Em 2000 a Cidade de São Paulo terá 10.000.000 de habitantes
São Paulo foi a megacidade que mais cresceu no século 20
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
Jornal "Folha de São Paulo"
A cidade de São Paulo chegará a
10 milhões de habitantes no ano
2000. É o que indicam projeções
tanto do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
quanto da Fundação Seade, do
governo paulista. Mais do que
uma coincidência, será o símbolo
do maior crescimento de uma
megacidade no século 20. Nesses
cem anos, o tamanho de São Paulo terá aumentado 42 vezes.
Dos 240 mil habitantes que tinha em 1900, a cidade passará a
10,009 milhões de moradores no
ano 2000, segundo o IBGE.
Outras metrópoles do século 20,
como a Cidade do México, também tiveram crescimento acelerado, mas não chegaram a tanto.
No caso da capital mexicana, a
população saltou de 541 mil pessoas em 1900 para 8,236 milhões
em 1990 (aumento de 15 vezes),
quando o núcleo urbano central
já apresentava uma tendência de
desaceleração após o terremoto
de 1985. Tóquio saiu de cerca de
1,5 milhão de habitantes em 1900
para 8 milhões em 1994. Nos três
casos, a comparação leva em conta a população só da cidade.
Considerando-se as regiões metropolitanas -ou seja, incluindo-se as cidades do entorno-, o
crescimento da capital japonesa é
bem maior: passa de 2,5 milhões
para 27,2 milhões de habitantes
em 1996. A Cidade do México
chega a 16,9 milhões e a Grande
São Paulo, a 16,8 milhões.
Mesmo assim o crescimento da
capital paulista é proporcionalmente maior, porque parte de
uma base populacional menor em
1900. Se recuarmos mais dez anos,
percebe-se quão dramático foi o
desenvolvimento paulistano: em
1890 eram apenas 65 mil paulistanos -e, mesmo assim, era o dobro do que havia em 1880.
A história da explosão populacional paulistana começa no final
do século passado, quando uma
série de fatores coincidiram para
transformar uma aldeia provinciana em uma das três maiores cidades do mundo.
Em 1868, um estudante baiano
da Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco definia assim a
cidade: "São Paulo não é Brasil, é
um trapo do pólo pregado a goma
arábica na falda da América."
O estudante era Castro Alves e,
por mais exagerado que pareça,
ele de fato não tinha motivos para
se impressionar. Gelada e encarapitada na colina onde havia sido
fundada pelos jesuítas, São Paulo
pouco mudara em 300 anos.
A iluminação era à base de óleo
de rícino, pois a luz elétrica só
chegaria em 1891. Água, só em um
dos três chafarizes, e, mesmo assim, de pouca qualidade por causa da proximidade do matadouro.
Pelo menos de longe a cidade
exibia um perfil agradável e harmônico -nas palavras de Richard Morse em seu "De Comunidade a Metrópole"-, com fachadas rosa ou cor de creme, do
qual só se destacavam as silhuetas
das igrejas e dos conventos.
As ruas não iam além dos vales
dos rios Tamanduateí e Anhangabaú. Tudo era tão perto que a primeira linha de bonde, puxado por
animais, só seria inaugurada em
1872. Mas o primeiro passo para
tirar São Paulo do destino periférico havia sido dado no ano anterior.
A inauguração da ferrovia Santos-Jundiaí, em 1867, iria ajudar a
canalizar para a cidade a riqueza
do café, que se expandia pelo oeste do Estado. E, no sentido contrário, iria trazer milhares de imigrantes estrangeiros.
São Paulo bate a cabeça no teto
Com população em queda, marco de 10 milhões não deve ser ultrapassado em 20 anos
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
Jornal "Folha de São Paulo, 05/12/1999
Os 10 milhões de habitantes são,
ao mesmo tempo, um marco e
um limite para a expansão paulistana. Segundo a demógrafa Bernadette Waldvogel, da Fundação
Seade, as projeções indicam que a
cidade não deverá ultrapassar os
10 milhões. Ao menos não nos
próximos 20 anos.
Contrariando a tendência que
marcou sua trajetória no século
20, São Paulo vem expulsando
mais gente do que acolhendo novos moradores nas duas últimas
décadas. Aquilo que os demógrafos chamam de saldo migratório
agora virou déficit.
Depois de adicionar até 128 mil
imigrantes por ano à sua população na década de 1960, a metrópole foi reduzindo sua capacidade
de absorção nos anos 1970 até
chegar à saturação nos anos 1980
e 1990.
Nesta década, São Paulo perdeu
em média 96 mil moradores por
ano -expulsos, pelo desemprego
e pelo alto custo de vida, rumo à
periferia dos municípios vizinhos
da região metropolitana.
Paralelamente, a capacidade de
reprodução da população também diminuiu. É que as paulistanas vêm tendo cada vez menos filhos. A taxa de natalidade caiu de
29 nascidos vivos para cada 1.000
habitantes no início dos 80 para
22/1.000 em 1998.
Numa perspectiva histórica a
queda foi ainda mais dramática.
A professora de História da USP
Maria Luiza Marcílio calculou a
taxa de natalidade paulistana na
primeira metade do século 19 em
48 nascimentos por 1.000 habitantes.
A soma de menor fecundidade
com a expulsão de população resultou na queda contínua da taxa
de crescimento, que passou de
5,25% ao ano na década de 1950
para 0,4% nos anos 1990. E a tendência é esse número chegar cada
vez mais perto de zero.
Aproximando-se o fim do milênio, a metrópole paulista entra no
seleto clube das cidades globais,
mas, ao mesmo tempo, completa
seu ciclo de crescimento. Torna-se uma cidade de prestação de
serviços altamente especializados, mas perde empregos na indústria e se distancia cada vez
mais da agricultura. Foi justamente o casamento dessas duas
atividades que proporcionou o
"boom" de crescimento na virada
do século 19 para o século 20.
A ferrovias traziam para São
Paulo o café, que então seguia para os navios no porto de Santos.
Nessa época, o maior empregador paulistano chegou a ser uma
fábrica de vagões.
Com a abolição da escravatura,
os salários que passaram a ser pagos na lavoura atraíram a mão-de-obra estrangeira -analisa
Warren Dean em seu livro "A Industrialização de São Paulo"-,
monetarizando a economia.
Os imigrantes
Os imigrantes formaram um
mercado de consumo para produtos populares e baratos, que
não compensavam ser importados. Os lucros do café eram, assim, investidos em parte na indústria nascente, principalmente
de tecidos, sapatos, móveis e material de construção (cimento, telhas e vidro).
O surto industrial foi também
explosivo. Partindo de 52 indústrias em 1895, a cidade já superava
o Rio de Janeiro como principal
pólo industrial do país na década
de 1920 e, em 1940, já se tornara a
maior concentração manufatureira da América Latina.
No começo, a classe operária
era praticamente toda de imigrantes estrangeiros. Ao ponto
de, nos primeiros anos do século
20, haver dois italianos para cada
brasileiro morando em São Paulo.
"Era a maior população italiana
urbana do mundo", diz Maria
Luiza Marcílio.
Vem desse período também o
processo de periferização da população pobre da cidade.
Enquanto os imigrantes desciam as encostas da colina central
rumo à várzea do Tamanduateí
para fundar bairros populares como o Brás, a elite agrícola e os industriais emergentes ascendiam
por Higienópolis rumo ao espigão da Paulista e os Jardins.
Com o passar dos anos, o linguajar "italianado" dos imigrantes foi sendo substituído pelo sotaque dos nordestinos e, mais recentemente, pelo dos mineiros do
vale do Jequitinhonha, que buscavam empregos na indústria metalúrgica e da construção.
As ondas subsequentes de migrantes se juntaram ao efeito da
queda das taxas de mortalidade
para propiciar o "boom" populacional da metade do século 20 em
São Paulo, explica Marcílio.
A partir dos 80, entretanto, a desindustrialização da economia
paulistana juntou-se ao fato de só
haver oportunidades de moradia
em áreas cada vez mais periféricas. E a cidade de São Paulo foi assim perdendo seu apelo para os
migrantes e expulsando parte de
seus moradores.
A capital vai começar o milênio
enfrentando, assim, um novo desafio. Em vez de empregar e abrigar novos moradores, precisará
diminuir a exclusão social que
provoca a violência e dar melhores condições de vida a uma população cujo destino é ficar cada
vez mais velha.