrangeiros de várias nacionalidades, muitos bolivianos
e brasileiros e cerca de 150 indios. As condições de vida eram
bastante primitivas, pois haviam apenas uma rua e cerca de
10 casas de paredes rebocadas, além de alguns armazéns.
Entretanto, devido às melhores condições para a atracação de
navios procedentes da Europa e Estados Unidos em um ponto
localizado alguns kilometros rio abaixo, a Companhia decidiu-se a
iniciar nesse ponto (Porto Velho, antigo Ponto Velho) a ferrovia,
e começou a derrubar a mata e a construir ali o embrião de uma
cidade, pois começaram a ser erguidas a estação inicial, os
alojamentos do trabalhadores, os escritórios da companhia,
armazéns, oficinas, casas para os engenheiros, etc..
Foi também levantado ali um hospital para receber os primeiros
doentes oriundos da construção, ainda que administrado de forma
precária, com apenas um médico e falta constante de remédios e
suprimentos, esse hospital demonstrava que embora a Companhia
não se preocupasse, naquele primeiro momento em direcionar
esforços e recursos para proporcionar as melhores condições
sanitárias e médico-hospitalares, já entendia como fundamental
um hospital na região, par atender as levas de doentes que
certamente surgiriam quando a construção da ferrovia estivesse
mais adiantada.
E como estava a construção nesse final de 1907? Andava devagar,
com a Companhia mantendo cerca de 150 trabalhadores no local, a
maioria Brasileiros. Durante esse tempo em que a empresa estava
"fazendo hora" na região, aconteciam no exterior
grandes negociações envolvendo o empreendimento, uma vez que
Percival Farquhar fundou, em agosto de 1907, a Madeira Mamoré
Railway Company, que adquiriu a concessão de Joaquim Catrambi,
pagando em ações da nova companhia (que nunca chegaram a ter
mercado ou dar lucro, já antecipamos). Ou seja, aparentemente
mais um investidor que sairia de mãos vazias dessa história
Para levantar o capital inicial da nova empresa (cerca de US$
11,0 Milhões), Percival Farquhar, sabedor que investidor
nenhum em sã consciência investiria seus preciosos dólares em
uma ferrovia cuja fama de amaldiçoada já havia corrido o mundo,
e sendo ele mesmo um mega investidor (para ospadrões da época),
com dezenas de outros investimentos em locais menos insalubres e
portanto menos sujeitos a prejuízos, dividiu o controle
acionário da MMRC entre seus outros empreendimentos, notadamente
o Porto do Pará e a Brazil Railway Company.
Oficializada a troca de comando no empreendimento, a Madeira
Mamoré Railway começa a recrutar pessoal especializado nos
Estados Unidos e trabalhadores braçais no mundo inteiro,
investindo grande somas de capitis americanos, ingleses e
europeus (que eram os adquirentes dos títulos dos investimentos
de Farquhar no Brasil) para a construção efetiva dessa
ferrovia. Dessa forma, a companhia preparava-se em grande estilo
para vencer a selva, inclusive documentando os trabalhos com com fotos das
etapas da construção, onde portanto, o ano de 1908 viu o número de
trabalhores na região atingir a soma espantosa de quase 2.000
funcionários no final desse ano.
IV - O "rodízio" humano
Nesse ponto, revela-se um dos aspectos mais tristes --embora
práticos-- da construção da ferrovia, pois a empresa concluiu
que, se mantivesse o mesmo sistema de trabalho empregado em
outras obras --funcionários fixos--, iria falir completamente
como todas as outras empreitas, pois a grande maioria dos homens
que chegavam cheios de saúde à região, eram, após 3 ou 4
meses de trabalho, pessoas praticamente incapacitadas para o
trabalho, devido às doenças que assolavam a área.
Assim, foi promovido um verdadeiro "rodízio" humano
naquela região, onde mensalmente levas e mais levas de
trabalhadores sãos e em pleno vigor fisico eram trazidos para
substituir os mortos, doentes e incapacitados, que eram então
demitidos. Resolvidos a tocar as obras initerruptamente através
desse expediente, a Companhia estabeleceu representantes em
diversos países da Europa, Africa e América Central, que
ofereciam grandes perspectivas de lucros para aqueles que se
dispusesse a cumprir um contrato de trabalho "em
uma região paradisíaca na floresta tropical Brasileira",
findo o qual o trabalhador seria livre para tornar-se agricultor
ou participar também da cornucópia de lucros e fortunas que
prometia ser a região cortada pela Estrada de Ferro Madeira
Mamoré. Durante os 6 anos que durou a construção dessa
ferrovia, cerca de 22.000 homens dos mais diversos países e
regiões do mundo acreditaram nesse sonho e entregaram suas
energias para contribuir para a cosntrução dessa ferrovia.
Quantos morreram? Quantos ficaram inutilizados e terminaram seus
dias mendigando nas cidades do vale Amazônico? Quantos
prosperaram? são perguntas sem respostas, como muitas que até
cercam a construção dessa estrada de ferro.
Na média, cerca de 400 a 500 funcionários novos recrutados pela
Companhia no mundo inteiro chegavam mensalmente aos canteiros de
obras, e imediatamente começavam a substituir os doentes e
incapacitados, pois à medida em que as turmas avançavam no
levantamento da linha, derrubada das matas e construção da via
permanente, iam afastando-se cada vez
mais da Região de Santo Antônio, onde pelo menos já havia um
mínimo de estrutura sanitária e embrenhando-se no coração da
selva amazônica, enfrentando todo o tipo de doenças e
enfermidades nessa região desconhecida, inexplorada e
reconhecidamente uma das mais insalubres do planeta, devido aos
milhares de pântanos e charcos que servem de viveiro para
milhões de mosquitos e insetos transmissores das mais diversas
moléstias.
E assim, o pessoal da ferrovia pagava seu pesado tributo à
região, onde a malária grassava entre os trabalhadores, os
quais muitas vezes, ao cair doentes em locais mais distantes do
ponto inicial da ferrovia, acabavam morrendo à mingua sem
quaisquer cuidados. Mesmo os médicos sofriam de doenças e
nessas horas, eram os engenheiros e pessoal mais graduado
escalados para fazer esse atendimento. Foi a construção dessa
ferrovia recheada de episódios de heroísmo e dedicação de
homens que, reunidos nos mais diversos locais do mundo deram, sob
o comando de um punhado de americanos decididos e corajosos,
mostras de um valor e solidariedade humanos impares, a ponto de
muitos médicos e engenheiros acabaram encontrando a morte nesse
trabalho de atender aos doentes.
E o que diziam os depoimentos na época? O de sempre: "Chove
diariamente, os mosquitos perturbam dia e noite, não existe um
único lugar seco nessa região, o chão é um barro só, o
impaludismo e a malária grassam nos acampamentos e os homens
morrem muito mais rapidamente do que antes....."
Um relatório de um dos médidos, o Dr. Lovelace, diz que 95% da
população de Porto Velho estava atacada de malária e que, de
acordo com seus estudos, algumas observações impressionantes
haviam sido feitas, como por exemplo o fato de que com certeza,
após 30 dias de estada em Porto Velho, uma pessoa já teria
contraído a malária. Nessa época, a média de permanência de
um funcionário na região era por volta de 3 meses e se era
verdade que mensalmente chegavam vapores carregados de novos
trabalhadores ansiosos por arriscarem a sorte na região, também
é verdade que esses mesmos vapores partiam lotados com as mesmas
pessoas que haviam chegado 3, 4 meses antes, apavorados com a
pestilência que imperava na região. Quantas dessas pessoas
doentes foram morrer na viagem ou em seus países de origem?
Jamais saberemos.
Entretanto, os miseráveis que conseguiam chegar a Manaus ou
Belém, passando a esmolar nessas cidades, foram objeto de muitas
reportagens criticando essa situação por parte da imprensa, com
repercursão mundial, a ponto de países como a Alemanha, por
exemplo, proibirem a viagem de seus cidadãos com destino a essa
empreita.
E assim, entramos pelo ano de 1909, onde em alguns meses chegaram
a haver mais de 2.800 trabalhadores na ferrovia, das
nacionalidades mais diversas que se possa imaginar, como
chineses, índios Norte-Americanos, Húngaros, Belgas,
Irlandeses, Russos, Árabes e muitos outros, fazendo-nos perceber
que o trabalho de recrutamento de sangue novo dava-se em nível
mundial. Realmente, como disse o Ministro da Viação e
Obras Públicas em trecho de sua apresentação ao Presidente da
República, em 1910: "Raras vezes terá sido construída
uma estrada nas condições desta...."
Aos poucos entretanto, o engenho e a determinação dos
Norte-Americanos foi transformando Porto
Velho em uma
cidade de razoável porte, sendo providenciados sistemas de
saneamento e tratamento de água, sistemas de telefonia e até
iluminação pública com eletricidade. Instalações tais como
padarias, fábricas de gelo, cinema, fábricas de biscoito,
matadouro, tipografia, etc.., conforme pode ser visto nas fotos a
seguir.